O consumo de produtos à base de proteínas vegetais que buscam similaridade quanto à aparência, à textura e a outras características de produtos tradicionais de origem animal, como leite, carnes e produtos cárneos -- hambúrgueres, pescados e ovos, por exemplo --, comumente denominados plant-based, teve significativo crescimento nos últimos anos. De acordo com pesquisas coordenadas pelo The Good Food Institute (GFI), o hábito do flexitarianismo (ou seja, dieta alimentar que pretende reduzir a ingestão de carne, priorizando vegetais e legumes) saltou de 29% para 50% nesse período. Estima-se que até 2035 o mercado movimente cerca de U$ 370 bilhões na economia global.
Com o objetivo de refinar a qualidade produtiva dos plant-based, empresas voltadas ao setor agrotech têm lançado tendências inovadoras. Companhias israelenses, por exemplo, estão desenvolvendo tecnologia com o uso de impressoras 3D para reproduzir o corte da carne bovina a partir do cultivo de material biológico de gados.
Discussões quanto à urgência de repensar os danos climáticos causados ao meio ambiente ocupam destaque no cenário mundial. Seguindo a mesma linha, o Brasil, um dos maiores emissores de gás metano e carbônico do mundo, na COP26, firmou o compromisso de reduzir os índices desses gases poluidores, o que fortalece e potencializa a necessidade de tecnologias que permitam a produção de alimentos mais sustentáveis e com menor impacto ambiental.
Regulamentação no Brasil
Atualmente, não há regulamentação específica no país tratando dos alimentos plant-based, que estão sujeitos às normas que regulam alimentos de forma geral, especialmente aqueles de origem industrial. Via de regra, fabricantes desses produtos devem observar normas sanitárias aplicáveis aos alimentos tradicionais que incluem, mas não se limitam às Resoluções RDC da Anvisa nº 23/2000 e nº 27/2010. Devem, ainda, obter licença sanitária, comunicar isenção de registro de produto junto à vigilância sanitária local, a depender da localidade do estabelecimento e, em regra, serem cadastrados e possuírem responsável técnico habilitado pelo Conselho Regional de Nutrição.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), contudo, já se movimentam no sentido de avaliar a necessidade de publicação de regulação específica e dedicada a essa categoria.
O Mapa publicou, por meio da Portaria nº 327/2021 de junho deste ano, tomada pública de subsídios que teve por objetivo "permitir a ampla divulgação e a participação de órgãos, entidades ou pessoas interessadas em contribuir com a discussão sobre a regulação dos produtos processados de origem vegetal análogos a produtos de origem animal, autodenominados como plant based".
A Anvisa, por sua vez, promoveu em outubro uma oficina com diversos players atuantes ou com potencial de atuação nesse mercado visando a desenvolver uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre o tema. Por meio dessas oficinas, a agência buscou elementos para identificar potenciais fragilidades e problemas regulatórios, suas causas e consequências, além de mapear os agentes por eles afetados.
Dentre os pontos mais sensíveis e que têm gerado maior discussão sob a esfera jurídica está a forma de apresentação desses produtos e o conteúdo e informações contidos em seus rótulos e embalagens. Associações defensoras de interesses dos consumidores e representantes de alguns setores da indústria de proteína animal alegam que os sinais e nomenclaturas utilizados nos rótulos e embalagens desses produtos teriam, em algumas situações, o potencial de levar o consumidor a erro ou confusão em relação à procedência, características e natureza do produto, especialmente frente aos produtos de origem animal.
Recentemente, a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca) propôs ação civil pública junto à Justiça Federal de São Paulo contra a Anvisa e União Federal requerendo a fiscalização da produção e comercialização de produtos plant-based, bem como a suspensão de sua comercialização e recolhimento por ausência de normas regulamentadoras para o setor.
O tema está longe de ser pacífico e deve suscitar discussões em diversos foros, algo que já ocorre em outros países, como, nos Estados Unidos, onde leis de alguns estados proíbem o uso da nomenclatura carne para descrever alternativas baseadas em vegetais para esses produtos.
Os plant-based chegam como uma alternativa relevante em um momento em que a pauta da sustentabilidade está mais presente do que nunca, mas que demanda uma maior segurança jurídica para aqueles que atuam e têm interesse em atuar em um mercado tão promissor. São louváveis, portanto, as iniciativas das Agências brasileiras acima citadas ao iniciarem diálogos com o setor regulado, justamente para mapear os riscos e desafios regulatórios dessa nova categoria de produto.
*Gustavo Swensson Caetano, sócio da prática de Life Sciences do escritório Mattos Filho
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