Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | Negócio desfeito, dinheiro perdido? O que acontece com o sinal em contratos

Problema é que, no momento da negociação, muitos contratos não especificam como o sinal será tratado em caso de rompimento. É aí que mora o risco jurídico — e financeiro

convidado
Por Samira de Mendonça Tanus Madeira

Em tempos de negociações cada vez mais rápidas — e muitas vezes firmadas pelo celular — uma prática antiga continua presente e cercada de dúvidas: o pagamento de sinal em contratos de compra e venda. O imóvel, o carro, o negócio promissor: tudo parece certo, até que o acordo desanda. E então vem a pergunta que ninguém quer fazer depois de transferir uma quantia relevante: “perdi meu dinheiro?”.

PUBLICIDADE

A resposta depende de um detalhe que costuma passar despercebido: o tipo de arras pactuado entre as partes.

Conhecido tecnicamente como arras, o sinal é um valor pago no início da negociação para demonstrar firmeza e boa-fé no compromisso. Muito comum em transações imobiliárias, ele também aparece em acordos de compra e venda de veículos, obras, empresas e outros bens de valor mais elevado.

A função do sinal é dupla: confirmar o acordo e garantir indenização em caso de descumprimento. O problema é que, no momento da negociação, muitos contratos não especificam como o sinal será tratado em caso de rompimento. É aí que mora o risco jurídico — e financeiro.

Importante dizer que o Código Civil prevê dois tipos distintos de arras:

Publicidade

  • Arras confirmatórias: servem como reforço do vínculo contratual. Se uma das partes desistir sem justa causa, a outra pode:
  • Exigir o cumprimento do contrato;
  • Ou romper o acordo, retendo o sinal pago ou exigindo o dobro, conforme quem deu causa à quebra.
  • Arras penitenciais: permitem a desistência, mediante pagamento de uma penalidade. Se houver cláusula expressa autorizando a rescisão, quem desiste perde o sinal, e quem recebeu deve devolvê-lo em dobro, se for o responsável pela ruptura.

Sem essa definição no contrato, a Justiça tende a considerar que o sinal é confirmatório.

A jurisprudência dos tribunais brasileiros tem sido sensível às situações em que a desistência é motivada por fatores externos ou imprevisíveis — como problemas na documentação do imóvel, negativa de financiamento por culpa da instituição bancária, ou vícios ocultos no bem negociado. Nesses casos, há precedentes que determinam a devolução integral do sinal, com base na boa-fé objetiva e na equidade contratual.

Certo é que em qualquer negociação que envolva valores relevantes, a recomendação é clara: formalize o contrato por escrito e defina, com todas as letras, qual será o tratamento jurídico do sinal. Incluir uma cláusula específica sobre o tipo de arras, as hipóteses de desistência e as consequências financeiras é uma forma simples e eficaz de evitar litígios futuros.

A assessoria jurídica especializada também se revela essencial em contratos empresariais, societários ou envolvendo bens de alto valor, onde a margem de erro é mínima e os prejuízos, potencialmente grandes.

Publicidade

Conclui-se que o sinal — tão presente no dia a dia das negociações — ainda é mal compreendido por muitos contratantes. Embora represente apenas uma parte do valor total, ele pode se tornar o centro de uma disputa judicial quando o negócio não se concretiza.

Entender o que a lei diz, e principalmente especificar o combinado por escrito, é a melhor forma de garantir que, caso o negócio seja desfeito, o dinheiro não seja também.

Convidado deste artigo

Foto do autor Samira de Mendonça Tanus Madeira
Samira de Mendonça Tanus Madeirasaiba mais

Samira de Mendonça Tanus Madeira
Advogada, com especialização em Direito Imobiliário e do Consumidor. Pós-graduada em Direito Processual Civil. Sócia do escritório Tanus Madeira Advogados Associados. Foto: Daniel Teixeira/Estadao
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.