ESPECIAL PARA O ESTADÃO - O médico ginecologista Mário Sérgio Azenha de Castro, está sendo acusado de assédio e importunação sexual por pacientes que foram atendidas por ele na Divisão de Assistência à Saúde da Comunidade (Dasc), órgão da Universidade Estadual de Londrina (norte do Paraná, a 380 km de Curitiba) que fornece atendimento médico para estudantes e servidores. Ele é servidor público da instituição desde 1995 e está inscrito junto aos quadros do Conselho Regional de Medicina do Paraná desde 1984. A reportagem do Estadão procurou Azenha de Castro, mas ele não retornou os contatos.
O caso começou a ganhar repercussão depois que A., 22 anos, relatou nas redes sociais que Azenha de Castro a teria importunado sexualmente durante uma consulta no último dia 14. Ela procurou o Dasc para investigar um escape menstrual e fazer um exame preventivo de colo de útero (papanicolau).
"Ele (o médico Mário Sérgio Azenha de Castro) começou a falar de testosterona, perguntou se eu tinha pelos no umbigo, nos seios, muita espinha, e falou 'tira sua máscara então para eu ver se a sua cara é bem lisinha'. Nada do que ele estava falando tinha a ver com o escape", relata a jovem. O uso de máscara em hospitais e estabelecimentos de saúde ainda é obrigatório.
A. afirma que o médico começou a falar sobre posições sexuais enquanto gesticulava com as duas mãos imitando os movimentos. "Ele disse muitas vezes que 'homem gosta de pegar por trás', falou que depois era para ir para 'papai e mamãe' e que 'é importante a mulher fazer cavalinho para se sentir no controle'."
"Foi muito constrangedor para mim." A jovem afirma que, perto do fim da consulta, Azenha de Castro teria dito que 'homem gosta de dar umazinha no meio da tarde, em qualquer canto, até aqui ali do lado'. Ela deixou o consultório sem fazer a coleta de material para o exame preventivo. A. denunciou o ginecologista para a Polícia Civil, para a Ouvidoria da Universidade e também para o Conselho Regional de Medicina.
Ela decidiu publicar o relato nas redes sociais e outras mulheres a procuraram afirmando terem passado por situações parecidas em consultas com Azenha de Castro. O Estadão conversou com cinco dessas mulheres. Os nomes de todas as vítimas foram trocados para preservar suas identidades.
Nova denúncia
J., de 25 anos, foi a uma consulta com o ginecologista no ano passado. "Enquanto colhia meu exame preventivo ele me perguntou quantos filhos gostaria de ter e disse que seria uma 'boa parideira', seguido de 'as mulheres hoje em dia não gostam de dar no coro mais'."
No retorno da consulta, com os exames em mãos, J. questionou o médico sobre baixa libido. "Ele perguntou qual era a minha religião, com quem eu morava e se eu me masturbava. Depois perguntou o local e a frequência com que eu fazia sexo, se fazia em casa ou no motel, se eu gemia alto, se usava camisinha e quando não usava, onde meu parceiro ejaculava e como nos limpávamos."
Assim como aconteceu com A., Azenha de Castro teria gesticulado simulando relações sexuais. "Ele disse que eu deveria chupar bastante o 'pirulito' do meu parceiro e que 'todo homem gosta de ver a mulher subindo pelas paredes e cheia de tesão'." Com a repercussão do caso, J. decidiu levar seu caso à Polícia Civil também.
"Por isso que você é lésbica"
Aos 22 anos, F. estava cursando mestrado na UEL e nunca havia ido ao ginecologista. No começo da consulta com Azenha de Castro, contou que é lésbica e que teve apenas uma parceira sexual, com quem está até hoje, aos 31 anos. "Ele mudou completamente e começou a perguntar como eram meus pais. Quando disse que minha mãe era brava, ele falou 'é por isso que você é lésbica, porque sua mãe é brava e você também quer ser. Você quer mandar nos homens e não consegue'."
Por causa do trabalho em laboratório, F. havia feito vários exames há menos de três meses e estava com eles em mãos durante a consulta. O ginecologista teria pedido para ela refazê-los afirmando que ela era 'grupo de risco'. Ele teria, ainda, sugerido que ela tivesse relações sexuais com algum homem para 'dominá-los'. "No retorno, ele não queria falar sobre os resultados dos exames. Ficou querendo saber se eu tinha me 'curado' de ser lésbica."
Incomodada com o que sofreu, F. denunciou Azenha de Castro para o Conselho Regional de Medicina do Paraná. O órgão arquivou o procedimento por falta de provas e, na época, ela não recorreu da decisão.
