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Opinião|Não é preciso reinventar a roda

E o que nos compete fazer? Além de uma atitude pessoal de cautela, prudência e de respeito à natureza, cobrar dos governantes postura compatível com a gravidade da situação. Agir concretamente. Sem demagogia ou negacionismo

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convidado
Por José Renato Nalini

A situação do Rio Grande do Sul trouxe à tona aquilo que uns poucos negacionistas não queriam enxergar. As mudanças climáticas chegaram. Não vão mais embora. Apenas trarão outras catástrofes, mais intensas, mais frequentes. E o que a sociedade está fazendo para mitigar os efeitos dessas ocorrências?

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O Brasil já foi chamado de “promissora esperança verde”, reunia todas as condições de se tornar a maior potência ecológica do planeta. Infelizmente, a ideologia e a ignorância brecaram esse processo para o qual trabalharam cientistas brasileiros, alguns já na eternidade, mas todos a enfrentar hostilidade ferrenha do corporativismo egoísta.

Todavia, resta uma esperança. Não mais tão auspiciosa como já foi, quando não éramos “Pária Ambiental”. Mas se conseguirmos evitar a sanha de alguns grupos de interesse, talvez possamos nos recolocar no concerto mundial. O pesquisador José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Columbia, em Nova Iorque, pensa que o Brasil pode se tornar grande exportador de manufaturados produzidos com boa pegada de carbono. Maneira de aumentar a renda da população e de evidenciar um impacto positivo importante na mudança climática. Só que isso depende de capacitação profissional de grande massa de brasileiros ainda fora do mercado de trabalho, desenvolver uma tecnologia local, incentivar empresas para que ingressem nesse novo mercado. Tudo isso é possível, mas precisa ganhar escala. A burocracia e o excesso de ideologia política atrapalham o país e constituem uma âncora a fazê-lo permanecer na relação dos menos desenvolvidos da Terra.

Atento à realidade brasileira, sobretudo em relação à catástrofe do Rio Grande do Sul, ele está entre os cientistas que alertam o governo de que devem se preocupar em colocar a prevenção na agenda das prioridades. Um ponto nevrálgico é a questão do saneamento básico. Não é admissível que o país que se caracteriza por uma das cargas tributárias mais pesadas em todo o globo, trate o saneamento como questão menor. Prorrogando o marco legal, deixando que o esgotamento doméstico polua os rios, que mortes sem fim ocorram por ausência de condições sanitárias dignas de uma nação civilizada.

A condição de um enorme país, com uma rede elétrica bastante verde, favorece a utilização do vento e do sol para a captação e produção de energia com baixo impacto no aquecimento global. Precisa-se investir em infraestrutura que atraia fabricantes para as regiões propícias à eletricidade verde.

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O corporativismo é uma chaga que corrói as entranhas do Brasil, ao lado da burocracia. O pesquisador brasileiro critica a inserção de “jabutis” na privatização da Eletrobrás, para subsidiar a produção de eletricidade a gás em lugares que não têm gás nem consumo. Tudo para favorecer os fabricantes de dutos. Além disso, o Congresso Brasileiro aprova pacotes de maldade que assustam os investidores internacionais. Aquela velha questão de um discurso edificante e de uma prática miserável.

Como ser levado a sério o país que maltrata seus biomas, que permite que o crime substitua o Estado na Amazônia e no Rio de Janeiro, com perspectivas de que esse tumor se alastre por outros Estados?

Ainda existe lobby em favor do carvão e da exploração do petróleo dentro do Governo. Enquanto isso, o Brasil poderia capturar carbono com o reflorestamento da Amazônia. Seria a mágica de se tornar líder em termos de boa pegada e de receber transferências equivalentes às do Brasil para se autofinanciar.

Os governantes deveriam se servir da tragédia gaúcha para verificar que prevenção, investimento em infraestrutura sanitária, estabelecer projetos e executá-los, para reduzir os impactos dos eventos climáticos, constituem uma necessidade que não pode ser procrastinada. Já não se pode argumentar com o “inesperado”, porque os alertas foram muitos e claros. O próximo evento será maior, mais grave e é preciso estar preparado para contínuos recordes, como os de temperatura elevada e de simultânea falta de chuva num lugar e borrasca em outro.

E o que nos compete fazer? Além de uma atitude pessoal de cautela, prudência e de respeito à natureza, cobrar dos governantes postura compatível com a gravidade da situação. Agir concretamente. Sem demagogia ou negacionismo. Começando pelas pequenas coisas. Não é preciso reinventar a roda. Mas ficar parado não dá.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão
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