Um dos golpes mais duros no legado da Operação Lava Jato, a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou provas do acordo de leniência da Odebrecht, usou como justificativa suspeitas de compartilhamento ilegal de provas com outros países.
Anos antes de saber que a colaboração internacional viria a se transformar em argumento para colocar o acordo em xeque, o ex-procurador Stefan Lenz, responsável pelas investigações da Lava Jato na Suíça, admitiu que trocou informações com integrantes da força-tarefa de Curitiba por telefone e aplicativo de mensagem. “Houve troca de informações por telefone ou pelo Telegram e, para mim, isso é totalmente legal”, narrou.
O ex-procurador afirmou que a “informação espontânea” está prevista na legislação da Suíça e é diferente do compartilhamento de provas. Ele já havia negado ao Estadão o envio ilegal de documentos ao Brasil.
“As investigações internacionais só são bem-sucedidas quando há um fluxo mais ou menos livre de informações. Isso significa que posso pegar o telefone quando vejo alguma coisa, ligar para os meus colegas no Brasil e dizer a eles que vejo isso e aquilo. Isso é uma informação. E isso na Suíça, eu posso fazer”, acrescentou.
O relato de Stefan Lenz, que hoje atua como advogado, é de julho de 2021, ou seja, cerca de dois anos antes da decisão de Toffoli sobre a leniência da Odebrecht. A entrevista faz parte do livro Lava Jato: histórias dos bastidores da maior investigação anticorrupção do Brasil, escrito pela advogada e professora Ligia Maura Costa. A obra reúne 22 depoimentos e será lançada na próxima segunda, 4, pela editora Lumen Juris. O lançamento será às 19h na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis, em São Paulo.
O livro compila entrevistas com protagonistas da Operação Lava Jato. Foram ouvidos procuradores, magistrados e advogados de empresários e políticos condenados.
Além de Stefan Lenz, a lista inclui nomes como o ex-juiz Sergio Moro, o ex-procurador Deltan Dallagnol, o ministro aposentado Marco Aurélio Mello, o ex-presidente Michel Temer e o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
A obra está divida em quatro partes, que abordam o papel do Ministério Público, da advocacia, do Judiciário e da sociedade civil na investigação.
A ideia do livro surgiu depois que o empresário Marcelo Odebrecht participou, a convite da professora, de uma palestra sobre compliance aos alunos da Fundação Getulio Vargas, onde Ligia Leciona.
“Quando o Marcelo ainda estava preso, eu escrevi ao advogado dele. Foi a primeira vez que ele falou depois da prisão. O Marcelo foi muito sincero com os alunos. Na época, ele afirmou que os fins não justificam os meios. Ele tinha acabado de sair da prisão, eu não sei se hoje ele falaria o que falou”, conta ao Estadão.
Foram três anos para concluir as entrevistas a escrever o livro. Antes disso, foram meses de pesquisas preliminares, sobre metodologia, para definir a melhor estratégia de abordagem aos entrevistados. Todas as conversas foram virtuais, algumas durante a pandemia.
Para a professora, que pesquisa corrupção, a Operação Lava Jato ainda tem a ensinar. “A gente ainda não digeriu o que aconteceu. O que eu posso dizer é que foi a maior operação de investigação contra a corrupção que existiu no Brasil e no mundo até hoje. Se houve erros processuais, não estou entrando nesse mérito.”
A decisão do ministro Dias Toffoli se soma a um movimento mais amplo de reveses impostos à Lava Jato e de revisionismo dos métodos da investigação. Ligia projeta que, em alguns anos, o Brasil poderá entrar novamente em um ciclo de combate à corrupção, nos moldes da falecida Lava Jato.
“O combate à corrupção, historicamente, passa por altos e baixos em vários países. A alta geralmente está associada a grandes escândalos. Depois há uma reação do sistema corrupto, que inicialmente fica dividido e demora um pouco para se recuperar. Mas, quando, o sistema se recupera, ele se une e bate de volta, porque corrupção não tem ideologia. A resposta é um tsunami para destruir todos os esforços de combate à corrupção. Eu acho que nós estamos exatamente nesta fase. Mas, do ponto de vista histórico e comparado, eu arrisco dizer que isso vai voltar a acontecer: nós vamos ter novamente uma grande operação de combate à corrupção.”
A autora
Ligia Maura Costa é advogada, jurista, professora e escritora, especializada em direito internacional, combate à corrupção e governança. Formada em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), tem mestrado em direito do comércio internacional e doutorado em direito internacional pela Université de Paris-X, além de ser pós-doutora em negociações internacionais pela universidade francesa Sciences Po (Paris). Por mais de dez anos, lecionou nas universidades de Sciences Po (Paris) e Universitat St. Gallen (Suíça) e atualmente ela é professora titular na Fundação Getúlio Vargas São Paulo. Ligia também é conselheira da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP), do Fórum Econômico Mundial e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNDOC).
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