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Opinião | A evolução da consciência jurídica nos 18 anos da Lei Maria da Penha

A transformação jurídica impulsionada pela Lei Maria da Penha simboliza um avanço significativo na luta contra a violência de gênero. Ela não apenas protege as vítimas, mas desmantela os estereótipos de gênero que perpetuam a discriminação. Ao assegurar que as mulheres tenham acesso a um sistema de justiça que lhes proporciona segurança e dignidade, a lei contribui para a construção de uma sociedade mais igualitária

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Por Fabíola Sucasas Negrão Covas e Bianca Stella Azevedo Barroso

A Lei Maria da Penha foi considerada pela Organização das Nações Unidas a terceira melhor legislação do mundo no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher. Ao atingir a maioridade, ela sofreu uma série de alterações legislativas diretas que, antes de significar seu aprimoramento, revelam sintomas sobre a estrutura jurídica necessária para lhe conceber efetividade.

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A Lei nº 13.505, de 2017, introduziu o direito ao atendimento policial e pericial especializado, garantindo suporte contínuo e realizado por servidores capacitados, preferencialmente do sexo feminino. Essa medida visava humanizar e especializar o atendimento às mulheres em situação de violência, reconhecendo a necessidade de prover à vítima uma abordagem sensível e qualificada. Em 2018, a Lei nº 13.641 tipificou o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, resolvendo a divisão na jurisprudência sobre a tipificação aplicável ao agressor que desobedecia a ordem judicial.

O ano de 2019 foi marcado por intensas alterações. A Lei nº 13.836 exigiu a informação sobre a deficiência da vítima ou se a violência resultou em deficiência, ressaltando a importância da interseccionalidade nos registros de ocorrências dentro do sistema protetivo. Em 2023, a Lei nº 14.550 estabeleceu que as medidas protetivas de urgência independem do inquérito ou do processo penal, pois são dotadas de autonomia e vigoram até a cessação do risco.

Além das evoluções legislativas, a jurisprudência também avançou significativamente. Nos primeiros seis anos de vigência da Lei Maria da Penha, sua constitucionalidade foi questionada. O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou que a lei obedecia ao princípio da igualdade, reafirmando os direitos fundamentais das mulheres. Nas palavras da Ministra Rosa Weber, “uma efetiva igualdade substantiva de proteção jurídica da mulher contra a violência baseada em gênero exige atuação positiva do legislador, superando qualquer concepção meramente formal de igualdade, de modo a eliminar os obstáculos, sejam físicos, econômicos, sociais ou culturais, que impedem a sua concretização”[1].

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) emitiu uma série de enunciados sumulares que resolveram argumentos destinados a enfraquecer a força protetiva da lei. Afastou-se a aplicabilidade de mecanismos de despenalização, como a suspensão condicional do processo e a transação penal; também afastou a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, a aplicabilidade do princípio da insignificância e a exigência de coabitação entre autor e vítima.

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Ao longo de dezoito anos, alterações legislativas indiretas também trouxeram novos olhares sobre a lei, tornando-a um divisor de águas no sistema de justiça. Em 2015, a Lei do Feminicídio posicionou-se politicamente sobre o assassinato de mulheres, reconhecendo sua gravidade e evitabilidade. Em 2018, a Lei nº 13.715 previu a perda do poder familiar pelo autor de determinados crimes e a Lei nº 13.718 tipificou o crime de importunação sexual, estabelecendo ação penal pública incondicionada para crimes de estupro.

A vítima passou a ser o sujeito central do sistema, com prioridade na realização do exame de corpo de delito e acesso facilitado a canais de denúncia, além do respeito ao sigilo de seu nome nos processos. A Lei Mari Ferrer foi promulgada para coibir atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas em crimes contra a dignidade sexual. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o Protocolo de Julgamento com a Perspectiva de Gênero, tornando-o obrigatório no Judiciário[2].