"Eu não senti respeito"
Em março de 2010, R. estava aguardando o nascimento do primeiro filho e fazia os exames pré-natais no Dasc. O médico que costumava atendê-la estava de férias e, por isso, fez um dos últimos atendimentos antes do parto com Azenha de Castro.
Durante a consulta, ela deitou na maca e ficou esperando ser examinada. "Ele começou a mexer em mim. Chamou uma enfermeira e começou a fazer o exame de toque. Fiquei bem assustada e não sabia o que estava acontecendo. Não gosto nem de falar sobre isso." Na época, ela estava com 24 anos e hoje tem 37.
"Quando as pessoas tocam nosso corpo, a gente percebe se foi respeitoso ou não. Quando ele tocou em mim, eu não senti respeito. Ele ultrapassou algumas barreiras." Havia uma enfermeira dentro da sala, mas, segundo R., ela não olhou o exame. Ela não voltou mais para as próximas consultas e passou a ir na rede particular.
"Quis saber com quantas pessoas eu tinha saído"
Em 2003, P. procurou o Dasc atrás de um tratamento para endometriose. Ela afirma que Azenha de Castro teria conduzido a conversa para assuntos relacionados à sexualidade, sem mencionar a doença. "Incomodava essa situação de ele fazer perguntas que não eram pertinentes no momento. Por exemplo, se eu me masturbava ou com quantas pessoas eu tinha saído." Hoje, aos 48 anos, ela ainda se sente incomodada com a situação. "Eu acho que homens não deveriam ser ginecologistas."
"Pirulito do homem"
C., de 24 anos, foi a três consultas com Azenha de Castro entre março e maio do ano passado. Na terceira, depois de alguns exames, o médico teria dito que determinadas posições sexuais poderiam causar infecção urinária. "Não tinha nada a ver com o meu problema. Ao invés de falar 'pênis', ele ficava falando 'pirulito do homem'. Ficou um tempão assim. Nunca mais voltei."
COM A PALAVRA, A UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA
Através da Coordenadoria de Comunicação Social, a Universidade Estadual de Londrina divulgou a seguinte nota:
"A Procuradoria Jurídica da UEL aguarda o recebimento da denúncia oficializada semana passada junto à Ouvidoria do Hospital Universitário (HU) e informa que todos os procedimentos serão tomados considerando o disposto no Estatuto e Regimento Interno, que orienta as normas de conduta da comunidade universitária, no exercício das atividades. Caberá à Procuradoria Jurídica realizar o levantamento inicial dos fatos e checagem dos envolvidos para instrução do procedimento, que deve ser submetido ao Gabinete da Reitoria e posteriormente ao Conselho Universitário, órgão máximo da Universidade.
A UEL reitera seu compromisso em zelar e difundir o respeito à dignidade humana e que não compactua com qualquer forma de violência física, psicológica ou constrangimento contra a mulher, que possam ofender sua saúde, integridade física ou ainda provocar danos emocionais".
Azenha de Castro permanece atendendo e seu eventual afastamento dependerá do parecer da Procuradoria Jurídica.
COM A PALAVRA, O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO PARANÁ
O Estadão questionou o Conselho Regional de Medicina do Paraná sobre as medidas que serão adotadas em face do médico Mário Sérgio Azenha de Castro e também sobre a denúncia que F. fez em 2012. A entidade respondeu com a seguinte nota:
"Este Conselho tem a informar que, até o momento e no alcance desta jurisdição, o referido médico está em condições plenas para o exercício de sua atividade profissional. A denúncia anteriormente trazida a esta corte disciplinar foi devidamente apurada em consonância com os regulamentos vigentes e, esgotados seus cursos, inclusive de produção de provas e respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa, não se determinou comprovação de ilícito ético. Tem a informar, ainda, que até o momento não recebeu a denúncia que teria sido levada a organismo policial e/ou à Ouvidoria da Universidade. Contudo, como lhe é facultado por lei, está instaurando procedimento apuratório, de ofício, a partir de publicações em meios de comunicação sobre acusações de assédio. O trâmite ocorre sob sigilo."
COM A PALAVRA, MÁRIO SERGIO AZENHA DE CASTRO
A reportagem entrou em contato com o médico Mário Sergio Azenha de Castro através de seu e-mail institucional e também deixou recado em sua clínica particular nesta quinta, 23. O espaço está aberto para manifestação. (isabella.panho@estadao.com)
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