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Lava Jato do PCC encontra novos repasses de empresas de ônibus de São Paulo para facção

Além das duas empresas que tiveram seus contratos cancelados, agora duas outras se veem envolvidas na rede de transações financeiras investigada pela Polícia Federal; Uma das empresas diz que pagamentos são referentes à locação de dois veículos; demais citados não comentaram

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Atualização:

Os investigadores da Polícia Federal (PF) responsáveis pela Operação Mafiusi, a Lava Jato do PCC, encontraram na rede de transações milionárias que envolve o empresário Willian Barile Agati depósitos e pagamentos de empresas de ônibus de São Paulo para parentes de lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC) e para acusados de crimes ligados à facção. O dinheiro que circulou no chamado “sistema financeiro paralelo” do crime organizado está agora na mira do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), de São Paulo, que deve pedir o compartilhamento dos dados encontrados pela PF.

Assim como a Operação Lava Jato, a Operação Mafiusi foi turbinada pelas informações de um delator, Marco José de Oliveira. Seus relatos, segundo investigadores, são decisivos para vedar o canal de irrigação de dinheiro ilícito do PCC.

As relações de Patrícia Soriano, irmã de Roberto Soriano, o Tiriça do PCC, com a empresa Movebuss foram identificadas pela Operação Mafiusi, a Lava Jato do PCC Foto: Reprodução / Estadão

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Uma das empresas de ônibus identificadas pela PF é a Movebuss, que opera cerca de 630 ônibus na capital na área D8, no chamado grupo local de distribuição local do sistema de transporte da capital. É a quarta empresa desse grupo a ter seu nome vinculado a repasses para pessoas investigadas por ligação com o PCC. As outras anteriormente foram a Transwoff e a UPBus, que tiveram seus contratos cancelados após serem alvo da Operação Fim da Linha, do Gaeco, em 2024. A terceira é a Transunião, também investigada pela PF na Operação Mafiusi.

Procurada, a Movebuss afirmou que os pagamentos são referentes à locação de dois veículos (leia a íntegra da nota ao final da matéria). Os demais citados nessa reportagem não responderam aos pedidos de comentário ou não foram localizados. O espaço segue aberto.

As quatro tiveram como origem cooperativas de perueiros que atuavam na periferia da cidade nos anos 1990 e 2000. Foi por meio delas que o crime organizado teria se infiltrado no sistema de transporte e capturado parte das empresas de ônibus de São Paulo. No caso da Movebuss, os federais identificaram repasses para Patrícia Soriano, mulher de Edmilson de Menezes, o Grilo, um dos chefões do tráfico do PCC. Grilo era, de acordo com a PF, sócio no tráfico internacional de drogas do empresário Agati, o “Concierge do PCC”, preso em janeiro.

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A Polícia Federal investiga a viúva de Edmilson Menezes, o Grilo, traficante do PCC e sócio de Willian Agati no envio de toneladas de cocaína para a Europa Foto: Reprodução / Estadão

Agati e Grilo – que morreu, supostamente, atropelado em 2024 – teriam se aliado a traficantes de droga da Máfia dos Bálcãs e da ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, região no sul da Itália, a mais potente organização criminosa da Europa, por meio dos chefões Nicola Assisi, o Fantasma, e Rocco Morabito, conhecido como U’Tamunga. A cocaína saía de portos como Paranguá (PR) em navios ou por meio de aviões e era enviada à Espanha, Bélgica e Itália.

Ao examinar a movimentação financeira de Patrícia Soriano - irmã do traficante Roberto Soriano, o Beto Tiriça, um dos principais líderes do PCC, hoje rompido com Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola –, a polícia descobriu que ela recebeu R$ 227.918,38 da Movebuss., cuja sede fica na Vila Alpina, na zona leste de São Paulo.

O capital social da empresa é de R$ 53,89 milhões. E, segundo a PF, a Movebuss tem três sócios: Marcelo Cavallini Colli, Wagner dos Santos e Antonio Alves de Oliveira, que entraram na sociedade no mesmo dia em que a empresa foi iniciada, em 17 de dezembro de 2014. Cada um deles possui 33,33% de participação no capital social da empresa.

“A Movebuss é uma empresa que participou da maior licitação de transportes do país lançada pela Prefeitura de São Paulo que somou R$ 71,14 bilhões em contratos. Ao todo, foram 32 lotes”, relata o delegado Eduardo Verza, do Grupo de Especial de Investigações Sensíveis (GISE), da PF, em seu relatório enviado à 13ª Vara Criminal de Curitiba, no Paraná, a mesma que cuidou da Operação Lava Jato.

Patrícia é proprietária da empresa Patrícia Soriano Transportes. Ali se contrataram os depósitos identificados pela PF. “O que é notável é que os depósitos ocorrem de forma fragmentada, com dois depósitos no mesmo dia e seis depósitos por mês, ocorrendo mensalmente desde 2020 até o último depósito registrado em 10 de outubro de 2022″, escreveu o delegado.

