Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

'Muitas vítimas foram chamadas por outra mulher, com quem sentiram confiança para sair', relata modelo agredida por Thiago Brennand

Em entrevista ao Estadão, Helena Gomes, que acusa Thiago Brennand de violência e ameaças em uma academia de shopping em São Paulo, conta que tem recebido muito apoio; ela revela detalhes de métodos supostamente adotados pelo acusado, incluindo a participação de uma mulher das relações dele que teria a missão de atrair outras mulheres; 'quando entravam no carro dele já não conseguiam sair mais, ele colocava a arma do lado'

PUBLICIDADE

Por Isabella Alonso Panho
Atualização:

"Não temos que ter vergonha do que alguém fez com a gente', afirma a modelo Helena Gomes, que passou 16 anos no exterior a trabalho (Felipe Rau/Estadão)  

Nascida no interior do Goiás, Helena Gomes já viajou o mundo todo exercendo a profissão de modelo. Formada em Biologia, ao longo de dezesseis anos no exterior conheceu todos os continentes a trabalho. Contudo, nas últimas semanas, seu nome passou a estar nos noticiários por causa de uma violência que sofreu nas mãos do empresário Thiago Brennand Fernandes Vieira.

PUBLICIDADE

O caso foi revelado pelo Fantástico, da Rede Globo, que mostrou as imagens do empresário agredindo fisicamente a modelo dentro de uma academia em São Paulo no dia 3 de agosto. No mesmo dia, ela denunciou Brennand, que já é réu perante a Justiça. Ela é assessorada pelo escritório Janjacomo Advogados, que afirma já ter recebido inúmeras denúncias de mulheres que teriam sido violentadas pelo empresário. 

Em entrevista ao Estadão, a modelo conta como têm sido os últimos dias, diante da repercussão do caso, a importância de denunciar situações de violência e o modus operandi (método de agir repetido) que Brennand utilizaria para chegar até outras mulheres. Ele utilizaria de uma intermediária, que atrairia as vítimas para passeios. De acordo com Gomes, muitas sequer tinham pretensão de conhecer o empresário.

Confira a entrevista:

 

ESTADÃO: Como está sendo para você lidar com a repercussão do caso? 

Publicidade

HELENA GOMES: Eu estou bem com relação a tudo. Eu estou sendo muito bem apoiada, em todos os sentidos. Eu estou com um time incrível de advogados e pessoas, que acabaram sendo, além de advogados, amigos e família para mim. A escolha desse time foi muito importante, porque eles estão apoiando as vítimas como elas precisam. Não que eu esteja minimizando o que aconteceu comigo. Agressão é agressão, mas outras pessoas sofreram agressões que mexeram completamente com o psicológico delas. Elas saíram de agressões verbais e físicas que mexeram com psicológico delas de todas as formas possíveis. Essas pessoas estão há anos machucadas por dentro e por fora. Eu estou bem. Elas, eu espero que fiquem.

Helena conta que, mesmo depois da repercussão do vídeo, manteve sua rotina de treinos; 'ele já fez mal demais para várias pessoas', afirma (Felipe Rau/Estadão)  

ESTADÃO: E a maioria das mensagens que você recebeu das pessoas foram de apoio ou de reprovação? Alguma crítica a você, ou mensagem machista?

HELENA GOMES: Completamente de apoio. Na verdade, eu nunca recebi tanto obrigado na minha vida. Eu recebi muitos obrigados, principalmente vindo do Nordeste. Nossa, muito, mas muito mesmo. Eu não consigo responder todas as mensagens, porque ainda está muito tumultuado, mas recebo mensagens todos os dias. Muitas são sobre agressões provocadas por ele. Elas [as pessoas que mandam mensagens] dizem "eu sofri", "muito obrigada", "não tenho coragem de falar".

ESTADÃO: Havia algum padrão na forma como Brennand abordava as mulheres? E nas vítimas?

HELENA GOMES: Várias mulheres foram chamadas por outra mulher, com quem elas sentiram confiança para sair - e simplesmente para sair. A partir do momento em que elas entravam no carro, já não conseguiam sair mais, percebiam que havia uma coisa estranha. Muitas vítimas sequer aceitaram o convite dele. Elas aceitaram um convite para sair com uma amiga, uma colega, uma outra mulher, e, ao chegar lá, não tinham como sair mais. Muitas foram colocadas numa situação, sem saber onde estavam indo. Elas já percebiam dentro de um carro que havia uma coisa estranha, ele colocava a arma do lado e já era uma situação da qual elas já não tinham como sair. Não foram só as meninas que aceitaram sair para o conhecer - o que não tem nada de errado -, foram também pessoas que não aceitaram nada. Elas simplesmente pararam naquela situação.

Publicidade

O empresário é acusado de agredir uma modelo dentro de uma academia; outras vítimas têm procurado a Polícia desde então (Reprodução: Facebook)  

ESTADÃO: E como você foi atendida também na academia depois do que aconteceu?

PUBLICIDADE

HELENA GOMES: Eu fiquei, acho que, talvez uma semana e meia sem voltar aos meus exercícios. No dia do acontecido, eu pedi para chamar a polícia. A polícia chegou depois que ele [o empresário Thiago Brennand] já tinha saído. Eu lembro de que, antes do acontecido, eu já tinha mostrado o comportamento dele com relação a mim. Eles falaram que não podiam fazer nada, porque eram só mensagens. E, depois do acontecido, eu continuei frequentando e fazendo o que eu tinha que fazer normalmente. Até porque eu faço um tratamento na minha perna, então é uma coisa que eu não posso parar. 

