Os investigadores da Polícia Federal (PF) responsáveis pela Operação Mafiusi, a Lava Jato do PCC, encontraram na rede de transações milionárias que envolve o empresário Willian Barile Agati depósitos e pagamentos de empresas de ônibus de São Paulo para parentes de lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC) e para acusados de crimes ligados à facção. O dinheiro que circulou no chamado “sistema financeiro paralelo” do crime organizado está agora na mira do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), de São Paulo, que deve pedir o compartilhamento dos dados encontrados pela PF.
Assim como a Operação Lava Jato, a Operação Mafiusi foi turbinada pelas informações de um delator, Marco José de Oliveira. Seus relatos, segundo investigadores, são decisivos para vedar o canal de irrigação de dinheiro ilícito do PCC.

Uma das empresas de ônibus identificadas pela PF é a Movebuss, que opera cerca de 630 ônibus na capital na área D8, no chamado grupo local de distribuição local do sistema de transporte da capital. É a quarta empresa desse grupo a ter seu nome vinculado a repasses para pessoas investigadas por ligação com o PCC. As outras anteriormente foram a Transwoff e a UPBus, que tiveram seus contratos cancelados após serem alvo da Operação Fim da Linha, do Gaeco, em 2024. A terceira é a Transunião, também investigada pela PF na Operação Mafiusi.
Procurada, a Movebuss afirmou que os pagamentos são referentes à locação de dois veículos (leia a íntegra da nota ao final da matéria). Os demais citados nessa reportagem não responderam aos pedidos de comentário ou não foram localizados. O espaço segue aberto.
As quatro tiveram como origem cooperativas de perueiros que atuavam na periferia da cidade nos anos 1990 e 2000. Foi por meio delas que o crime organizado teria se infiltrado no sistema de transporte e capturado parte das empresas de ônibus de São Paulo. No caso da Movebuss, os federais identificaram repasses para Patrícia Soriano, mulher de Edmilson de Menezes, o Grilo, um dos chefões do tráfico do PCC. Grilo era, de acordo com a PF, sócio no tráfico internacional de drogas do empresário Agati, o “Concierge do PCC”, preso em janeiro.

Agati e Grilo – que morreu, supostamente, atropelado em 2024 – teriam se aliado a traficantes de droga da Máfia dos Bálcãs e da ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, região no sul da Itália, a mais potente organização criminosa da Europa, por meio dos chefões Nicola Assisi, o Fantasma, e Rocco Morabito, conhecido como U’Tamunga. A cocaína saía de portos como Paranguá (PR) em navios ou por meio de aviões e era enviada à Espanha, Bélgica e Itália.
Ao examinar a movimentação financeira de Patrícia Soriano - irmã do traficante Roberto Soriano, o Beto Tiriça, um dos principais líderes do PCC, hoje rompido com Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola –, a polícia descobriu que ela recebeu R$ 227.918,38 da Movebuss., cuja sede fica na Vila Alpina, na zona leste de São Paulo.
O capital social da empresa é de R$ 53,89 milhões. E, segundo a PF, a Movebuss tem três sócios: Marcelo Cavallini Colli, Wagner dos Santos e Antonio Alves de Oliveira, que entraram na sociedade no mesmo dia em que a empresa foi iniciada, em 17 de dezembro de 2014. Cada um deles possui 33,33% de participação no capital social da empresa.
“A Movebuss é uma empresa que participou da maior licitação de transportes do país lançada pela Prefeitura de São Paulo que somou R$ 71,14 bilhões em contratos. Ao todo, foram 32 lotes”, relata o delegado Eduardo Verza, do Grupo de Especial de Investigações Sensíveis (GISE), da PF, em seu relatório enviado à 13ª Vara Criminal de Curitiba, no Paraná, a mesma que cuidou da Operação Lava Jato.
Patrícia é proprietária da empresa Patrícia Soriano Transportes. Ali se contrataram os depósitos identificados pela PF. “O que é notável é que os depósitos ocorrem de forma fragmentada, com dois depósitos no mesmo dia e seis depósitos por mês, ocorrendo mensalmente desde 2020 até o último depósito registrado em 10 de outubro de 2022″, escreveu o delegado.
A reportagem tentou contato com Patrícia por meio de sua empresa, a Patrícia Soriano Transportes, mas o telefone e o e-mail registrados pertencem ao escritório de contabilidade que registrou a companhia.
