A Polícia Federal detalhou em um relatório de 231 páginas todos os achados da Operação Verine - investigação sobre suposta fraude na carteira de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro -, que culminaram com o indiciamento do ex-chefe do Executivo pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação.
A reportagem busca contato com as defesas do ex-presidente. O espaço está aberto para manifestações. Nas redes sociais, o advogado Fábio Wajngarten, que representa o ex-presidente, disse que o indiciamento é um ‘absurdo’.
O indiciamento aportou no gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, nesta segunda-feira, 18. Com o relatório final do inquérito, o caso segue para o Ministério Público Federal, a quem cabe analisar se oferece denúncia formal à Justiça para abertura de ação penal. O parecer deve ser dado pelo procurador-geral da República Paulo Gonet.
A Polícia Federal narra que o ex-presidente se associou com outros investigados, desde ‘novembro de 2021 até dezembro de 2022 para praticarem crimes de Inserção de dados falsos em sistema de informações, especificamente dados de vacinação contra a Covid-19, para emitirem os respectivos certificados ideologicamente falsos, no intuito de obterem vantagens indevidas relacionadas a burla de regras sanitárias estabelecidas durante o período de pandemia’.
“Tais condutas tiveram como consequência a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, a condição de imunizado contra a Covid-19 dos beneficiários. Com isso, tais pessoas puderam emitir os respectivos certificados e utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes”, narrou o delegado Fábio Alvarez Shor.
Além de Bolsonaro, outros 16 investigados foram incriminados, entre eles o ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel Mauro Cid, o deputado federal Gutemberg Reis de Oliveira e o ex-major do Exército Ailton Gonçalves Barros. Também foram indiciados:
- Gabriela Santiago Cid, mulher Cid;
- Luis Marcos dos Reis, sargento do Exército;
- Farley Vinicius Alcântara;
- Eduardo Crespo Alves;
- Paulo Sérgio da Costa Ferreira;
- Marcelo Fernandes Holanda;
- Camila Paulino Alves Soares;
- João Carlos de Sousa Brecha;
- Marcelo Costa Câmara, assessor de Bolsonaro;
- Max Guilherme Machado de Moura, assessor de Bolsonaro;
- Sergio Rocha Cordeiro, assessor de Bolsonaro;
- Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva;
- Célia Serrano da Silva;
A investigação que culminou no indiciamento do ex-presidente se debruçou não só sobre fraudes em seu cartão de vacinação, mas também nos documentos de sua filha Laura, do coronel Mauro Cid, de sua mulher e de sua filha e ainda do documento do deputado Guttemberg Reis de Oliveira.
O passo a passo da fraude
No relatório final da investigação, a Polícia Federal detalha o passo a passo da fraude: desde a ordem, de Bolsonaro, para que Cid providenciasse não só sua carteira de vacinação falsificada, mas também o documento da filha Laura; até a tentativa de acobertar o caso, com a destruição dos certificados que haviam sido impressos dentro do Palácio do Alvorada e a exclusão de dados do sistema do Ministério da Saúde.
Segundo a corporação, o modus operandi das fraudes era o seguinte: ‘a partir da solicitação da pessoa que queria se beneficiar com o certificado de vacinação ideologicamente falso, Cid encaminhava o pedido de inserção dos dados falsos para Ailton Gonçalves Barros, ex-major do Exército’; este, então, encaminha os dados do beneficiário e o pedido para o Secretário Municipal de Duque de Caxias, João Carlos de Sousa Brecha que, mediante suas credenciais de acesso, executava a inserções dos dados falsos no Sistema do Ministério da Saúde.
Os investigadores puxaram as informações dos computadores a partir dos quais foram inseridos os dados falsos, requisitando os dados cadastrais dos endereços de IP (uma espécie de RG do aparelho eletrônico) que operacionalizaram as fraudes. Chegaram a celulares e e-mails de investigados e cruzaram tais dados com cadastros do ConecteSus. Assim, conseguiram traçar o histórico de interações entre investigados e detalhar as ações dos supostos responsáveis pela operacionalização das fraudes nas carteiras de vacinação.
COM A PALAVRA, A DEFESA DO EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO
COMUNICADO AOS VEÍCULOS DE IMPRENSA
A defesa do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, tendo tomado conhecimento esta manhã, por meio de diversos veículos de imprensa, acerca da decisão de formalização de indiciamento de seu cliente nos autos da Petição 10405, que apura fraudes na confecção de cartões vacinais, vem esclarecer o quanto segue:
1. É público e mundialmente notório, que o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, por convicções pessoais, jamais fez uso de qualquer imunizante contra COVID-19, a despeito de haver adquirido e disponibilizado milhões de doses a todos os cidadãos brasileiros.
