Durante muito tempo, as empresas questionaram diversos dispositivos legais e posicionamentos da Receita Federal do Brasil - RFB com relação à incidência de contribuições previdenciárias sobre os valores concedidos aos trabalhadores a título de alimentação.
Seja pela facilidade ou avanço da tecnologia, diversas empresas concedem alimentação a seus empregados por meio de documentos de legitimação (tíquetes/vales), que podem ser utilizados somente para a compra de refeições em estabelecimentos comerciais, não sendo possível sua utilização para outros fins, tais como para compra de produtos domésticos, cigarros, medicamentos etc, por haver vedação expressa na Portaria Secretaria de Inspeção do Trabalho/Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho nº 3 de 01.03.2002.
No entanto, com o passar do tempo, a fiscalização da RFB estabeleceu o entendimento de que os valores concedidos aos empregados por meio de tíquetes ou vales deveriam ser incluídos na base de cálculo das contribuições previdenciárias por se tratar de verba de natureza remuneratória.
Após a Reforma Trabalhista, a RFB alterou o seu entendimento anterior (por meio da Solução de Consulta - SC COSIT nº 35 de 2019), para afirmar que, a partir de 11 de novembro de 2017, somente haveria incidência de contribuição previdenciária sobre o auxílio-alimentação pago em dinheiro. O referido entendimento, ainda, demonstra que, para a fiscalização, haveria a incidência de contribuições previdenciárias sobre os valores de alimentação concedidos por meio de vales ou tíquetes no período anterior à edição da Lei 13.467/2017.
Recentemente, ao analisar autuação lavrada sobre tema, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF proferiu o Acórdão 2202-007.936, afastando a exigência de contribuições previdenciárias e de terceiros sobre os valores concedidos a título de alimentação por meio vales/tíquetes mesmo em se tratando de fatos geradores ocorridos em período anterior à Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017):
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS Período de apuração: 01/02/2014 a 31/12/2015 CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ALIMENTAÇÃO. VALE ALIMENTAÇÃO. VALE REFEIÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA. Não incide contribuições previdenciárias (parte patronal, inclusive GILRAT), bem como a contribuições devidas à seguridade social e destinadas a terceiros, sobre os pagamentos realizados pela contribuinte, a título de alimentação, a seus empregados e diretores (contribuintes individuais), sob a forma de vale refeição e de vale alimentação, por meio de ticket ou cartão, por tais valores não integrarem o salário-de-contribuição, diante da ausência de natureza salarial destes pagamentos
No julgamento mencionado, a Segunda Turma Ordinária, da Segunda Câmara, da Segunda Seção do CARF, afastou a natureza remuneratória da concessão do auxílio-alimentação, quando o fornecimento ocorrer por meio de vales refeição e alimentação, por entender que essa concessão seria semelhante à fornecida in natura.
Em outras palavras, o fundamento utilizado pelo Voto Vencedor consistiu na necessidade de categorizar a concessão da alimentação por meio de vales em (i) espécie (dinheiro) ou (ii) in natura. Esse fundamento pode ser analisado com base, inclusive, no princípio do terceiro excluído da lógica de argumentação, eis que, como a legislação contempla apenas essas duas formas de concessão, para a análise de incidência, cabe ao intérprete categorizar a concessão da alimentação em vale em uma delas (espécie ou in natura), não sendo possível a utilização de terceira hipótese.
Apesar de se tratar de um posicionamento novo, pois existem poucas decisões no CARF nesse sentido, essa mudança de entendimento é benéfica para os contribuintes e apenas reforça a tese defendida, no sentido de que a concessão de alimentação por meio de vales e tíquetes não fere a legislação vigente, tendo em vista que os valores concedidos somente podem ser utilizados para a compra de alimentos e refeições, não sendo possível sustentar sua natureza salarial, como defende a RFB, pois não há disponibilidade ampla do empregado para sua utilização, como ocorre com o dinheiro.
*Chede Domingos Suaiden, sócio conselheiro da área previdenciária do Bichara Advogados
*Luiz Felipe de Alencar Melo Miradouro, sócio da área previdenciária do Bichara Advogados
*Guillermo de Toledo Piza Kam-Chings, sócio da área previdenciária do Bichara Advogados