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Opinião | MP 1.202: desdobramentos após sua edição

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Por Claudia Abrosio e Vitória Machado de Madureira

Em 2023, o governo federal registrou o segundo pior déficit primário, totalizando 230,5 bilhões de reais, correspondente a 2,12% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro [1]. Nesse período, a despesa total aumentou 12,5% e a receita líquida teve uma queda de 2,2% [2].

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De acordo com secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, o crescimento significativo no período com o Bolsa Família, subvenções de custeio, renúncias com o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), compensações a estados e municípios e, em especial, os precatórios, entre outros, prejudicaram o desempenho fiscal.

Diante desse cenário, no apagar das luzes de 2023, foi publicada a Medida Provisória (MP) nº 1.202, que: (a) introduziu a desoneração parcial da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento; (b) revogou benefícios concedidos no PERSE e (c) limitou a compensação de créditos tributários reconhecidos judicialmente.

Após pouco mais de um mês da sua edição, a referida MP tem trazido diversas discussões no tocante à sua constitucionalidade e à busca efetiva de controle da renúncia fiscal nas contas públicas.

A reoneração gradual da folha gerou grande preocupação, pois a MP revoga a prorrogação do benefício para 17 setores da economia, concedida até 2027 pela Lei nº 14.784/23, em violação à legalidade, segurança jurídica e não surpresa, tendo em vista a mudança repentina no planejamento orçamentário e financeiro das empresas beneficiadas. A comoção pública levou o governo a reavaliar a proposta, que prevê o retorno do recolhimento de 20% sobre a folha de pagamento, no lugar de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.

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No tocante ao Perse, que reduziu para zero as alíquotas do IRPJ, da CSL, do PIS e da Cofins, até 2026, de setores da economia que sofreram com os reflexos da pandemia de Covid-19, a MP prevê o retorno faseado dos tributos: (a) a partir de 1º de abril de 2024 para a CSLL, o PIS e a Cofins e (b) a partir de 1º de janeiro de 2025 para o IRPJ.

Em resguardo à segurança jurídica, já existem posicionamentos favoráveis ao contribuinte no Judiciário, inclusive em atenção do art. 178 do CTN, que preveem a impossibilidade de revogação de isenção concedida por prazo certo e em condições determinadas, como é o caso da recente decisão liminar proferida nos autos do processo nº 5001270-45.2024.4.03.6100 pela 7ª Vara Cível Federal de São Paulo.

Chegamos ao ponto central deste artigo. A imposição de limites mensais à compensação de créditos tributários reconhecidos judicialmente e em valor superior a 10 milhões de reais também é alvo de grandes críticas, pois impede a sua realização de modo integral pelo contribuinte. Antes, os contribuintes podiam compensar a totalidade desses créditos de uma só vez, sem quaisquer restrições.

A Portaria Normativa MF nº 14, publicada em 05/01/24, estabelece uma graduação (crescente) de valores que devem ser compensados mediante a estipulação de prazos mínimos para a sua realização. Créditos já reconhecidos com trânsito em julgado e habilitações iniciadas anteriormente à edição da MP também serão atingidos pela limitação, conforme o documento “Perguntas e Respostas”, publicado pela Receita Federal.

Nesse contexto, a 2ª Vara Cível Federal de São Paulo (processo nº 5000809-73.2024.4.03.6100) negou um pedido de liminar a uma empresa que buscava o seu direito em não se submeter ao limite de compensação, mesmo já tendo utilizado parte do crédito devido, por entender que a lei aplicável às compensações fiscais é a vigente na data do encontro de contas, devendo-se considerar, portanto, as alterações trazidas pela MP, sem adentrar com a devida tecnicidade na decisão.

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Todavia, esse posicionamento afronta o princípio da segurança jurídica previsto no art. 5º, inciso XXXVI da CF/88, pois, no mínimo, os contribuintes que obtiveram decisão favorável transitada em julgada em data anterior à publicação, não podem – ou não deveriam – sofrer os reflexos da MP, em respeito à coisa julgada.

