Caixa alta, nomes sublinhados letra por letra, delatados citados como ‘alvos’: foi assim que o ex-policial militar Ronnie Lessa, que confessou a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, rascunhou os principais pontos de sua colaboração premiada sobre os supostos mandantes do crime. Em folhas pautadas, o delator descreveu os principais pontos do planejamento do crime sob o título ‘Operação Nova Medellín’, uma referência ao preço da morte de Marielle: loteamentos em Jacarepaguá e o controle de uma nova milícia.
Os manuscritos de Lessa foram anexados a seu acordo de colaboração premiada, cujo sigilo foi parcialmente levantado pelo ministro Alexandre de Moraes nesta sexta-feira, 7. Foram tornadas públicas duas partes da delação: os anexos 1 e 2, nos quais Lessa implicou os irmãos Brazão – Chiquinho, deputado federal, e Domingos, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio – como mandantes do crime, além de descrever a preparação e execução do crime, assim como os atos para ocultar vestígios do assassinato.
As laudas mostram o fluxo de pensamento de Lessa, trazendo diferentes frases que ele alega ter ouvido dos irmãos Brazão. Segundo o delator, em uma reunião com os supostos mandantes do assassinato após o crime, os ‘irmãos’ disseram que Rivaldo Barbosa - ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro – “se comprometeu que vai resolver até porque ele já recebeu para isso desde o ano passado”
Lessa diz que Rivaldo era um ‘guru’ para os irmãos Brazão. Ainda de acordo com o delator, quando Macalé, miliciano que o arregimentou para o assassinato, ouviu que a ‘Delegacia de Homicídios já estava no bolso dos supostos mandantes’, indagou os irmãos: “Pô padrinho, se eu soubesse que o sr tinha esse contato eu não tinha nem sido preso, foi a equipe do Rivaldo que me prendeu (em 2014/2015, sob suspeita de homicídio)”.
Os relatos mostram uma espécie de ressentimento com Rivaldo e Giniton Lages, que iniciou as investigações sobre a morte de Marielle. Lessa diz que a promoção de Giniton para delegado de 1ª Classe era uma ‘ascensão impossível para um delegado com apenas sete anos de inexpressiva carreira’.
Na visão de Lessa, sua prisão foi um ‘tiro que tragicamente saiu pela culatra, comprometendo toda cadeia de raciocínio e ação meticulosamente e comprometedoramente traçada’
Nas páginas de caderno, Lessa não só fez anotações que implicavam diferentes investigados por envolvimento na morte de Marielle e Anderson, mas se antecipou a alegações das defesas dos supostos mandantes. Em um trecho das divagações, Lessa listou testemunhas que poderiam confirmar que ele mantinha uma relação com os irmãos Brazão.
O documento também é permeado do que Lessa chama de observações diversas. Ele fez referência à prisão do ex-ministro de Integração Nacional Geddel Vieira Lima, que foi alvo da Operação Lava Jato no caso no bunker de R$ 51 milhões. Lessa escreveu que Geddel foi condenado a 14 anos por corrupção e ficou preso por 1.010 dias: “Quem fala bem prevalece”.
Lessa chamou de ‘cereja do bolo’ três depoimentos: advogado, dr Fernando e Elaine. Ele diz que é necessário buscar uma gravação para justificar as oitivas e anota: “Pergunta a ele se eu posso ir lá falar com ele. Não é nada demais não, é só para ele dizer que não conhece meus clientes, que eles não têm nada a ver com esse negócio”
A indicação faz referência a um episódio narrado na delação, em que, segundo o ex-PM, seu ex-advogado foi procurado por um defensor dos irmãos Brazão com o objeto de fazer uma procuração para que ele dissesse que não conhecia o deputado e o conselheiro.
Leia todos o manuscrito de Ronnie Lessa
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