O STJ reconheceu a possibilidade de indenização por dano moral em casos de violência doméstica sem necessidade de instrução probatória específica[3], aplicou a Lei Maria da Penha para casos de violência contra empregadas domésticas[4] e mulheres transgênero[5]. O STF, em duas decisões significativas, declarou a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra[6] e de argumentos que questionam a vida sexual da vítima, reforçando que tais práticas perpetuam a discriminação e vitimizam duplamente a mulher[7].

A Lei Maria da Penha, ao atingir seus dezoito anos, não apenas reforçou a proteção às mulheres em situação de violência doméstica, mas também se consolidou como um microssistema de defesa dos direitos das mulheres.

Pois, se por um lado traz a normas protetivas para combater a violência, por outro não descura da necessidade de se estabelecer políticas públicas para promover a igualdade susbstancial das mulheres, impulsionando o estado brasileiro para exercer a proatividade na adoção de medidas positivas voltadas a emancipação social das mulheres como forma de mitigar a vulnerabilidade social e econômica delas, tão reconhecidas como condições estruturantes que as colocam em lugares de extrema desvantagem e discriminação.

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Assim as numerosas alterações legislativas e os avanços jurisprudenciais que marcaram sua trajetória são testemunhos de uma sociedade em evolução, que reconhece e enfrenta os desafios persistentes da violência de gênero.

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Cada modificação reflete um compromisso contínuo com a justiça e a igualdade. As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm desempenhado um papel crucial ao consolidar a Lei Maria da Penha como uma ferramenta robusta contra a impunidade, garantindo que a palavra da vítima seja respeitada e valorizada.

A transformação jurídica impulsionada pela Lei Maria da Penha simboliza um avanço significativo na luta contra a violência de gênero. Ela não apenas protege as vítimas, mas também desafia e desmantela os estereótipos de gênero que perpetuam a discriminação. Ao assegurar que as mulheres tenham acesso a um sistema de justiça que lhes proporciona segurança e dignidade, a lei contribui para a construção de uma sociedade mais igualitária.

Contudo, o caminho para a igualdade plena ainda é longo. É essencial que a sociedade como um todo – desde as instituições públicas até os cidadãos – continue empenhada em erradicar todas as formas de violência e discriminação contra a mulher. As alterações legislativas e as decisões judiciais dos últimos dezoito anos são passos poderosos na direção certa, mas a verdadeira mudança exige um compromisso incessante com a educação, a conscientização e a promoção de valores igualitários.

Em última análise, a Lei Maria da Penha não é apenas um conjunto de normas jurídicas; é um símbolo de resistência e empoderamento. Ela representa a esperança de um futuro onde a violência de gênero seja uma memória distante e onde todas as mulheres possam viver livres do medo e da opressão. A ampliação da igualdade de gênero é não apenas um objetivo, mas uma necessidade urgente para a construção de uma sociedade justa e inclusiva para todos.

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[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 19. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, DF, 9 fev. 2012. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2584650.

[2] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução CNJ nº 492, de 17 de março de 2023. Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Brasília: CNJ, 2021. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original144414202303206418713e177b3.pdf.

[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema Repetitivo nº 983. Possibilidade de indenização por dano moral em casos de violência doméstica. Brasília, DF, 2019..

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1900478 GO 2020/0266644-0. Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior. Brasília, DF, julgado em 23 fev. 2021.

[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. REsp 1977124 SP 2021/0391811-0. Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz. Brasília, DF, publicado em 22 de abril de 2022.

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[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 779. Relator: Ministro Dias Toffoli. Brasília, DF, julgado em 1º ago. 2023.

[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1.107. Relatora: Ministra Cármen Lúcia . Brasília, DF, julgado em 23 maio de 2024.

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Fabíola Sucasas Negrão Covas
Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo titular da Promotoria de Enfrentamento da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade de Pisa-Itália. Mestranda em Direitos Humanos na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membra do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático. Foto: MPD/Divulgação
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