Ao receber a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os outros sete acusados de formarem o “núcleo crucial” do plano de golpe, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) foi além do debate sobre a admissibilidade das acusações e enfrentou argumentos sobre o mérito dos crimes imputados aos denunciados e das tipificações que poderão ressurgir no julgamento da ação penal.
Os ministros associaram a denúncia contra Bolsonaro ao 8 de Janeiro de 2023, apontado como o clímax da empreitada golpista, e já rechaçaram o argumento de que o ex-presidente não poderia ser responsabilizado pelos atos golpistas porque não estava presente nas manifestações violentas na Praça dos Três Poderes.
“Não necessariamente o acusado precisa ter estado no dia 8 de Janeiro, mas se de alguma forma concorreu para o evento ocorrer, ele responde nos termos da lei, é o que está expresso no Código Penal”, defendeu o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF.
O raciocínio abre caminho para punir Bolsonaro por três crimes relacionados ao quebra-quebra em Brasília - tentativa de abolição violenta do estado democrático, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União.

O ministro Flávio Dino usou como exemplo o mandante de um homicídio, que não está na cena do crime, mas responde pela execução.
A ministra Cármen Lúcia cravou que a tentativa de golpe foi orquestrada: “Isso não aconteceu por uma festinha do final de tarde, que por uma coincidência todo mundo resolveu visitar Brasília.”
A ministra ainda ironizou os argumentos das defesas, como a do ex-presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro Anderson Torres, que alegaram que eles estavam nos Estados Unidos quando a Praça dos Três Poderes foi invadida e, por isso, não deveriam ser punidos pelos atos de vandalismo.
“Um despareceu, o outro viajou, o outro estava dormindo, por isso que não atendeu a presidente do Supremo Tribunal Federal, que ligava insistentemente querendo mais segurança para o prédio do Supremo”, alfinetou Cármen Lúcia. “Não se formaliza golpe, não se planeja às escâncaras.”
Neste instante da sessão, Flávio Dino a interrompeu: “Não fosse assim, não existiria mandante de homicídio.”
Leia também
Os ministros também abordaram os questionamentos das defesas sobre e a punição de um golpe supostamente tentado, mas que não foi concretizado.
“Se tivesse sido consumado, não haveria juiz para julgar”, rebateu Dino. “Golpe de estado é coisa séria. É falsa a ideia de que uma tentativa de golpe, porque não resultou em mortes naquele dia, é uma infração penal de menor potencial ofensivo ou suscetível de aplicação até do princípio da insignificância, a excluir a tipicidade. Isso é uma desonra à memória nacional. Esse tipo de raciocínio às famílias que perderam familiares em um momento de treva da vida brasileira.”
O ministro Luiz Fux acompanhou os colegas, mas foi o único que sinalizou que poderá divergir no julgamento do mérito da denúncia, justamente sobre a diferenciação entre atos preparatórios e o crime consumado. “Na medida em que se coloca a tentativa como um crime consumado, no meu modo de ver há um arranhão na Constituição Federal.”