O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu a pedidos da construtora Novonor (antiga Odebrecht) e do grupo J&F e suspendeu o pagamento dos acordos de leniência celebrados pelas empresas com o Ministério Público Federal (MPF) após serem alvos da Operação Lava Jato. No total, as multas somavam originalmente R$ 14,1 bilhões.
A primeira paralisação de pagamentos foi a do grupo J&F, multado em R$ 10,3 bilhões. Esse valor ainda deveria ser corrigido no decorrer do pagamento de acordo com o índice IPCA. A empresa, contudo, pediu a suspensão de “todas as obrigações pecuniárias” decorrentes do acordo enquanto analisa os documentos da Operação Spoofing, que prendeu os hackers da Lava Jato. O grupo pretende usar o material para pedir a revisão da leniência e defende que é preciso “corrigir abusos” do acordo. Um deles seria o suposto uso de provas ilícitas. Toffoli atendeu ao pedido em 19 de dezembro do ano passado.
Já em 1º de fevereiro, o ministro atendeu a um pedido da Novonor, que afirma ter sido pressionada a fechar o acordo para garantir sua sobrevivência financeira e institucional. “A declaração de vontade no acordo de leniência deve ser produto de uma escolha com liberdade”, escreveu o ministro, e suspendeu o pagamento da multa estipulada originalmente em R$ 3,8 bilhões. Segundo estimativas das autoridades responsáveis pela negociação, homologada em 2016, o valor corrigido pela taxa Selic poderia chegar a R$ 8,5 bilhões no fim das parcelas.
A Novonor também teve acesso aos documentos revelados pela Operação Spoofing e parte das provas de seu acordo de leniência já foram anuladas pelo ministro aposentado do STF, Ricardo Lewandowski, com base em mensagens da mesma operação. Ele levou em consideração o julgamento que declarou a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e considerou que havia “vícios” nas provas.
Leia também
Valor de multas suspensas deve aumentar com efeito cascata
Outras empresas que admitiram corrupção e se comprometeram a pagar cifras bilionárias para escapar da Lava Jato avaliam recorrer ao ministro do STF.
Segundo apurou o Estadão, a UTC, a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa fazem parte do grupo que estuda solicitar a revisão dos acordos. O “efeito cascata” também pode beneficiar a OAS, a Braskem e a Engevix (atual Nova), que também admitiram as práticas de corrupção e se comprometeram a restituir os cofres públicos.
Os acordos de leniência firmados pelas oito empresas somam R$ 18,4 bilhões em multas. Os compromissos preveem a correção permanente dos montantes pela taxa Selic. Na cotação atual, os valores estão estimados em R$ 34,2 bilhões.
Leia mais
As empreiteiras já alegaram que os valores foram arbitrados considerando um faturamento que já não é mais realidade no setor das grandes construções e que, apesar dos esforços para honrar os compromissos, o risco de inadimplência é iminente. A CGU, no entanto, tem sido inflexível diante dos pedidos de repactuação. O órgão afirma que não há margem para a alteração dos valores, apenas de cláusulas sobre prazo e formas de pagamento.
Nesse cenário, a Operação Spoofing aparece como brecha possível para a derrocada dos acordos. A investigação prendeu o grupo responsável pela invasão dos celulares de membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, incluindo o ex-procurador Deltan Dallagnol, que coordenava o grupo de trabalho, e o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro, que foi titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, berço da investigação. As conversas hackeadas constam como provas da investigação.
Fontes ligadas às empresas ponderam, no entanto, que nem todas poderão tirar proveito das conversas. A avaliação é que o material só será útil se houver indícios de coação nas negociações. Caso contrário, poderia se tornar um tiro no pé.
PGR avalia entrar com recurso contra decisão que suspendeu multas bilionárias
A suspensão de pagamentos da Novonor e da J&F foi determinada pelo ministro Dias Toffoli por meio de decisões monocráticas definitivas, o que significa que a determinação do magistrado não precisa ser levada a plenário ou referendada pelos demais ministros, como ocorreria com uma liminar.
A Procuradoria Geral da República (PGR), no entanto, pode entrar com um recurso e fazer a questão ser submetida ao referendo de colegiado. Caso o órgão apresente um agravo regimental (agravo interno), a decisão monocrática vai para análise da Segunda Turma da Corte e pode ser convalidada ou questionada pelos colegas. A Turma é presidida pelo próprio Toffoli e conta também com os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
Outra opção da PGR é apresentar uma ação de competência do Plenário, como uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Nesse caso, a decisão vai a plenário com relatoria de um ministro sorteado, com exceção de Toffoli. A Procuradoria também poderia levar a decisão ao Plenário por meio de uma suspensão de liminar. No entanto, segundo o STF, essa medida poderia ser questionada, já que a decisão de Toffoli não foi uma liminar.
Caso a PGR não recorra, ou se a Corte rejeitar o recurso, a suspensão das multas permanece enquanto a J&F e a Novonor analisam as provas colhidas pela Operação Spoofing, que prendeu os hackers da Lava Jato, em busca de mensagens que possam indicar atuação irregular dos procuradores da força-tarefa.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.