Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | Lei da Palmada: um avanço ainda incompleto

É relevante ter em conta que a Lei Menino Bernardo faz parte de um esforço maior para construir uma cultura de paz e respeito aos direitos humanos no Brasil. A violência contra crianças é um reflexo de uma sociedade que ainda precisa evoluir em termos de justiça social e igualdade. O combate a essa violência deve ser destacado como uma prioridade nacional

PUBLICIDADE

convidado
Por Alan Bousso

A Lei nº 13.010, conhecida como Lei Menino Bernardo ou Lei da Palmada, completou dez anos em 2024, reacendendo a discussão sobre o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou tratamento cruel ou degradante. Sancionada em 2014, a legislação marcou um avanço para o Brasil ao alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e estimular a educação não violenta. O nome da lei é uma homenagem a Bernardo Boldrini, um menino gaúcho de 11 anos que foi cruelmente assassinado por overdose de medicamentos em abril de 2014, na cidade de Três Passos (RS). Os acusados são o pai e a madrasta de Bernardo, além de dois conhecidos do casal.

PUBLICIDADE

Tornando mais ampla a rede de proteção à criança e ao adolescente, a Lei Menino Bernardo determina que pais ou responsáveis que utilizarem meios violentos na correção dos infantes sejam advertidos sobre o caso e encaminhados ao programa oficial de proteção à família, tratamento psicológico ou psiquiátrico, e programas de orientação. Já a criança vítima da agressão deverá ser encaminhada a tratamento especializado de acordo com o caso, sendo essas medidas aplicadas pelo Conselho Tutelar e sem prejuízo de outras providências legais.

Embora a legislação represente um significativo avanço para a proteção da infância, a implementação efetiva da lei ainda enfrenta desafios consideráveis. A falta de políticas públicas eficazes para garantir o cumprimento da lei é um dos principais obstáculos. A legislação por si só não é suficiente para mudar comportamentos arraigados e práticas culturais; é necessário um esforço contínuo e coordenado para educar a população e oferecer suporte às famílias.

A carência de programas de educação parental é um dos problemas mais evidentes. Muitas vezes, os pais recorrem ao castigo físico por não conhecerem alternativas de disciplina positiva. Programas que ensinam técnicas de educação baseada no diálogo, na empatia e no respeito são essenciais para transformar a maneira como as crianças são tratadas. Esses programas devem ser amplamente divulgados e acessíveis a todas as famílias, independentemente de sua condição socioeconômica.

A formação de profissionais que lidam com crianças e adolescentes também carece de políticas específicas para ser aprimorada. Educadores, assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais que trabalham diretamente com jovens devem receber treinamento específico sobre os direitos das crianças e a importância de uma abordagem não violenta. Esse treinamento deve incluir estratégias para identificar e denunciar casos de maus-tratos, bem como para apoiar as vítimas de violência.

Publicidade

A criação de mecanismos de denúncia e proteção eficazes é outro aspecto crucial. Embora existam canais para denúncias de maus-tratos, como o Disque 100, muitas vezes esses mecanismos não são suficientemente divulgados ou não oferecem a proteção necessária às vítimas. É fundamental que os sistemas de denúncia sejam fortalecidos, garantindo o anonimato e a segurança de quem denuncia, além de proporcionar um acompanhamento adequado dos casos reportados.

A articulação entre diferentes esferas do governo e a sociedade civil também é vital para a implementação da Lei Menino Bernardo. A criação de conselhos municipais e estaduais de direitos da criança e do adolescente, bem como a integração entre órgãos como o Ministério Público, as secretarias de educação e saúde e as organizações não governamentais, pode promover uma abordagem mais holística e eficaz na proteção dos jovens. Esses conselhos devem ter o poder de monitorar a aplicação da lei e propor políticas públicas que promovam os direitos das crianças.

A falta de políticas públicas eficazes, programas de educação parental, formação adequada de profissionais, mecanismos de denúncia e proteção robustos, e a articulação entre diferentes esferas do governo e a sociedade civil são obstáculos que precisam ser superados. Somente com um esforço conjunto e contínuo será possível garantir que os direitos das crianças sejam plenamente respeitados, concretizando assim o objetivo inicial da lei e criando um ambiente seguro e acolhedor para o desenvolvimento dos jovens brasileiros.

É relevante ter em conta que a Lei Menino Bernardo faz parte de um esforço maior para construir uma cultura de paz e respeito aos direitos humanos no Brasil. A violência contra crianças é um reflexo de uma sociedade que ainda precisa evoluir em termos de justiça social e igualdade. O combate a essa violência deve ser destacado como uma prioridade nacional, exigindo comprometimento contínuo de todos os setores da sociedade.

Convidado deste artigo

Foto do autor Alan Bousso
Alan Boussosaiba mais

Alan Bousso
Advogado, sócio do Cyrillo & Bousso Advogados e mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Foto: Arquivo pessoal
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.