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Opinião|Não cabe ao Parlamento legislar sobre preceito regimental do STF

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convidado
Por Rogério Tadeu Romano

A Constituição da Republica estabelece em seu artigo 96 a competência dos tribunais para a elaboração de normas de organização interna sobre a atribuição e o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes.

No Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, questões relativas ao procedimento e ao julgamento de processos de sua competência e aos serviços do Tribunal são disciplinadas pelo Regimento Interno.

Foi dito na Constituição:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

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a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

.........

Disse bem o ministro Celso de Mello (Poder reformador não legitima nem autoriza desrespeito às cláusulas pétreas, in Consultor Jurídico, em 5 de outubro de 2023):

“O eminente e saudoso ministro Paulo Brossard, em um de seus luminosos votos proferidos no Supremo Tribunal Federal ( ADI 1.105‐MC/DF), bem equacionou o problema resultante da tensão normativa entre a regra legal e o preceito regimental, chamando a atenção para o fato — juridicamente relevante — de que a existência, a validade e a eficácia de tais espécies normativas hão de resultar do que dispuser o próprio texto constitucional:

“Em verdade, não se trata de saber se a lei prevalece sobre o regimento ou o regimento sobre a lei. Dependendo da matéria regulada, a prevalência será do regimento ou da lei (José Celso de Mello Filho, Constituição Federal Anotada, 1986, p. 368; RMS 14.287, ac. 14.VI.66, relator ministro Pedro Chaves, RDA 87‐193; RE 67.328, ac. 15.X.69, relator ministro Amaral Santos, RTJ 54‐183; RE 72.094, ac. 6.XII.73, relator Antonio Neder, RTJ 69‐138). A dificuldade surge no momento de fixar as divisas entre o que compete ao legislador disciplinar e o que incumbe ao tribunal dispor. O deslinde não se faz por uma linha reta, nítida e firme de alto a baixo; há zonas cinzentas e entrâncias e reentrâncias a revelar que, em matéria de competência, se verificam situações que lembram os pontos divisórios do mundo animal e vegetal. (...). O certo é que cada Poder tem a posse privativa de determinadas áreas. (...).”

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E ainda nos ensinou o ministro Celso de Mello naquela obra:

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“O Supremo Tribunal Federal, em julgamento memorável, firmou essa diretriz, fulminando de inconstitucional a Lei nº 2.790, de 24 de novembro de 1956, que reformava o art. 875 do Código de Proc. Civil [de 1939] , para admitir que as partes interviessem no julgamento depois de proferido o voto do relator.

Como disse, na ocasião, o ministro Edgar Costa, a citada lei contrariava frontalmente”a própria autonomia interna dos tribunais, no que diz respeito à sua competência privativa para estabelecer as normas a seguir na marcha dos seus trabalhos, através dos seus regimentos, que, por preceito constitucional ( CF/1946, artigo 97, no II), lhes cabe, livre da interferência de outros poderes”. (...).

“Insisto no que me parece fundamental. A questão não está em saber se o regimento contraria a lei ou se esta prevalece sobre aquele; a questão está em saber se, dispondo como dispôs, o legislador podia fazê‐lo, isto é, se exercitava competência legítima ou se, ao contrário, invadia competência constitucionalmente reservada aos tribunais; da mesma forma, o cerne da questão está em saber se o Judiciário, no exercício de sua competência legislativa, se houve nos seus limites ou se os excedeu.”

É , portanto, a própria Constituição que delimita o campo de incidência da atividade legislativa, vedando ao Congresso a edição de normas que visem a disciplinar matéria que a Constituição reservou, com exclusividade, à competência normativa dos tribunais.”

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O ministro Celso de Mello ainda nos lembrou que José Frederico Marques (Nove Ensaios Jurídicos, p. 83/84, 1975, Lex Editora), em texto monográfico intitulado ”Dos Regimentos Internos dos Tribunais”, observou:

“É que, tirando da própria Lei Maior a sua força de regra imperativa, o regimento não está vinculado à lei formal naquilo que constitua objeto da vida interna do Tribunal. No campo do ‘ius scriptum’, tanto a lei como o cânon regimental ocupam a mesma posição hierárquica. A lei não se sobrepõe ao regimento naquilo que a este cumpre disciplinar ‘ratione materiae’: é que a Lei e o Regimento se distinguem, no plano das fontes formais do Direito Objetivo. Como bem explica o ministro Mário Guimarães, o regimento interno, que ‘é a lei interna do Tribunal’, tem por escopo regular ʹo que ocorre e se processa portas a dentroʹ, tal como se dá com os regulamentos do Poder Legislativo. Por isso mesmo, os tribunais ‘podem legislar sobre a organização de seu trabalho, pois que essa é matéria regimental.”

