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Museu do Amanhã

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Por Fernando Aurelio Zilveti
Atualização:

Em recente evento promovido pela IFA - International Fiscal Association, que se deu na cidade do Rio de Janeiro, o tema central escolhido foi o fenômeno fiscal BEPS - Base Erosion and Profit Shifting e seu tratamento pela OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

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A OCDE desenvolveu estudos para entender e combater o BEPS, que nada mais é que a erosão de bases tributárias e a transferência de lucros, fenômenos que têm tirado o sono dos agentes de política fiscal, preocupados com a perda de consistência na arrecadação de suas jurisdições. A questão enfrentada pela organização supranacional teve como resultado oficial um relatório e um tratado multilateral para direcionar as ações de combate ao BEPS.

Os instrumentos mencionados acima têm por função balizar as ações dos países para o exercício de suas políticas fiscais nos limites jurisdicionais, bem como no campo do direito internacional público, por meio da revisão de tratados em matéria tributária. Nessa tarefa prospectiva, a classe tributaristica internacional se debruça neste momento e, no evento do IFA-Rio isso foi especialmente tratado.

Durante o IFA-Rio foi promovida também, na agenda turística, a visita ao Museu do Amanhã, um belíssimo monumento construído na região central da cidade, com o intuito de resgatar uma área urbana degradada e promover a reflexão sobre o futuro da humanidade, num compromisso com a sustentabilidade. A visita ao museu teve, porém, um significado particularmente importante para a programação científica.

Os integrantes do IFA-Rio desenvolveram, afinal, estudos sobre o futuro da tributação, uma vez estabelecidos os parâmetros programáticos pela OCDE e demais jurisdições associadas nesse mister. Os mais otimistas dirão que estamos diante de um novo sistema tributário global, tamanha a força estruturante do Relatório BEPS e do Tratado Multilateral (MLI). Os mais conservadores se posicionam de maneira cética, fechados em seus conceitos positivistas, na defesa de sistemas tributários herméticos. Todos, no entanto, partem de um ponto comum inexorável: as máquinas de arrecadação não são mais capazes de captar riquezas fugidias típicas da globalização.

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A partir da globalização e consequente perda de soberania estatal em função dos avanços socioeconômicos, inaugurou-se sem sobra de dúvida uma nova ordem tributária. Ensaia-se um sistema tributário global, traduzido por ações organizadas sob o patrocínio de organismos supranacionais. A inquietação sobre o futuro da tributação, sob a perspectiva socioeconômica histórica evolutiva, demanda a criação de novos elementos de arrecadação, que mantenham a fonte produtiva da riqueza, por uma lado e, por outro lado, sejam capazes de detectar e captar aquilo que o Estado necessita para sua manutenção, inchado pelo assistencialismo e premido pela disrupção econômica, cunhado pela expressão "economia digital".

A disrupção é a reação tecnológica do próprio mercado à pressão fiscal, que revolucionou o comércio ultrafronteiras, extraterritorial ou mesmo virtual, colocando o princípio da territorialidade em xeque. A globalização e a progressiva integração das economias alterou bastante o princípio da territorialidade. A territorialidade pode ser considerada uma peça de museu, mas pensando no futuro, esse princípio pode ser entendido de uma outra forma, para delimitar o poder de tributar do Fisco, revisto num ambiente supranacional.

O Fisco pressupõe, além de território, soberania, tributos em espécie e o combate ao planejamento tributário "agressivo", enfim, o poder de determinar o que arrecadar e de quem arrecadar segundo a capacidade contributiva. O fundamento da tributação plasmado nesse princípio determina o sistema tributário justo. Ocorre que tal princípio sofre constante mutação semântica diante das transformações socioeconômicas do mundo globalizado.

A globalização fulminou conceitos tributários, como fonte e residência e, por que não dizer, da representação autorizativa da tributação, diante do fato que todos assumem a flexibilização da autodeterminação das jurisdições em matéria tributária, quando se trata de OCDE e suas regras. Não haveria sentido discutir diretivas e tratado multilateral propostos por entidade supranacional sem assumir alguma perda de soberania dos países contratantes da nova ordem internacional em matéria fiscal, decidida sem a participação do contribuinte na formação da vontade geral.

Voltando para a analogia com o Museu do Amanhã, o IFA-Rio tratou de diversos paradigmas tributários, como um "museu de grandes novidades", o que demanda reflexão seguida de revisão valorativa do modo de ver a natureza das coisas. As novas diretrizes traçadas pela OCDE almejam evitar a perda de arrecadação por obsolescência das ferramentas tradicionais de captação de riqueza pelo Fisco. Os tributos em espécie sobre a renda e consumo, por exemplo, demonstram fraqueza estrutural, sucumbindo diante das novas tecnologias de consumo. Essas tecnologias estão presentes em parte no Museu do Amanhã, porém seus efeitos sobre a tributação foram tratados de maneira inconsistente, até aqui, pelos agentes fiscais que regularam o BEPS.

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Formalmente, o trabalho arquitetônico do museu de Santiago Calatrava embelezou ainda mais o Rio de Janeiro, porém seu conteúdo artístico depende essencialmente do homem e sua capacidade de se reinventar, pensando o amanhã. De igual sorte, não basta a OCDE e o G-20 promoverem uma revisão do sistema tributário global com recomendações formais. Será preciso que os agentes de política fiscal encontrem meios de ajustar a arrecadação sem exaurir de vez a fonte produtora de riqueza. Afinal, a erosão de bases fiscais não é culpa exclusiva do contribuinte que pretende evitar a tributação, no exercício de seu direito de resistir. A erosão se dá pelo descuido do Fisco com aquilo que gera a riqueza e que está se esvaindo, em terra arrasada. É imperativo repensar o amanhã do contribuinte."

*Mestre, doutor e livre-docente pela Faculdade de Direito da USP

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