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Opinião | Morrem os aquíferos

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convidado
Por José Renato Nalini

Além do negacionismo ignorante, uma parte do otimismo surreal diz que não há por que preocupar-se com a escassez de água. Temos aquíferos que serão suficientes para dessedentar a humanidade até o fim da história. Não é verdade.

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A água subterrânea está sumindo. Noticiou o New York Times que um levantamento realizado em mil e setecentos aquíferos de mais de quarenta países, constatou que os níveis de água submersa caíram desde o ano 2.000. Isso foi mais grave nas regiões de clima seco e muita terra cultivada para a agricultura.

A diminuição das águas subterrâneas representa enorme prejuízo e crescentes riscos para a humanidade. Isso significa esvaziamento de riachos, afundamento de terras, contaminação de aquíferos costeiros pela água do mar e secagem de poços.

Represa de Guarapiranga Foto: Marcio Fernandes/Estadão

O resultado da investigação foi publicado na revista Nature e confirma a tendência de desaparecimento dos aquíferos. A pesquisa comparou os níveis de água de 2000 a 2020, com as tendências de 1980 a 2000 em cerca de 500 aquíferos. Em 30% do menor grupo de aquíferos, os níveis das águas subterrâneas baixaram mais rapidamente desde 2000 do que nas duas décadas anteriores.

Não se pode celebrar a existência do Aquífero Guarani, que abrange Brasil e Paraguai, com aquele entusiasmo de há alguns anos. Isso porque já se verifica a contaminação causada pela perfuração de poços artesianos de forma irregular. E no extremo sul da capital paulista, a começar pela região de Santo Amaro, o grande número de indústrias químicas chegou a contaminar o solo, algo que não era muito investigado há algumas décadas. E essa contaminação, obviamente, chegou às águas subterrâneas.

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Outra observação que a pesquisa realizada pelos norte-americanos sugere é que, nos poucos aquíferos em que houve melhoria, os níveis das águas subterrâneas que aumentam o fazem com taxas muito inferiores às do declínio. Por isso, é muito mais fácil piorar as coisas do que melhorá-las.

Outra investigação recente do New York Times, que analisou mais de oitenta mil poços de monitoramento nos Estados Unidos, encontrou tendências muito semelhantes no país. As causas do declínio das águas subterrâneas diferem de local para local. Algumas grandes cidades dependem dessas águas para uso doméstico. Fora das cidades, a irrigação para a agricultura tende a ser a atividade que mais utiliza águas subterrâneas.

Por isso, não é surpreendente se essa tendência, que ocorre em todo o planeta, resultasse relacionada com a agricultura irrigada e alimentada por águas subterrâneas. Isso deve chamar a atenção dos agricultores, os “salvadores da lavoura”, que precisam também pensar em recompor os pastos abandonados. A existência de árvores é uma espécie de salvo-conduto ao ressurgimento da água.

A escassez de água já atinge inúmeros espaços em todo o planeta. Tanto que já se afirmou que as guerras do século XXI seriam em torno à disputa pela água e não pelo petróleo. E essa constatação científica deveria servir também de advertência a todos os governos e toda a sociedade civil. É mais do que urgente inverter a lógica imperante a serviço do automóvel e devolver ao solo os riachos, córregos, cursos d’água e até rios que foram sepultados para ceder lugar ao asfalto.

Uma cidade sem água é fadada à extinção. O município de São Paulo continua a ser o exemplo mais emblemático. No século XVI, era provido de grandes rios e de milhares de afluentes. O “progresso”, ou a versão equivocada do que possa vir a ser o verdadeiro desenvolvimento, fez com que os rios fossem canalizados e deixassem de ser rios, para serem canais fétidos condutores da imundície que produzimos. E os riachos, córregos e demais cursos d’água foram enterrados para viabilizar o trânsito venenoso de veículos que funcionam à base de combustíveis fósseis.

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Os dois grandes reservatórios, as represas do Guarapiranga e Billings estão sob ameaça, diante do despejo contínuo de esgotamento doméstico e industrial, do desaparecimento das nascentes que as abastecem, mercê de invasões e ocupações clandestinas, irregulares e criminosas.

É hora de se ter juízo. Sem água, não há lucro, não há balança comercial, não há exportação, não há governo, não há vida.

Convidado deste artigo

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão
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