Metade das obras patrocinadas com R$ 341 milhões repassados entre 2020 e 2023 para os dez municípios mais beneficiados pelo orçamento secreto está paralisada (9%) ou sequer foi iniciada (43%). O diagnóstico é da Controladoria-Geral da União, que viu “falta de priorização” dos projetos pelas cidades que integram o Top 10 do orçamento secreto. Todos os dez municípios somam, juntos, apenas 61 mil moradores, ou seja, média de 6 mil por cidade - o raio X da CGU indica que a média do valor do orçamento secreto repassado chega a R$ 5,3 mil por habitante.
O mapeamento retrata, por exemplo, o caso da cidade de Pracuúba, no Amapá, a 191 quilômetros de Macapá, onde a construção de dois campos de futebol foi contratada em 2021, mas as obras ainda nem saíram do papel “mesmo sendo de simples execução”. A cidade tem 4.500 habitantes.
Outra cidade amapaense, de 6,2 mil habitantes, Cutias, a 106 quilômetros da capital, convive com uma obra de urbanização, com instalação de rede elétrica e abastecimento de água, que está paralisada. Não há justificativa para a interrupção dos trabalhos.
As informações constam de um relatório de 319 páginas encaminhado ao gabinete do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal. O levantamento foi encomendado como parte do cronograma do grupo de trabalho que visa concretizar, de uma vez por todas, a decisão da Corte máxima que derrubou o orçamento secreto.
A análise da CGU tomou como base a lista de municípios que mais receberam emendas de comissão e do relator. A Controladoria requereu informações aos ministérios que direcionaram os valores e também aos municípios destinatários. Também foram realizadas 70 vistorias nos dez municípios submetidos ao crivo dos auditores.
Das 10 cidades na lista da CGU, cinco ficam no Amapá, inclusive o top 3 das que mais receberam repasses do orçamento secreto: Tartarugalzinho, Pracuúba, Cutias, Amapá e Vitória do Jari.
As outras cidades são de Goiás, Paraíba, Santa Catarina e Tocantins.
A Controladoria constatou que, entre 2020 e 2022, os recursos repassados a esses municípios eram, em larga medida, oriundos de emendas de relator, o mecanismo principal do orçamento secreto. Já em 2023, a fonte dos recursos jorrava das emendas de comissão o que, para a CGU, parece sinalizar que houve um intercâmbio do tipo de emenda.
A indicação está em linha com as ponderações de Dino durante a audiência que concluiu pela necessidade de se reunir todas as informações sobre o orçamento secreto em um só painel. Na ocasião, o ministro destacou que as emendas de comissão também estão operando sem transparência, por isso foram incluídas na discussão sobre o efetivo cumprimento da derrubada do orçamento secreto.
O mergulho da CGU no orçamento secreto revela que, entre os ministérios, os que mais direcionaram recursos para o top 10 dos municípios foram o da Integração e Desenvolvimento Regional, Cidades e Defesa.
O programa do governo federal que mais transferiu verbas foi o “Desenvolvimento Regional, Territorial e Urbano”, responsável por mais de 50% dos valores empenhados.
“De grande amplitude, o programa tem, entre suas finalidades, o financiamento de obras de pavimentação e recapeamento, objetos que, historicamente, estão ligados a programas/ações orçamentárias cujas avaliações de órgãos de controle indicam fragilidades no processo de seleção de prioridades (não baseado em evidências), problemas de execução e a ausência de metas ou indicadores”, sustenta a CGU.
Os auditores também analisaram a forma como os valores foram repassados do governo para os municípios, citando pontos de alerta. A Controladoria constatou, por exemplo, que alguns projetos que receberam valores do orçamento secreto não possuíam, nos sistemas do governo, o marcador de que, pelo menos, uma das fontes de financiamento era a emenda parlamentar.
A CGU entende que o curto espaço de tempo entre a elaboração das propostas a serem financiadas e a aprovação pode indicar uma fragilidade no planejamento, e, até mesmo, sugerir que os ministérios consideraram as emendas de relator e de comissão como se fossem impositivas.
Do lado dos municípios beneficiados, a Controladoria viu “poucos indícios” de que as necessidades alegadas pelos prefeitos partam de uma definição de prioridades ou demandas dos municípios. O órgão cita como exemplo Pracuúba e a quantidade de recursos destinados para campos de futebol - quatro no total.
Segundo a vistoria da CGU, a cidade já conta com equipamentos semelhantes em funcionamento.
Para verificar o estágio das obras contratadas com recursos do orçamento secreto, a CGU esmiuçou 115 instrumentos de transferência de verbas, em valores que somam R$ 341,53 milhões. Um total de 98 é relativo a obras e 17 a compras de equipamentos, mobílias ou veículos.
Quanto às obras, a CGU destacou a quantidade de projetos ainda não iniciados. O relatório anota que das oito obras ligadas à educação básica nos municípios visitados, três ainda não tiveram início. A Controladoria identificou “patologias” em cinco projetos.
Sobre a compra de equipamentos e veículos, o relatório chama atenção para a aquisição de pequenas quantidades, que, em tese, teriam menos concorrência e valores mais altos.
Também são citados convênios em que os bens ainda não foram adquiridos, o que indica que “não seriam prioritários, face à morosidade na execução”.
Entre os 17 equipamentos, mobiliários ou veículos que seriam comprados, apenas sete já haviam sido obtidos - dez estavam em “ações preparatórias para aquisição”. Nesses casos, a CGU destaca que os valores empenhados poderiam ser utilizados para outros fins.
Dificuldades na auditoria de repasses na saúde
Na área da saúde, a Controladoria diz ter encontrado dificuldades para realizar a auditoria, em especial nas despesas envolvendo o custeio da atenção primária em saúde de alta e média complexidade. Segundo o relatório, é difícil rastrear a aplicação dos recursos, impedindo a comprovação de que os valores foram usados nos locais indicados pelas prefeituras. Com relação à verificação da compra de veículos, os técnicos encontraram dificuldade em encontrar todos os equipamentos.
Em um caso, a conta que recebeu os recursos do orçamento secreto não era exclusiva para a movimentação dos repasses das emendas, recebendo aportes também do Fundo Nacional de Saúde (FNS) ao Fundo Municipal de Saúde (FMS). Como consequência, os valores acabaram diluídos. A CGU não conseguiu distinguir recursos que se referem a emendas dos que seriam destinados a programas específicos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.