A humanidade é cruel. Para os cristãos, isso deriva do pecado original. Fomos criados para a ventura eterna. Um Jardim do Éden propício a abrigar nossas naturais bondade, gentileza, fraternidade. O orgulho, a pretensão, a vontade de ser igual ao Criador nos arremessaram para fora do Paraíso. E aqui continuamos.
Mas a crueldade gosta de matar. Mata os semelhantes, seja de forma cruenta, seja de forma sub-reptícia. Deixando que eles morram de fome. Acumulando em excesso, enquanto falta o mínimo existencial para milhões de semelhantes. Todavia, mata também outras espécies. Na visão mais egoística e narcisista do antropocentrismo, consideramo-nos primícias, em tudo superiores aos demais viventes. Sejam animais, sejam vegetais. Acabamos, com inusitado prazer, com todos eles.
Está difícil convencer a humanidade que se ufana de ser racional, de que a cadeia existencial é formada por elos que não podem ser rompidos. Eliminar um eles é afetar toda a qualidade de vida que se espraia pela Terra. Mas somos surdos, cegos e deliberadamente omissos quando se trata de seguir os conselhos de Francisco de Assis, o homem do milênio, que chamava a Terra, a lua, o mar, a água, as árvores, toda a natureza, de “irmão” ou “irmã”.
Assim, continuamos a matar, desbragadamente. Matamos as abelhas e as borboletas, quando importamos herbicidas proibidos em sua origem – países civilizados – mas utilizados “la bas”, que é como os franceses referem os habitantes dos trópicos atrasados.
Matamos os peixes quando arremessamos ao mar quantidades imensas de substâncias químicas, imundícies que não sabemos ou não queremos descartar adequadamente e o plástico. Hoje, há mais plástico do que peixe em todos os mares. E os oceanos têm “ilhas de pet” a navegar até que encontrem guarida no continente ou descansem no fosso oceânico, por onde permanecerão por milhares de anos.
Matamos os pássaros, toda espécie de aves, quando destruímos o seu habitat. Quantas espécies já desapareceram? Uma biodiversidade exuberante desaparece antes mesmo de ser inventariada.
Alguns animais são especialmente perseguidos. As cobras. Associa-se a elas terem sido principal protagonista da expulsão humana do Éden. Ficou maldita a serpente. Assim que se vê uma, imediatamente ela é morta. De igual maneira os morcegos, as pombas, consideradas “ratos que voam”, as capivaras, que infestam as margens dos rios poluídos.
O maior felino do Brasil, a onça, praticamente desapareceu. Celebrava-se o abate delas mediante patrocínio de excursões de assassinato da espécie considerada inimiga do gado. É que o Brasil tem mais gado do que gente. Somos os fornecedores de carne bovina de todo o planeta. Por isso também precisamos investir em plantio de soja e milho, para sustentar esses fornecedores de proteína.
Algo que ainda está a merecer proteção é o pet. Cães e gatos mimados e bem tratados por algumas pessoas. Ao contrário de seus parentes considerados inferiores, cães e gatos têm clínicas, até para tratamento psicológico, hospitais, hotéis e cemitérios.
Poucas as vozes que têm coragem de defender animais silvestres. Estes continuam a sair do país, em contrabando que não é controlado, diante da imensidão da costa marítima e das fronteiras inexpugnáveis do lado terrestre.
Para os que não respeitam animais, seria interessante a leitura do livro “Uma mulher entre lobos: minha jornada por quarenta anos de recuperação de lobos”. Foi escrito pela bióloga Diane K. Boyd, que trabalhou para o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA, capturando lobos para pesquisá-los. Enfrentou luta com fazendeiros e caçadores, pois é conservacionista que defende o animal considerado predador. A guerra contra os lobos não se encerrou. Assim como a luta contra as onças só terminará quando ela for uma lenda ou só restar empalhada. E o mesmo destino terão os javalis, o atual inimigo do agronegócio.
A vingança dos animais ditos irracionais será que, ao fim dos tempos, os homens terão desaparecido. Mas restarão formigas, baratas e ratos. Eles não se autoexterminam. Por isso é que sobreviverão.
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