De acordo com a PF, Patrícia omite em suas declarações de renda, “tanto como pessoa física quanto como pessoa jurídica, o recebimento desses valores”. A PF ainda encontrou indícios de uma vida de luxo da família Soriano, tudo compartilhado em publicações nas redes sociais nas quais ela ostentaria viagens internacionais, carros, helicópteros e presentes caros.
“As redes sociais se tornaram uma janela para a vida das pessoas, permitindo que compartilhem suas experiências, momentos e estilos de vida. Uma análise das contas públicas do Instagram das filhas de Patricia Soriano revelou um alto padrão de vida, destacando o poder das mídias sociais em fornecer insights sobre a vida de indivíduos e famílias”, concluiu o delegado.
Ainda segundo ele, integrantes da família Soriano “têm mostrado ao mundo suas viagens extravagantes a destinos como Paris, Milão e Veneza”. “Elas compartilham fotos e vídeos de suas experiências em hotéis de luxo, e pontos turísticos icônicos. Além disso (...) frequentemente participam de eventos exclusivos e festas.”
O delegado então conclui que, “diante das informações obtidas a partir das fontes de Receita, em conjunto com a análise bancária realizada e a observação das redes sociais da família Soriano, é possível inferir que o padrão de vida apresentado é incompatível com a renda declarada”.
Transunião e Cachorrão
Outro alvo da investigação que a Federal descobriu por meio da rede de transações milionárias do sistema financeiro paralelo é Jair Ramos de Freitas, o Cachorrão, que chegou a ser preso pela polícia em 2022 sob a acusação de ser o pistoleiro que emboscou e matou o ex-diretor da Transunião Adauto Soares Jorge a mando do PCC, mas acabou solto.
Segundo a PF, ele recebeu R$ 8 milhões da Transunião. O valor milionário foi para compra de ônibus, informou a empresa ao Estadão. Cachorrão seria sócio da empresa Universo Bus Comércio e Serviços Ltda, fundada em 08 de novembro de 2021. Ainda de acordo com a PF, ele mantém um vínculo empregatício com a empresa Cooperativa Transp Cond Aut. “Ele iniciou seu trabalho na empresa em 20 de julho de 2017 e o vínculo permanece aberto. No entanto, não há registros de remunerações nem de recolhimentos ao INSS.”
Entre 2020 e 2021, a empresa de Cachorrão aumentou 1.149,8%, um crescimento relacionado à transações com veículos. “Além disso, as transações bancárias totalizam aproximadamente 1089% a mais do que o valor declarado ao fisco federal.” Entre as pessoas físicas e jurídicas que mais fizeram transações com Cachorrão, a Transunião está em primeiro lugar. “É importante ressaltar que não há notas fiscais entre os envolvidos”, apontou o delegado. A Transunião não atendeu a reportagem nem retornou o pedido de posicionamento. O Estadão pediu manifestação de Cachorrão via e-mail.
Na rede de transações entre a empresa e Cachorrão surgiu ainda Fábio “Jaga” Fernandes de Souza e a empresa Universo Bus Comércio e Serviços Ltda, também investigado na Operação Mafiusi. Ele é o quinto da lista de transações de Cachorrão. O sexto é Lourival de França Monário, sócio e presidente da empresa, que transferiu R$ 897 mil para Cachorrão.
Dois outros envolvidos na rede chamaram a atenção da PF: Wilson Pereira da Costa e Ubiratan Batista de Oliveira. Os dois são antigos associados da cooperativa que deu origem à Transunião. “É relevante notar que Wilson Pereira da Costa e Ubiratan Batista de Oliveira encerraram a sociedade com a empresa Transunião, em 7 de agosto de 2015. No entanto, eles receberam valores da empresa de Jair Ramos de Freitas entre setembro de 2020 a maio de 2021.”
COM A PALAVRA, A MOVEBUSS
Foram depositados valores relacionados a pagamentos de prestação de serviços em nome de empresa locadora de veículos que Patrícia Soriano consta no quadro social, de fato esta empresa loca 02 veículos para a Movebuss. Informamos ainda que a Movebuss possui regramento interno rígido de compliance e periodicamente solicita certidões de antecedentes criminais e outras questões das empresas que lhe prestam serviços, nesta rastreabilidade periódica jamais foi encontrado qualquer apontamento de que ela ou sua empresa tivesse envolvimento com algo ilícito.
Em relação a outros nomes citados, desconhecemos as relações pessoais que Patrícia Soriano possui e nunca tivemos nenhuma relação com estes.