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Descriminalização da maconha e fala de Fux sobre ‘governo de juízes’ acirram clima de divisão no STF

Julgamento sobre descriminalização da droga e repercussão da fala do ministro Luiz Fux, que condena tribunal legislador, ampliaram divisão na Corte e abriram espaço para manifestações acadêmicas; ‘a ideia de que o Judiciário se contrapõe ao Legislativo é notória’, diz professor

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Foto do author Pepita Ortega
Atualização:

Se a atmosfera no Supremo Tribunal Federal em meio ao julgamento sobre a descriminalização do porte da maconha para uso próprio já tinha espaço para rusgas, a declaração do ministro Luiz Fux de que o Brasil não tem um “governo de juízes” asseverou um clima de divisão na Corte. O pronunciamento de Fux alimentou a polêmica sobre a “autocontenção” da Corte e sua competência para decidir sobre temas que, em tese, seriam da alçada exclusiva do Legislativo - no caso da maconha, defendida por uma ala da Corte.

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Na plenária desta quarta, 26, quando os ministros definiram que 40 gramas é a quantidade que separa usuário do traficante, o presidente do STF Luís Roberto Barroso abriu a sessão mandando um recado a Fux.

Barroso defendeu a decisão da Corte: “Quem recebe os habeas corpus que envolvem as pessoas presas com drogas é o Supremo. Portanto, precisamos ter um critério que oriente a nós mesmos em que situações se deve considerar tráfico ou uso. Critérios para definir se a pessoa deve ficar presa ou não, ou seja, se vamos produzir esse impacto dramático na vida de uma pessoa ou não.”

Abertura do Ano Judiciário do STF. Foto: Gustavo Moreno /SCO/STF

O presidente disse que o julgamento envolve “tipicamente uma matéria para o Judiciário”. “Não há papel mais importante para o Judiciário do que ter um critério para definir se uma pessoa deve ou não ser presa”, anotou, pouco antes de o STF finalizar o julgamento sobre o porte de maconha para uso pessoal, determinando que trata-se de um ilícito, mas não um crime.

As ponderações contrastam com a avaliação do ministro Luiz Fux, que foi a voz mais enfática da ala do STF que prega que a Corte adote uma postura “minimalista” sobre temas como o porte de maconha. Ao Estadão, o ministro cobrou que “poderes com expertise” regulem o porte de maconha para uso pessoal. “Os juízes não são eleitos e, portanto, não exprimem a vontade e o sentimento constitucional do povo”, declarou.

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Pelos corredores e gabinetes da Corte, há quem considere que a fala de Fux aumentou uma divisão já conhecida. De outro lado, o posicionamento do ministro também foi visto como “natural”, em linha com seus pronunciamentos recorrentes.

No caso do julgamento sobre o porte da maconha, foram formadas três correntes. A primeira defendeu a inconstitucionalidade de parte da Lei de Drogas, com a necessidade de ficar claro que o porte de maconha por usuários não é crime. A segunda, entende que a norma, por si só, já não tratou do tema como crime. E a terceira, divergente, no sentido de que a lei é constitucional e prevê o porte de maconha para uso pessoal como crime punido com penas alternativas à prisão.

A segunda ala é integrada pelos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux. Apesar de não entenderem como crime o porte de maconha para uso pessoal, eles pendem para a corrente divergente no entendimento de que a discussão sobre o tema cabe ao Congresso e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

A “autocontenção” é tema frequente entre os ministros e a visão de Fux acabou se alinhando não só à de alguns colegas do STF, mas também a de políticos e juristas.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quarta, 26, que o STF “não tem que se meter em tudo”. “Ele precisa pegar as coisas mais sérias, sobretudo o que diz respeito à Constituição, e virar senhora da situação, mas não pode pegar qualquer coisa e ficar discutindo, porque aí começa a criar uma rivalidade que não é boa para a democracia, a rivalidade entre quem manda, o Congresso ou a Suprema Corte”, disse Lula.

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O ministro aposentado Marco Aurélio Mello, conhecida voz dissidente na Corte, afirmou ao Estadão que, quando estava na bancada do STF, sempre insistiu na necessidade dessa “autocontenção”. “Três são os Poderes da República, que se quer harmônicos e independentes. A harmonia depende da atuação de cada qual na área reservada constitucionalmente”, argumenta.

‘Contraditório’

De outro lado, a ponderação de Fux é vista como “contraditória com a própria atuação”. É a avaliação de Rubens Glezer, professor da FGV Direito SP, um dos coordenadores do Supremo em Pauta, grupo de pesquisa sobre a Corte.

O docente lembra de decisões polêmicas de Fux, como a que suspendeu a figura do juiz de garantias e a que assegurou por quatro anos o pagamento de auxílio-moradia a magistrados.

“A ideia de que o Judiciário se contrapõe ao Legislativo, exerce controle sobre o Legislativo e o Executivo, é notória e o próprio Fux exerceu essa competência em largas medidas. Inaugurou institutos, com a possibilidade de cassar decisão monocrática de ministro enquanto estava na Presidência”, atesta Glezer.

Ele vê uma “articulação argumentativa”. “No sentido de que, se eu não quero que o STF decida nesse sentido, o acuso de estar usurpando a função do Legislativo. Se eu concordo, falo em concretização dos princípios constitucionais.”

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Na avaliação do professor, o debate sobre a autocontenção da Corte máxima em tais termos é mal posto, superficial e fica sujeito a ser manipulado conforme a ocasião”.

Segundo ele, é possível pensar em limites para atuação dos ministros, mas a atividade de discutir se as normas são constitucionais ou não acaba por “atravessar a passagem” da função do Legislativo e por vezes do Executivo.

“A crítica de que o STF está usurpando o lugar do Legislativo é enganosa, superficial e empobrecedora do debate. A função do STF é, entre outras, a de controlar o arbítrio do Legislativo. O seu papel é justamente responder se a proibição para o consumo desse tipo de droga é arbitrária por parte do Estado. Essa é a função de Cortes constitucionais, no Brasil e em outros países”, assinala.

Rubens Glezer dá um exemplo insólito para ilustrar a “função” das Cortes constitucionais, como o STF. “Se o Congresso, com base em argumentos vegetarianos, criminalizasse o consumo de carne do Brasil, com pena de prisão, isso deveria ser questionado perante o STF. Mesmo havendo divergência moral e científica sobre os prejuízos ou benefícios do consumo de carne, o que estaria no cerne desse debate é se o Estado pode tirar a liberdade dos indivíduos desse jeito, com essa ferramenta penal. Nesse caso, o STF teria que avaliar se essa lei estaria dentro dos poderes ordinários do Congresso ou se seria um uso arbitrário de poder. Esse é o trabalho de uma Corte constitucional. É esse tipo de trabalho que o STF está fazendo no caso”, acredita.

O professor lembra ainda do debate sobre se o STF deveria, por exemplo, estabelecer a quantidade de gramas de droga para eventual enquadramento como tráfico. Segundo ele, essa situação é decorrente de um Congresso que “não enfrentou uma questão que deveria ser enfrentada com política pública, somente com proibição”. “Então, dada a ausência de outras ferramentas, o STF dá uma solução provisória, criando um incentivo para que o Congresso encontre uma solução melhor.”

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