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Opinião | Nem um, nem outro: por que o imbróglio da Starlink vai muito além de uma simples disputa judicial

O verdadeiro desafio é fomentar o desenvolvimento de um ecossistema nacional robusto. O Brasil já conta com casos de sucesso que demonstram ser possível conectar regiões remotas sem depender exclusivamente de satélites de órbita baixa (LEOs)

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Por Nathalia Foditsch e Luã Cruz
Atualização:

Nos últimos dias, as disputas envolvendo a Starlink no Brasil têm ganhado destaque, provocando debates acalorados sobre o papel da empresa no cenário nacional de conectividade. Isso porque o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que as contas bancárias da Starlink, empresa de satélites LEO de Elon Musk, sejam bloqueadas em função de uma disputa judicial envolvendo o X (ex-Twitter). Não é necessário tomar partido para reconhecer que essas disputas levantam preocupações legítimas. Seja você a favor do Ministro Alexandre de Moraes ou de Elon Musk, o foco deve estar em questões mais amplas que afetam o futuro da conectividade no Brasil. E este artigo não é sobre quem está certo ou errado, mas, sim, sobre qual a relação entre este imbróglio e a soberania tecnológica do Brasil.

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Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que o objetivo da equidade digital está longe de ser alcançado no país. De acordo com o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), cidadãos de baixa renda são reféns de um modelo de internet móvel limitada, onde 33% dos usuários das classes C, D e E já deixaram de acessar serviços públicos, enquanto 28% enfrentam dificuldades para acessar benefícios sociais, como o Auxílio Emergencial. No mesmo sentido, estudo do Cetic.br (vinculado ao CGI.br) revela que, embora o uso de internet seja elevado no Brasil, apenas 22% dos brasileiros têm boas condições de conectividade significativa, ou seja, condições consideradas mínimas para que se possa aproveitar as oportunidades do ambiente online, com as regiões Norte e Nordeste apresentando as piores condições.

Na Amazônia, uma das regiões mais difíceis de prover conectividade, a Starlink tem ampliado sua oferta rapidamente. Vimos isso de perto em Rondônia e no Pará, e colegas que trabalham nessas áreas confirmam essa tendência. Os números também são bem claros: atualmente, há mais de 215 mil clientes da Starlink no Brasil, principalmente em áreas rurais e remotas, onde outras soluções de conectividade são limitadas. Além disso, diversos órgãos públicos e até mesmo a própria Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), instituição que, em 1992, ajudou a trazer a Internet pro Brasil, já contratou a Starlink em uma ocasião de urgência. Todos esses dados evidenciam uma crescente base de usuários da empresa.

O verdadeiro desafio é fomentar o desenvolvimento de um ecossistema nacional robusto, capaz de oferecer alternativas viáveis à Starlink. O Brasil já conta com casos de sucesso que demonstram ser possível conectar regiões remotas sem depender exclusivamente de satélites de órbita baixa (LEOs). Provedores de internet com foco em suas comunidades têm desempenhado um papel crucial na expansão da conectividade em áreas rurais e urbanas. Há mais de 11 mil pequenos provedores, e mais de 60 redes comunitárias no Brasil, um trabalho de capilarização da Internet que é desconhecido pela maioria das pessoas.

Pequenos provedores e redes comunitárias têm a capacidade de oferecer serviços personalizados e adaptados às necessidades locais, promovendo a inclusão digital de maneira mais sustentável e menos vulnerável a intervenções externas. O investimento em infraestruturas locais como redes de fibra ótica, também é fundamental para garantir que o Brasil continue avançando em sua jornada rumo à universalização da conectividade. Além disso, há, por vezes, um esforço por parte destes atores de investir em habilidades digitais. Isso se torna ainda mais urgente considerando os recentes números relacionados ao vício em jogos de azar e apostas, que indicam que brasileiros já perderam R$ 23,9 bilhões com apostas online e sofrem com a manipulação algorítmica de plataformas como o Jogo do Tigrinho.

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O Brasil precisa seguir incentivando políticas que fortaleçam essas soluções nacionais. Isso envolve promover a competitividade, assegurar que pequenos provedores e redes comunitárias tenham acesso a financiamento, capacitação técnica e gerencial, além de aprimorar o ambiente regulatório para favorecer uma maior soberania tecnológica no país. Confiar apenas na Starlink para garantir a conectividade nessas áreas tem criado vulnerabilidades relevantes para as pessoas que vivem em regiões remotas do país. Tal cenário não apenas ameaça o interesse público, mas também evidencia os riscos de concentrar o controle de uma infraestrutura essencial nas mãos de uma única entidade privada.

Não se trata, portanto, de apoiar ou rejeitar a Starlink, nem de tomar partido entre o juiz ou o magnata, mas sim de como podemos construir um ecossistema de conectividade que atenda às necessidades do Brasil de maneira soberana e sustentável. Precisamos de um modelo de desenvolvimento que valorize e expanda as iniciativas locais, garantindo que todos os brasileiros, independentemente de onde estejam, tenham acesso a uma internet de qualidade, que não esteja vulnerável a decisões unilaterais de seus proprietários.

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Nathalia Foditsch
Mestre em Políticas Públicas, mestre em Direito e Governo e especialista em políticas de conectividade, e trabalhou no tema em vários países da África, Ásia e América Latina e nos Estados Unidos. Foi co-organizadora e coescritora do Livro Banda Larga no Brasil: Passado, Presente e Futuro, finalista do Prêmio Jabuti em 2017. Foto: Arquivo pessoal
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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