ESTADÃO: Então você demorou mais ou menos uma semana para conseguir voltar para academia?

HELENA GOMES: Foi mais pelo tumulto. Eu me recusei a mudar qualquer coisa no meu ciclo, e me recuso. Eu sei que estão tendo alterações agora, mas é mais pelo tumulto, porque mudou meu cotidiano em várias coisas. Mas não por causa dele. Isso eu me recuso. Eu acho que ele já fez mal demais para várias pessoas, pra eu ter que alterar a minha vida por conta dele. A minha eu estou fazendo todo o possível para seguir, da forma mais normal cabível para mim. Dificultou no trabalho, eu acho, porque como você tem que ter algumas precauções. 

Câmeras de segurança flagraram a agressão da qual a modelo foi vítima em uma academia de São Paulo (Reprodução)  

ESTADÃO: Você teve algum receio ou medo de fazer a denúncia?

Publicidade

HELENA GOMES: Em nenhum momento. Assim que aconteceu eu já liguei para os meus advogados e ali, de primeiro momento, já falei "vamos fazer, vamos procurar, vamos atrás". Porque antes do acontecido eu já tinha visto uma menina tremendo na porta da academia, em choque, pelo que tinha acontecido com ela - que era com relação a ele. Ela me mostrou as mensagens. Antes do que aconteceu comigo outras mulheres já comentavam que haviam sido agredidas verbalmente por ele. Eu me recusei. A partir do momento que aquilo aconteceu eu já sabia que eu ia denunciar e eu fui apoiada para fazer isso. Eu fui muito apoiada para fazer isso. Então assim, eu não tive dúvidas, nem medo e sigo em frente aí tranquilamente. 

A modelo é assessorada pelos advogados Marcio Janjacomo Junior e Marcio Janjacomo, que afirmam já terem sido procurados por muitas outras vítimas de agressões do empresário Thiago Brennand (Felipe Rau/Estadão)  

ESTADÃO: Confia na eficácia dessa medida protetiva que você obteve da Justiça? 

HELENA GOMES: A medida protetiva, nós sabemos que é para evitar que a pessoa chegue próxima a você, para evitar que ela envie mensagens, porque pode ser presa. Mas nós sabemos que, se tiver de acontecer alguma coisa, pode acontecer. A medida protetiva coloca as coisas dentro da lei, mas ela vai além da proteção. Vem como um sinal de que as coisas estão funcionando. 

ESTADÃO: O que diria para outras mulheres que estão passando pelo mesmo drama?

HELENA GOMES: Eu percebi com tudo isso que os homens que praticam violência continuam atuando dessa forma porque a maioria das mulheres têm medo de falar. Não só as mulheres. Nesse caso, são homens, são jovens, são mulheres. As pessoas têm medo de falar, com medo de que as outras pessoas simplesmente não apoiem. O que as pessoas não entendem é que, ao deixar de denunciar, a pessoa vai ficando mais forte. Ela pratica comigo, com você, com a próxima pessoa, e o nível de violência só vai aumentando. Com as vítimas que estão aparecendo, a violência praticada é de filme de terror. E são muitas pessoas. A coisa não para. Se todas as pessoas tivessem coragem, provavelmente nós estaríamos com mais de 200 aqui. Com o que nós estamos fazendo, a gente quer mostrar que a lei funciona nas mãos certas, mas a pessoa não deve desistir porque não deu certo ali na primeira. Ela deve continuar. Procure em outro lugar, procure por outras pessoas, mas denuncie. Quando a pessoa não denuncia ela passa essa "herança do medo" para a próxima geração. Quem é essa geração? É teu filho, é tua irmã mais nova. E aí? Quando ela sofrer um abuso, o que que você vai fazer? Você vai falar para ela ficar calada também? Eu briguei pelo meu "não". A minha briga foi pelo meu "não" inicial e pelo meu segundo "não". Foi uma briga pelo meu "não". Mas essas pessoas, essas vítimas que estão vindo até a gente tiveram vidas destruídas, psicológico destruído... é um filme de terror a história delas. 

Publicidade

ESTADÃO: Tem algo mais que você gostaria de dizer?

HELENA GOMES: O mais importante é as mulheres falarem. É muito importante que a mulher que esteja lendo essa entrevista entenda, principalmente se foi agredida, se tiver vendo essa mensagem, que a pessoa agredida, se ela não falar, de certa forma, vai ficar com um pouco daquela culpa pra si, entendeu? A gente precisa dessa ajuda, a gente precisa das pessoas falando. É não passar para frente essa geração do medo. A mulher, principalmente, pela educação, carrega essa vergonha. Quando ela é agredida, fica com essa vergonha. Por que você tem que sentir vergonha de ter sido agredida? Quem tem que sentir vergonha é quem fez. Nós não temos que ter vergonha do que alguém fez com a gente. Muito pelo contrário. Temos que quebrar essa fragilidade. A gente tem que lutar pelos nossos direitos da forma correta, procurando as pessoas certas, a Justiça, da maneira que for. Mas a vergonha de ter sido agredida a gente não pode carregar. A vergonha é do agressor.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.