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Opinião|No rastro da judicialização predatória

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convidado
Por Viviane Ferreira*

O debate em torno da judicialização predatória se coloca como uma pauta essencial para o exercício ético da advocacia no Brasil diante da busca por mais eficiência e pelo enfrentamento de um contencioso processual que sobrecarrega tribunais em todo o território nacional. Nesse contexto, é positivo observar, antes de tudo, um avanço recente acerca da implementação de mecanismos para a contenção de uma prática que é não só ilegal, mas que gera impactos diretos para o Estado Brasileiro.

Viviane Ferreira Foto: Arquivo pessoal

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Um passo importante nesse sentido foi dado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, por meio da Recomendação 127, de fevereiro de 2022, instou os tribunais do País a adotar medidas “visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento de defesa”. Em última instância, a litigância predatória atrasa o próprio acesso à justiça, haja vista que, ao escalonar as demandas judiciais de modo indevido e excessivo, a prática compromete a agilidade nas baixas processuais.

E aqui é importante definirmos, objetivamente, o conceito de judicialização predatória. Ainda de acordo com o CNJ, entende-se por judicialização predatória “o ajuizamento em massa em território nacional de ações com pedido e causa de pedir semelhantes em face de uma pessoa ou de um grupo específico de pessoas”, geralmente, por meio de expedientes irregulares e que ferem o Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

E, para além da questão ética, o custo da litigância predatória já vem sendo quantificado pelos tribunais. Como efeito de elucidação, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo calcula um prejuízo anual de R$ 2,7 bilhões para o estado paulista em virtude do excesso de judicialização.

Outro ponto importante diz respeito ao fato de que a demanda predatória não se relaciona necessariamente com o volume dessa prática no Brasil. Na verdade, o que temos é um contexto em que poucos advogados, atuando em escala nacional, ajuízam processos com fortes indícios de fraude: ações sem o conhecimento do proponente, com adulteração de comprovantes de residência, em nome de autor falecido ou com falsificação de documentos.

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Assim, criam-se demandas que não são reais e que comprometem a evolução dos serviços prestados no sistema jurídico brasileiro.

Combate à litigância predatória se fortalece, mas ainda precisa avançar

Um dos efeitos positivos que já podem ser observados a partir da Recomendação 127 do CNJ diz respeito ao desenvolvimento de mecanismos que não só tendem a coibir com mais ênfase a judicialização predatória, mas trazer transparência acerca de grandes litigantes cujas práticas, eventualmente, possam comprometer a qualidade da Justiça Brasileira.

Esse efeito pode ser observado no aumento do número de fóruns especializados nos quais se debatem experiências e possibilidades de controle ao excesso de judicialização. Ato contínuo, diferentes tribunais vêm publicando notas técnicas com orientações para que as demandas predatórias sejam identificadas.

Um exemplo nesse sentido é o julgamento do Tema Repetitivo 1198 – ainda sem data prevista – que irá discutir a possibilidade de juízes atuarem de modo mais ativo quando se vislumbra a ocorrência de litigância predatória. Dentre as ações a serem tomadas, abre-se a possibilidade da exigência de “que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo”.

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É importante deixar claro que, embora as discussões sobre a litigância predatória tenham avançado de modo significativo nos últimos dois anos, a preocupação não é exatamente nova.

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Já em 2016, um estudo do Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) identificou 120 mil ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto – a condenação do grupo por práticas irregulares, por sua vez, justifica a efetividade do uso estatístico em prol do combate a sobrecarga dos tribunais.

O caso de São Paulo não é isolado: no primeiro semestre de 2023, mais de 1,4 mil processos com indícios de litigância predatória foram extintos na comarca de Saloá, Pernambuco; na Bahia, um único advogado que falsificou documentos em mais de 200 processos vem sendo investigado pelo Ministério Público Baiano; e, em escala ainda maior, outro advogado do Mato Grosso do Sul ficou conhecido por mover mais de 70 mil processos contra bancos, muitas deles iguais e sem o devido conhecimento dos autores – o profissional foi suspenso da OAB e enfrenta investigações de falsidade ideológica.

Acesso à justiça X Judicialização indevida

Conforme frisado anteriormente, não se trata apenas de discutir o volume de processos, mas sobretudo, que a atuação de um pequeno número de advogados, ao praticarem a judicialização predatória, criam demandas irreais que comprometem o avanço do Judiciário Brasileiro e a respectiva criação de produtos e serviços em linha com as reais necessidades de nosso sistema.

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Para combater esse cenário, além do uso mais intensivo de novas tecnologias voltada à análise de dados e automação de rotinas processuais, os tribunais podem acolher caminhos técnicos como a inversão do ônus de prova – quando há indícios claros de litigância predatória.

Em complemento, é fundamental que se amplie o debate público visando a conscientização de profissionais para uma atuação mais ética e da própria sociedade sobre o excesso de judicialização no Brasil; sempre que possível, estimulando possibilidades conciliatórias e resolutivas em esferas que, não necessariamente, dependem da estrutura judicial do país.

Todos esses pontos não podem ser confundidos com a negação da garantia constitucional de acesso à Justiça; mas sim, enquanto caminhos para que esse mesmo acesso ganhe em qualidade, celeridade e de modo que os impactos da litigância predatória não sigam se transformando em custos para os cidadãos brasileiros.

*Viviane Ferreira é sócia do escritório Parada Advogados

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