Afastado por tempo indeterminado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio, virou uma espécie de influenciador nas redes sociais.
O magistrado, que um dia fora responsável pelos processos da Lava Jato fluminense, começou a postar com mais frequência justamente após o afastamento. Ele ganhou notoriedade após decretar a prisão do ex-governador Sérgio Cabral.
Bretas vem gravando e compartilhado vídeos no Twitter e no Instagram. Também mantém perfis no Facebook e no YouTube, menos ativos. São mais de 500 mil seguidores nas redes sociais.
Os temas das publicações são variados – passam pelo Direito, parábolas bíblicas e mais recentemente autoajuda. Os vídeos são produzidos: geralmente gravados no mesmo cenário, um estúdio, com legendas e efeitos sonoros.
Em uma das gravações, o juiz rememora o acidente de carro que sofreu em setembro de 1993, quando tinha 23 anos. Ele foi submetido a mais de dez cirurgias e ficou com sequelas – parte do rosto ficou paralisada.
“Como você se porta diante de uma adversidade da vida: você supera ou você se entrega?”, questiona antes de começar a falar sobre o episódio. “Nós temos que enfrentar os desafios, sejam medos, seja a vergonha, seja qualquer dificuldade para enfrentar o que a vida apresentar.”
Evangélico por influência dos pais, Bretas também fala com frequência sobre passagens da Bíblia. Um dos vídeos é sobre como a ‘mulher sábia edifica o seu lar’. O juiz conta como a mulher, a também juíza federal Simone Bretas, na época sua colega de faculdade, abriu mão de fazer concurso público e decidiu entrar em um curso para ‘colher mais material’ e ‘abastecer’ o marido.
“Para que eu pudesse ter um desempenho logo, ter sucesso, passasse logo na carreira. Em seguida, ela viria”, relembra o juiz. “Que exemplo de mulher sábia aos olhos de Deus.”
Os vídeos têm um certo padrão: Bretas geralmente escolhe um tema e usa algum acontecimento da própria vida para ilustrar seu ponto, em poucos minutos. Um deles é sobre a relação com os pais. O juiz conta como teve uma criação rígida e foi proibido de usar bermuda quando era adolescente, mas nunca deixou de ‘honrar’ os pais, porque tinha consciência de eles queriam o melhor para o filho.
“A Bíblia nos diz, nos dá um mandamento, com uma promessa: ‘honra teu pai e tua mãe, para que tenha uma vida longa e próspera’. Nem sempre a gente está de acordo com alguma ordem, com algum aconselhamento, mas de forma alguma nós devemos desprezar a experiência de quem é responsável pela nossa criação”, defende.
O juiz também escolher falar sobre ‘honestidade’. Bretas defende no vídeo que a Bíblia é o ‘mais importante repositório de princípios éticos’ da história.
“As relações estão mais deterioradas nos dias atuais. Ser uma pessoa honesta significa não compactuar a mentira, com todo tipo de ardil, fraude”, afirma. “A ética cristã valoriza muito a honestidade.”
Há também gravações sobre o processo penal, direito ao silêncio, liberdade de expressão e PL das Fake News.
Bretas conduziu a Lava Jato no Rio com rigor e dedicação. Sua caneta alcançou empresários, doleiros e políticos de grande influência. Acabou virando alvo de desafetos e afastado cautelarmente pelo CNJ em meio à atuação contra a corrupção e notórios esquemas de lavagem de dinheiro.
O juiz deve ficar afastado até a conclusão de três processos administrativos abertos no Conselho Nacional de Justiça, o que não tem prazo definido para ocorrer. Ele nega irregularidades.
Bretas foi acusado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de negociar penas, orientar advogados, pressionar investigados e combinar estratégias com o Ministério Público Federal (MPF) em acordos de colaboração premiada. A representação da OAB teve como base denúncias do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho.
Outra reclamação foi apresentada pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), que acusa o juiz de usar o cargo para tentar prejudicá-lo na campanha eleitoral de 2018. Trechos de uma delação premiada que atingiam o então candidato a governador foram vazados. Paes acabou derrotado no segundo turno pelo ex-juiz Wilson Witzel, que não chegou a terminar o mandato e foi cassado em meio a denúncias de corrupção.
A terceira reclamação partiu do corregedor do CNJ, ministro Luis Felipe Salomão, após uma fiscalização extraordinária apontar ‘deficiências graves’ dos serviços judiciais e auxiliares na 7.ª Vara Federal Criminal do Rio.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.