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A reportagem tentou contato com Patrícia por meio de sua empresa, a Patrícia Soriano Transportes, mas o telefone e o e-mail registrados pertencem ao escritório de contabilidade que registrou a companhia.

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De acordo com a PF, Patrícia omite em suas declarações de renda, “tanto como pessoa física quanto como pessoa jurídica, o recebimento desses valores”. A PF ainda encontrou indícios de uma vida de luxo da família Soriano, tudo compartilhado em publicações nas redes sociais nas quais ela ostentaria viagens internacionais, carros, helicópteros e presentes caros.

“As redes sociais se tornaram uma janela para a vida das pessoas, permitindo que compartilhem suas experiências, momentos e estilos de vida. Uma análise das contas públicas do Instagram das filhas de Patricia Soriano revelou um alto padrão de vida, destacando o poder das mídias sociais em fornecer insights sobre a vida de indivíduos e famílias”, concluiu o delegado.

Ainda segundo ele, integrantes da família Soriano “têm mostrado ao mundo suas viagens extravagantes a destinos como Paris, Milão e Veneza”. “Elas compartilham fotos e vídeos de suas experiências em hotéis de luxo, e pontos turísticos icônicos. Além disso (...) frequentemente participam de eventos exclusivos e festas.”

O delegado então conclui que, “diante das informações obtidas a partir das fontes de Receita, em conjunto com a análise bancária realizada e a observação das redes sociais da família Soriano, é possível inferir que o padrão de vida apresentado é incompatível com a renda declarada”.

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Transunião e Cachorrão

Outro alvo da investigação que a Federal descobriu por meio da rede de transações milionárias do sistema financeiro paralelo é Jair Ramos de Freitas, o Cachorrão, que chegou a ser preso pela polícia em 2022 sob a acusação de ser o pistoleiro que emboscou e matou o ex-diretor da Transunião Adauto Soares Jorge a mando do PCC, mas acabou solto.

Segundo a PF, ele recebeu R$ 8 milhões da Transunião. O valor milionário foi para compra de ônibus, informou a empresa ao Estadão. Cachorrão seria sócio da empresa Universo Bus Comércio e Serviços Ltda, fundada em 08 de novembro de 2021. Ainda de acordo com a PF, ele mantém um vínculo empregatício com a empresa Cooperativa Transp Cond Aut. “Ele iniciou seu trabalho na empresa em 20 de julho de 2017 e o vínculo permanece aberto. No entanto, não há registros de remunerações nem de recolhimentos ao INSS.”

Entre 2020 e 2021, a empresa de Cachorrão aumentou 1.149,8%, um crescimento relacionado à transações com veículos. “Além disso, as transações bancárias totalizam aproximadamente 1089% a mais do que o valor declarado ao fisco federal.” Entre as pessoas físicas e jurídicas que mais fizeram transações com Cachorrão, a Transunião está em primeiro lugar. “É importante ressaltar que não há notas fiscais entre os envolvidos”, apontou o delegado. A Transunião não atendeu a reportagem nem retornou o pedido de posicionamento. O Estadão pediu manifestação de Cachorrão via e-mail.

Na rede de transações entre a empresa e Cachorrão surgiu ainda Fábio “Jaga” Fernandes de Souza e a empresa Universo Bus Comércio e Serviços Ltda, também investigado na Operação Mafiusi. Ele é o quinto da lista de transações de Cachorrão. O sexto é Lourival de França Monário, sócio e presidente da empresa, que transferiu R$ 897 mil para Cachorrão.

Dois outros envolvidos na rede chamaram a atenção da PF: Wilson Pereira da Costa e Ubiratan Batista de Oliveira. Os dois são antigos associados da cooperativa que deu origem à Transunião. “É relevante notar que Wilson Pereira da Costa e Ubiratan Batista de Oliveira encerraram a sociedade com a empresa Transunião, em 7 de agosto de 2015. No entanto, eles receberam valores da empresa de Jair Ramos de Freitas entre setembro de 2020 a maio de 2021.”

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COM A PALAVRA, A MOVEBUSS

Foram depositados valores relacionados a pagamentos de prestação de serviços em nome de empresa locadora de veículos que Patrícia Soriano consta no quadro social, de fato esta empresa loca 02 veículos para a Movebuss. Informamos ainda que a Movebuss possui regramento interno rígido de compliance e periodicamente solicita certidões de antecedentes criminais e outras questões das empresas que lhe prestam serviços, nesta rastreabilidade periódica jamais foi encontrado qualquer apontamento de que ela ou sua empresa tivesse envolvimento com algo ilícito.

Em relação a outros nomes citados, desconhecemos as relações pessoais que Patrícia Soriano possui e nunca tivemos nenhuma relação com estes.