O Imperador Pedro II é uma personalidade que precisaria ser redescoberto a cada tragédia moral que envolve a vida pública brasileira, a fim de servir como paradigma e alerta. Já fomos melhores nesse campo. Nem existem termos de comparação.
Um documento pouco explorado nas aulas de História é aquele chamado “Minha Fé de Ofício”, redigido em Cannes, em abril de 1891. São seis laudas escritas com letrinha fina, original atribuído ao Conde Motta Maia e glosas manuscritas pelo Imperador. De cujo punho provêm, também, as linhas finais.
Vale a pena reproduzir ao menos algumas partes:
“Sempre tive sentimento religioso, por ser inato no homem, e despertado pela contemplação da natureza. Creio em Deus, e a reflexão me fez sempre conciliar suas qualidades infinitas. Onisciência, Providência e Misericórdia. Sempre tive fé, e acreditei nos dogmas, mesmo por argumentos da razão.
O que sei, devo-o sobretudo à pertinácia. Reconheço que sou muito somenos no que é relativo aos dotes de imaginação, que posso, aliás, bem apreciar em outros. As leis sociais sempre me preocuparam, e não sou o mais competente para dizer a parte, que sempre tomava em seu estudo e aplicação. Sempre me interessei pelas questões econômicas, estudando com todo o cuidado pautas de alfândegas, no sentido de proteger indústrias naturais até o período do próspero desenvolvimento. Sempre pensei no sentido da instrução livre, havendo somente inspeção do Estado quanto à moral e à higiene, e aos ministros pertencer a parte religiosa às famílias e aos ministros das diversas religiões. Também no estabelecimento de duas Universidades, uma ao norte e outra ao sul, com as faculdades e institutos necessários e portanto apropriadas às diferentes regiões, sendo o provimento das cadeiras por meio de concurso.
Igreja livre no Estado livre, mas isso quando a instrução do povo pudesse aproveitar de tais instituições.
Sempre estudei com muito cuidado o que era relativo à moeda corrente, que se prende à questão dos bancos. Legislação sobre privilégios, opondo-me sempre aos que se ligam à propriedade literária, sustentando as opiniões de Alexandre Herculano, e antes que ele as tivesse manifestado.
Estudei muito questões de imigração, sobre a base da propriedade, e o aproveitamento das terras. Explorações para o conhecimento das riquezas naturais. Navegação de rios e diferentes vias de comunicação. Pensava na instalação de um Observatório Astronômico, moldado nos mais modernos estabelecimentos desse gênero e que, segundo minhas previsões e estudos, poderia ser superior ao de Nice.
Sempre cogitei em todos os melhoramentos para o exército e marinheiros, a fim de que estivéssemos sempre preparados para qualquer eventualidade, embora contrário às guerras, evitando-as assim.
Preocupavam-me seriamente os estudos de higiene pública e particular, a fim de evitar as grandes epidemias, e isso sem grande vexame para as populações. Acompanhava-me sempre a ideia de ver o meu Brasil sem ignorância, sem falsa religião, sem vícios e sem distâncias.
Sempre pensei que o homem devia ser regenerado e não suprimido, e por isso estudava muito a penalidade, tomando grande parte no que se fez relativamente às prisões e estudando todas as questões modernas que tendiam a seu melhoramento.
Procurei abolir a pena capital por lei, tendo-se encarregado o Visconde de Ouro Preto de apresentar às Câmaras um projeto para a abolição legal da mesma pena.
Estudava, cuidadosamente, todos os processos para a comutação da pena última, e quando não encontrava base para isso, guardava-os, sendo a incerteza já uma pena gravíssima para os réus.
Sempre me esforcei pela liberdade das eleições, e, como medida provisória, pugnei pela representação obrigada do terço, preferindo a representação uninominal de círculos bem divididos. Pois que o sistema ainda por agora impraticável, deve ser o da maioria de todos os votantes de uma nação”.
Esta verdadeira “profissão de fé” permite constatar que Pedro II acreditava no contencioso administrativo, algo que até o momento não se implementou e que faz do Estado brasileiro o maior cliente do Poder Judiciário. Situação autofágica, propiciadora de dispêndio incompatível com as reais carências da Nação. Voltarei ao tema.
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