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Justiça condena União por nota de ex-chefes das Forças Armadas que estimulou acampamentos golpistas

Sentença manda governo realizar cerimônia pública de pedido de desculpas, com participação dos comandantes das FAA, e promover de cursos de formação a militares para ‘revisitar os atos antidemocráticos de 2022 e enfatizar o necessário respeito aos princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito’

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Foto do author Pepita Ortega
Atualização:

O juiz Janilson Bezerra de Siqueira, da Justiça Federal no Rio Grande do Norte condenou a União – o governo federal – a pagar uma indenização de R$ 2 milhões em razão de nota em que os ex-comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica – um deles indiciado por crime de golpe de Estado - “estimularam” acampamentos golpistas, montados em todo o País em frente a quarteis do Exército com pedidos de intervenção militar após a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro nas urnas.

A sentença determina ainda a realização, em até 60 dias, de uma cerimônia pública de pedido de desculpas, com participação dos comandantes das FAA, além da promoção de cursos de formação aos militares de todo o Brasil, para “revisitar os atos antidemocráticos de 2022 e enfatizar o necessário respeito dos integrantes das Forças Armadas aos princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito”.

Apoiadores do ex-presidente da república, Jair Messias Bolsonaro (PL), inconformados com o resultado das eleições presidenciais que elegeu o petista, Luiz Inácio Lula da Silva, acamparam em frente ao Quartel General (QG) em Brasília Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

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Na mesma decisão, assinada nesta sexta, 10, o magistrado da 4ª Vara Federal impôs ainda duas outras condenações, inclusive a do deputado general Girão, pelo fato de o parlamentar ter sido um “importante articulador e motivador de atos criminosos”, inclusive o 8 de janeiro, com “vontade em ver a concretização de um golpe de Estado”.

Além disso, houve a condenação da União, do Estado do Rio Grande do Norte e do município de Natal, ao pagamento de R$ 1 milhão por “omissão na proteção à democracia ao permitirem a manutenção dos acampamentos e obstrução irregular da via em frente ao 16º Batalhão de Infantaria Motorizado (Batalhão Itapiru), na capital potiguar”;

A decisão foi proferida no bojo de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, que argumentou como os então comandantes das Forças Armadas, em nota divulgada em novembro de 2022. Segundo a Procuradoria, o texto “considerava os atos que incitavam a animosidade das Forças Armadas contra os demais poderes como legítimo exercício de liberdade de expressão e reunião”.

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Na nota em questão, os então chefes das Forças Armadas defenderam a garantia de manifestações pacíficas e condenaram “restrições a direitos por parte de agentes públicos” e “excessos cometidos” em atos pelo País - “que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública”.

O texto foi assinado pelo almirante de esquadra Almir Garnier Santos, comandante da Marinha, pelo general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército, e pelo tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, comandante da Aeronáutica.

Dois anos depois, no final do ano passado, o almirante Almir Garnier Santos foi indiciado pela Polícia Federal por crime de golpe de Estado – junto do ex-presidente Jair Bolsonaro e uma série de militares e aliados do ex-chefe do Executivo.

Segundo a Procuradoria, a nota demonstrou a “politização inconstitucional das Forças Armadas e estimulou a manutenção dos atos antidemocráticos e golpistas em frente aos quartéis a partir do desenvolvimento da narrativa de que as eleições foram fraudadas, fomentando a busca pela quebra da ordem democrática”.

Na ação, os procuradores da República Victor Manoel Mariz, Emanuel De Melo Ferreira e Fernando Rocha de Andrade destacaram o oposto da nota assinada pelos militares.

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“As pessoas reunidas nesses acampamentos defenderam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e a necessidade de uma intervenção federal, feita por militares, para ter-se um verdadeiro golpe de Estado. Tratou-se de reunião realizada por associação antidemocrática, não protegida pela liberdade de expressão e reunião, incitando animosidade entre Forças Armadas e Poderes constituídos”, alegaram.

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Ao analisar os argumentos, o juiz Janilson Bezerra de Siqueira entendeu que a nota dos chefes das Forças Armadas realmente “normalizou” os acampamentos golpistas, “estimulando a ideia equivocada de legitimidade dos discursos de falsa insurreição e de ‘retomada do Poder’”. Segundo o magistrado, tal ideia “deu ensejo a um ambiente propício para a intentona de 8 de janeiro de 2023″.

“Agentes públicos militares em posição de alto comando adotaram procedimento que não se harmoniza com a legalidade nem com a neutralidade política das Forças Armadas”, frisou o magistrado.

“A Constituição e o Estatuto dos Militares dispõem que são proibidas manifestações coletivas de militares, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político, configurando extrapolação das competências no caso dos autos. Se as reivindicações eram no sentido de que deveria haver “intervenção militar” ( ), fechamento do STF, e “retomada do Poder”, tudo com o sic uso “legítimo” da força e com o auxílio das Forças Armadas, como pode a União cogitar de manifestações legítimas e garantidas pela liberdade de reunião e de expressão?”, completou.

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