Themístocles Brandão Cavalcanti (A Constituição Federal Comentada, vol. II/312, 1948, Konfino) enfatizou a impossibilidade de ingerência do Poder Legislativo no regramento dessas mesmas questões, observando que os órgãos do Judiciário, ao editarem os seus regimentos internos,”exercem uma função legislativa assegurada pela Constituição, restritiva da função exercida pelo Poder Legislativo”.

Sabe-se, porém, segundo noticiou a Agência Senado, em 4.10.23, que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou proposta de emenda à Constituição que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores. A PEC 8/2021, apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), recebeu voto favorável do relator, senador Esperidião Amin (PP-SC) e será encaminhada para deliberação do Plenário do Senado.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal aprovou alterações em seu regimento interno para restringir decisões individuais e limitar a 90 dias corridos o prazo para a devolução de pedidos de vista.

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Como informou o portal de notícias do STF, em 26.12.22, a norma também prevê que, em caso de urgência, o relator deve submeter imediatamente a referendo do Plenário ou da Turma, a depender da competência, medidas cautelares necessárias para evitar grave dano ou garantir a eficácia de decisão anterior.

O referendo deve ser realizado, preferencialmente, em ambiente virtual. Mas, caso a medida urgente resulte em prisão, a deliberação se dará, necessariamente, de modo presencial.

Se mantida, a medida precisa ser reavaliada pelo relator ou pelo colegiado competente a cada 90 dias, nos termos do Código de Processo Penal ( CPP). Caberá à Secretaria Judiciária acompanhar os prazos.

A mesma regra de transição dos pedidos de vista se aplica às liminares já deferidas: o prazo para a a submissão a referendo é de 90 dias úteis.

Assim não cabe ao Congresso Nacional disciplinar sobre temas como a concessão ou não de liminares e pedidos de vista, por exemplo, de ministros, que são matérias interna corporis próprias do regimento interno do tribunal.

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José Frederico Marques (1990 – Instituições de Direito Processual Civil – volume I – p. 186) ao tratar do tema assevera que “o regimento é lei em sentido material, embora não o seja em sentido formal. Na hierarquia das fontes normativa do Direito, ele se situa abaixo da lei, porquanto deve dar-lhe execução”.

Lembrou Thiago Anastácio(Regimento interno dos tribunais é lei, in Consultor Jurídico, em 29.3.2013) que “o regimento interno dos tribunais é lei e nenhuma outra lei de mesma hierarquia ou inferior poderá contraditá-la.”

Ao Supremo Tribunal Federal cabe a última palavra em matéria constitucional. A ele cabe legislar, determinando as linhas de seu Regimento Interno, próprio para disciplinar o procedimento a tratar os temas que são objeto de sua apreciação.

Fica a palavra do ministro Celso de Mello: “são inconstitucionais as tentativas do Congresso de proibir decisões monocráticas ou revisar decisões da Corte.”

A autonomia institucional do Tribunal, a reserva constitucional de regimento, e o dogma da separação de poderes, revestem-se de cláusula pétrea.

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Mesmo por emendas constitucionais, há limites para as alterações à Constituição, pois o poder reformador do Congresso não autoriza nem legitima o desrespeito às cláusulas pétreas ou cláusulas de salvaguarda do núcleo irreformável da Constituição da República, como ensinou o ministro Celso de Mello.

Ora, qualquer proposta de emenda tendente a excluir os limites materiais do poder reformador se afigura inconstitucional, porquanto as cláusulas pétreas são imprescindíveis e insuperáveis.

Imprescindíveis porque simplificar as normas que estatuem limites, outrora depositados pela própria manifestação constitucional originária, é usurpar o caráter fundacional do poder criador da Constituição.

Insuperáveis, pois alterar as condições estabelecidas por um poder inicial, autônomo e incondicionado, a fim de reformar limites explícitos à atividade derivada, é promover uma fraude à Constituição.

Essa fraude à Constituição consiste numa agressão à superioridade de atividade constituinte de primeiro grau, colocando em risco a ordem jurídica estabelecida.

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As cláusulas pétreas são as que possuem uma supereficácia, ou seja, uma eficácia total, como é o caso dos incisos I a IV já traçados. Daí não poderem usurpar os limites expressos e implícitos do poder constituinte secundário.

Logram eficácia total, pois contém uma força paralisante de toda a legislação, que vier a contrariá-las, de modo direto ou indireto. Daí serem insuscetíveis de reforma. Ultrapassá-las significa ferir a Constituição.

São ainda ab-rogantes, desempenhando efeito positivo e negativo.

Tem efeito positivo, pois não podem ser alteradas através do processo de revisão ou emenda, sendo intangíveis, e logrando incidência imediata.

Possuem ainda efeito negativo pela sua força paralisante absoluta e imediata, vedando qualquer lei que pretenda contrariá-las. Permanecem imodificáveis, exceto nas hipóteses de revolução, quando ocorre uma ruptura da ordem jurídica para se instaurar uma outra.

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Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado
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