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Opinião|Não olhem para cima

A nossa “cegueira” não se limita às emendas PIX. A ferrenha resistência à aplicação da Lei das Estatais; as nomeações nada republicanas dos conselheiros de muitos dos Tribunais de Contas Estaduais; e a falta de transparência na utilização dos bilhões do questionado Fundo Eleitoral são alguns exemplos do modus operandi do sistema político brasileiro

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convidado
Por Fernando Goldsztein

Nestes dias assisti, novamente, ao filme “Não Olhem para Cima” (2021), estrelado por Meryl Streep, Leonardo DiCaprio e Cate Blanchett. Trata-se de uma sátira que aborda temas contemporâneos como a ciência, a mídia e a política. Dois astrônomos descobrem um cometa de proporções catastróficas que está em rota de colisão com a Terra. Ao tentarem alertar a humanidade sobre o iminente apocalipse, eles se deparam com a indiferença da mídia e do governo e com a manipulação dos fatos para servir a interesses econômicos e políticos.

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O filme é uma reflexão provocativa sobre a falta de ação diante de problemas urgentes e o impacto das fake news e da superficialidade nas decisões de grande importância. Não obstante eu ter assistido pela segunda vez, passei o filme todo angustiado e perplexo ao ver a sociedade anestesiada e inerte diante do perigo iminente. A sociedade não quis aceitar a realidade do choque com o cometa, não quis olhar para cima.

Respeitadas as proporções, sinto o mesmo quando leio sobre as notícias vindas de Brasília. De todas as bizarrices que ocorrem por lá, destaca-se o caso das emendas PIX. Através delas, deputados e senadores direcionam recursos públicos para suas bases eleitorais sem critérios de transparência ou prestação de contas. O descontrole da execução dessas emendas tem levantado preocupações sobre corrupção, favorecimento político e falta de fiscalização. As verbas públicas são distribuídas atendendo, na maioria das vezes, interesses paroquiais e eleitoreiros dos parlamentares. Somente as emendas PIX (sem considerar os outros tipos de emendas) somam quase 10 bilhões de reais em 2024.

Recentemente, o STF resolveu dar um freio nessa algazarra. Exigiu que, a partir de agora, as emendas tem que respeitar os preceitos constitucionais do gasto do dinheiro público, que são: eficiência, transparência e rastreabilidade.

Tal qual o roteiro do filme citado acima, pergunto: para onde estamos olhando? Como podemos não enxergar — ou sermos tão lenientes? Como podemos permitir que o Congresso destine quase 10 bilhões de reais em emendas PIX, sem cumprir nenhum dos requisitos básicos de manejo do dinheiro público?

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A nossa “cegueira” não se limita as emendas PIX. A ferrenha resistência à aplicação da Lei das Estatais, que tenta, com muito custo, limitar o loteamento de cargos nas empresas públicas; as nomeações nada republicanas dos conselheiros de muitos dos Tribunais de Contas Estaduais; e a falta de transparência na utilização dos bilhões do questionado Fundo Eleitoral são alguns exemplos do modus operandi do sistema político brasileiro, independente de partido ou ideologia.

Assim como no filme, só não enxerga quem não quer ver. E, infelizmente, nada vai mudar sem que haja uma conscientização, mobilização e participação da sociedade. Sem que haja reformas estruturantes, como a administrativa e, em especial, a política. Como diz o ditado, para comer omelete é necessário quebrar os ovos.

Felizmente, não estamos na iminência de sermos atingidos por um meteoro que acabará com a vida no planeta. Mas, se continuarmos passivamente sem olhar para cima, nunca vamos tornar o Brasil um país próspero, competitivo e, principalmente, com a tão necessária redução da sua enorme desigualdade social.

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Fernando Goldsztein
Fundador do The Medulloblastoma Initiative Conselheiro do Children’s National Hospital. Foto: Marcos Nagelstein/Estadão
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