2. Ao ingressar nos Estados Unidos da América (EUA), no final de dezembro de 2022, nenhum atestado vacinal lhe foi solicitado, visto que, na condição de presidente da República, estava dispensado de tal exigência.
3. Ao deixar os EUA, em março de 2023, realizou teste de PCR na véspera, valendo-se de tal documento para regressar ao Brasil.
4. O ex-Presidente JAMAIS determinou ou soube que qualquer de seus assessores tivessem confeccionado certificados vacinais com conteúdo ideologicamente falso.
5. As razões, bastante perfunctórias, indicadas pelo Exmo. Delegado de Polícia Federal, ignoram que não haveria qualquer motivo razoável ou efetividade na falsificação de certificados vacinais em relação ao ex-Presidente e a sua filha, menor de 18 anos.
6. O ex-Presidente não precisava utilizar qualquer documento vacinal, dada sua condição diplomática, para realizar viagem internacional.
7. Sua filha, à época com 12 anos de idade, estaria dispensada de atestado vacinal, visto que nenhum país do mundo impunha a exigência vacinal à crianças.
8. Se, pelas razões expostas, tanto o ex-Presidente como sua filha não necessitavam de certificados vacinais para empreenderem viagem, é inafastável a indagação de qual seria o motivo razoável para que se aderisse a uma arriscada empreitada clandestina e criminosa.
9. Por derradeiro, não é demais obtemperar, de forma hipotética, que se o ex-Presidente, mundialmente conhecido por sua posição pessoal em não utilizar nenhum imunizante, apresentasse um certificado vacinal em qualquer posto de imigração no mundo, séria imediatamente reconhecido e publicamente desqualificado em razão da postura que sempre firmou em relação ao assunto.
10. Assim, a decisão da autoridade policial no caso em apreço se demonstra precipitada, ao menos com relação ao ex-Presidente, visto que não há fundada e objetiva suspeita de sua participação ou autoria nos delitos em apuração.
11. Se qualquer pessoa tomou providências relacionadas às carteiras de vacinação do ex-Presidente e de sua filha, o fez por iniciativa própria, à revelia de ambos, sendo claro que nunca determinaram ou mesmo solicitaram que qualquer conduta, mormente ilícita, fosse adotada em seus nomes. Certamente não há nos autos nenhuma prova de conduta do ex-Presidente em sentido diverso, sendo certo que não havia nenhuma necessidade para tanto.
São Paulo, 19 de março de 2024.
Paulo Amador da Cunha Bueno OAB/SP Nº 147.616 Daniel Bettamio Tesser OAB/SP n.° 208.351 Fábio Wajngarten OAB/SP n.° 162.273
COM A PALAVRA, O ADVOGADO LUIZ EDUARDO DE ALMEIDA SANTOS KUNTZ, QUE DEFENDE MARCELO CÂMARA E SÉRGIO CORDEIRO
A Defesa dos Senhores Marcelo Costa Câmara e Sérgio Rocha Cordeiro, ambos investigados nos autos da Petição nº 10.405, em trâmite perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Eminente Ministro Alexandre de Moraes vem por meio desta informar que uma vez consolidado o relatório final apresentado hoje (24.03.2024), inclusive, com o indiciamento de quase a totalidade dos investigados, resta claro que não existem mais diligências em curso.
Assim, aguardamos que o Poder Judiciário respeite os princípios basilares do Estado Democrático de Direito e as diretrizes do arcabouço jurídico pátrio, compartilhando com a Defesa todo e quaisquer elementos de informação reunidos ao longo da investigação, inclusive, mídias, documentos relacionados as apreensões e, principalmente, a colaboração do também investigado Mauro César Barbosa Cid, na íntegra, em sua versão escrita e gravada, conforme determina a Lei.
Somente após ter acesso integral a esses elementos é que a Defesa irá se manifestar de forma mais completa e assertiva, acreditando ser possível, sempre com o devido acatamento, demonstrar os equívocos que permearam a interpretação da i. Autoridade Policial para o indiciamento dos investigados, o que, certamente, desaguará ausência de elementos para que o d. Procurador-geral da República ofereça denúncia.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.