Isso porque, embora exista um precedente firmado no REsp nº 1.164.452/MG, no qual restou reconhecido que a lei que regula a compensação é a vigente na data em que o contribuinte compensa os valores, esse entendimento necessita ser interpretado com cautela, pois nos casos de ação judicial pré-existente, deve-se considerar a data de distribuição (norma vigente à época do ajuizamento da demanda).

Essa foi, também, a interpretação fixada no REsp 1.137.738/SP, com a finalidade de resguardar a eficácia da coisa julgada frente à alteração de legislação tributária superveniente.

Vale destacar que a impossibilidade de compensação integral vai de encontro ao princípio do não confisco, previsto no art. 150, IV, da CF. Ao limitar indiscriminadamente e sem razões plausíveis o direito à compensação, viola-se o direito constitucional.

O prejuízo é tamanho que o valor que exceder o limite mensal será considerado como não declarado, sendo remetido diretamente para inscrição em dívida, sem a possibilidade de apresentação de manifestação de inconformidade, conforme previsão no art. 74, §12, I, da Lei nº 9.430/96.

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Frisa-se que a tentativa de limitar compensação não é nova. O STJ, ao julgar o EREsp nº 189.052/SP, fixou entendimento no sentido de que a limitação de compensação de crédito declarado inconstitucional equivale a fazer valer a norma inconstitucional, tendo em vista que o contribuinte não pode reaver os valores.

Por sua vez, o STF, no julgamento das ADIs nº 2356, 7064 e 7047, reconheceu a inconstitucionalidade de imposição de limites anuais e de regras de parcelamento no pagamento de precatórios.

Diante desse cenário caótico, o Partido Novo ajuizou a ADI nº 7587, visando ao reconhecimento da inconstitucionalidade formal e material dos dispositivos da MP.

Dentre as críticas percorridas na ação, destacamos a violação ao direito de propriedade, uma vez que a limitação impede a compensação integral dos créditos pelo contribuinte, além do desrespeito aos ditames da capacidade contributiva e da isonomia tributária com relação aos demais créditos e indébitos reconhecidos administrativamente.

No mais, além da ausência do requisito constitucional de urgência para essa medida, alguns estudiosos alegam que essa medida se assemelha à figura do empréstimo compulsório, que depende de lei complementar para a sua instituição (CF, art. 148).

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Ademais, é curioso perceber que, justamente no ano no qual foi registrado o segundo pior déficit primário, a MP concede poderes ao Ministro da Fazenda para decidir sobre os limites aplicados às compensações. Por óbvio, a “carta branca” concedida ao ministro é preocupante e coloca em jogo a legalidade e a segurança jurídica.

Na visão do governo, a alteração teve como intuito trazer maior previsibilidade sobre a utilização de créditos de elevada monta. No entanto, qual é a previsibilidade do contribuinte? Essa medida foi publicada no dia 29/12/23, com efeitos imediatos.

O caso e a sua fundamentação mostram uma política de dois pesos e duas medidas: com o objetivo de equilibrar as contas públicas e, ao mesmo tempo, devolver ao contribuinte valores reconhecidos judicialmente, o governo decidiu limitar a disponibilidade econômica dos créditos. Esse é o famoso “ganhou, mas não levou”, o que é inadmissível dentro do ideal de acesso à ordem jurídica justa.

O que podemos perceber é que a MP apresenta discussões relevantes sobre a sua constitucionalidade, sendo que os contribuintes impactados devem recorrer ao Poder Judiciário para garantir o afastamento das novas regras. De fato, a recuperação do déficit orçamentário é importante, mas essa tarefa deve ser realizada com a devida cautela.

NOTAS:

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1. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/governo-central-registrou-deficit-primario-de-r-230-535-bilhoes-em-2023.

2. Conforme Boletim Resultado do Tesou Nacional (RTN). Disponível em: https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/boletim-resultado-do-tesouro-nacional-rtn/2023/12.

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Claudia Abrosio
Sócia no escritório Ayres Ribeiro Advogados, mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)
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