A Operação Ultima Ratio, da Polícia Federal, que levou ao afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul por suspeita de venda de sentenças, indica que o empresário Andreson de Oliveira Gonçalves, apontado como lobista de tribunais, tinha acesso privilegiado a magistrados. Sua influência chegaria também a gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O inquérito da PF destaca que ele compartilhou com o desembargador Marcos José de Brito Rodrigues, do TJ-MS, documentos de um inquérito e de uma ação penal sigilosos que tramitam no tribunal superior.
O Estadão busca contato com Andreson. O espaço está aberto.
O ministro Francisco Falcão, relator da Operação Última Ratio no STJ, classificou como de “extrema gravidade” o fato de o lobista repassar ao desembargador dados referentes a um processo fechado e da alçada do Superior Tribunal de Justiça. Falcão assinalou que “o empresário não figura como investigado naqueles autos”.
Andreson foi alvo de buscas na quinta, 24, quando a Operação Ultima Ratio foi desencadeada. Agentes federais inspecionaram seis endereços comerciais e residenciais ligados a ele em Brasília e Mato Grosso.
O inquérito mostra que Andreson também está ligado a outro personagem da Operação Ultima Ratio, o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, que teria negociado decisões junto a desembargadores do Tribunal de Mato Grosso do Sul.
Uma empresa do lobista, a Florais Transportes, transferiu R$ 1,1 milhão ao advogado em 2017. Segundo a PF, a maior parte do dinheiro foi sacada em operações fracionadas para não alertar órgãos de investigação e controle financeiro. A suspeita é que os valores tenham sido repassados para compra de sentenças.
O avanço da investigação revela movimentos importantes de Andreson também no Tribunal de Justiça de Mato Grosso - dois desembargadores e um juiz de primeiro grau desta Corte já estão afastados das funções - e laços estreitos com outro lobista, o advogado Roberto Zampieri, assassinado com 12 tiros em dezembro de 2023, na porta de seu escritório em Cuiabá.
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O celular do advogado foi encontrado próximo ao corpo. Os investigadores acreditavam que poderiam encontrar no aparelho pistas que levassem aos autores do crime. O conteúdo, no entanto, revelou negociações de decisões e sentenças em um possível esquema de corrupção no Tribunal de Mato Grosso.
São cinco mil diálogos armazenados no celular de Zampieri. O arquivo também contém dados que levaram à suspeita de venda de sentenças em outro tribunal, o de Mato Grosso do Sul, alvo principal da Operação Ultima Ratio.
As mensagens no celular do advogado executado provocam uma tempestade em um degrau mais alto do Judiciário. O escândalo bate às portas do Superior Tribunal de Justiça.
Servidores de gabinetes de pelo menos quatro ministros podem estar implicados em desvios. O ministro Paulo Moura Ribeiro é citado. Ele nega ligação com práticas ilícitas.
A menção a ministros do STJ levou o caso para o Supremo Tribunal Federal, que detém competência para tocar eventual investigação ou processo envolvendo ministros do STJ, Corte que se autodenomina “Tribunal da Cidadania”. No STF, o relator da investigação será o ministro Cristiano Zanin.
Na sessão da Terceira Turma do STJ, no último dia 8, a ministra Nancy Andrighi fez uma referência enigmática ao caso. “Não posso dizer o que sente um juiz com 48 anos de magistratura quando se vê numa situação tão estranha como essa.” Ela indicou, sem citar nome ou cargo, que algum servidor já está sob investigação. “O importante é que já foi localizada a pessoa, respondeu sindicância e está aberto o PAD (Procedimento Administrativo Disciplinar) no tribunal.”
Com o avanço da investigação, a Polícia Federal (PF) descobriu conversas entre Andreson e o desembargador Marcos José de Brito, do Tribunal de Mato Grosso do Sul. Em um diálogo, o empresário compartilha extratos de processos que somam R$ 64 milhões.
Segundo a PF, há “fortes indícios” de que o desembargador tenha recebido propinas de Andreson. Os agentes apontam ainda diversas ligações e conversas, “demonstrando que possuem contato atual e aparentemente muito próximo”.
Marcos José de Brito e mais quatro desembargadores do TJ de Mato Grosso do Sul foram afastados das funções por 180 dias. Todos serão monitorados com tornozeleira eletrônica por decisão do ministro Francisco Falcão - além de Brito, estão sob suspeita seus colegas Sérgio Fernandes Martins, que estava presidindo a Corte, Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos e Sideni Soncini Pimentel.
O inquérito da Operação Ultima Ratio mostra que Brito teria favorecido o procurador de Justiça Marcos Sottoriva, do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, que também é fazendeiro. O desembargador despachou uma liminar acolhendo os interesses de Sottoriva na compra de uma fazenda de R$ 5 milhões.
A PF suspeita que o desembargador sequer se deu ao trabalho de ler os autos, nem mesmo de fazer o despacho. O magistrado teria encarregado um assessor de redigir o texto da liminar e, ainda, assinar o documento por ele. O procurador estava incomodado com o que chamou de “parcelas onerosas” do negócio. Alegava “extraordinária valorização da arroba do boi, motivada pelo fato de a China enfrentar grave surto de peste suína africana”.
Após a concessão da liminar, Sorrotiva escreveu para o magistrado. “Graças a Deus e ao seu trabalho... acabamos por fechar um acordo ...consegui alongar a dívida em mais uma parcela.” Sottoriva fez um agradecimento reverencioso ao desembargador. “Obrigado de coração. Boa Páscoa na bênção de Deus e de seu filho Jesus Cristo.”
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