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Opinião | Noel Rosa: retratista do Brasil

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convidado
Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira

O seu curto tempo de vida possivelmente não possibilitaria para qualquer outro compositor legar mais de duzentas e cinquenta músicas tal como Noel Rosa nos legou. Viveu 26 anos, de 1910 a 1936, tempo suficiente para, com a sua genialidade, criar um acervo musical que se transformou em um fiel painel da realidade social dos anos trinta.

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Sua vida desprovida de regras e de limites, desfrutada com extraordinária intensidade, possibilitou a Noel adquirir uma experiência multifacetada sob o aspecto humano e social.

Conheceu o homem, as suas misérias e grandezas, e espelhou em suas composições os vários segmentos sociais, do morro e do asfalto, das classes menos privilegias à alta sociedade, abrangendo todas as raças e todos os credos.

Colocou a nu as mazelas e as fraquezas de uma sociedade em plena mudança de valores e de costumes, que já apresentava os claros sinais de empobrecimento acelerado de uma parcela inculta e carente ao lado do enriquecimento de outra, esnobe e pseudoaristocrática. Esse segmento, sem apreço pela nossa cultura, adquiria hábitos importados da França e logo após dos Estados Unidos.

Noel verberou com uma hilária composição o mau costume, até hoje imperante, da utilização de palavras estrangeiras em substituição aos nossos vocábulos. Em “Não Tem Tradução” declara que “tudo aquilo que o malandro pronuncia com voz macia, “é brasileiro já passou do português”.

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No excepcional samba “Filosofia” retratou de um lado o seu sentimento em face às dificuldades e penúrias do homem comum, desprezado por sociedade que dita as regras. Nessa mesma música louvou a liberdade de poder cantar o seu samba, embora “nessa prontidão sem fim”. As últimas estrofes trazem uma crítica às consideradas elites, que, apesar de endinheiradas, não podem comprar alegria e viverão escravos “dessa gente que cultiva a hipocrisia.”

As suas dificuldades financeiras foram cantadas em magníficos sambas que são divulgados até hoje, passados noventas anos. “O Orvalho Vem Caindo” e “Com que Roupa” com fino humor mostram o drama de quem não possui um teto e nem sequer tem um terno para ir a um samba. O boêmio na primeira canção tem como cortinado “o vasto céu azul” e como cama “uma folha de jornal”. Já na segunda, o sambista não pode ir ao samba para o qual foi convidado, pois não possui uma roupa decente.

Em “João Ninguém” faz uma apologia da felicidade que independe da fortuna, tal como já fizera em “Filosofia”. Ele declara no final da composição que muita gente que ostenta luxo e vaidade “não goza a felicidade que goza João Ninguém”.

O “Conversa de Botequim”, por sua vez, retrata um homem de bom gosto, que exige em um bar uma média com pão e bastante manteiga, água gelada, mas impede que o garçom fique limpando a mesa, pede palito, caneta e cartão e termina querendo “uma revista, um tinteiro e um isqueiro”, não sem antes mostrar que é um pobretão, pois pede dinheiro emprestado ao garçom e ao gerente que “pendure essa despesa no cabide ali em frente.”

Ele retratou o malandro inteligente, que com picardia, sagacidade e esperteza conduz a sua vida vencendo obstáculos e percalços.

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A versatilidade de Noel Rosa nos deixou músicas ligadas a áreas do conhecimento às quais não esteve ligado. Ingressou no campo do direito compondo “Habeas, Corpus” onde utiliza com correção termos jurídicos e adequa com perfeição o instituto ao enredo da letra.

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Também invadiu o setor da medicina ao criar “Coração”, deliciosa música que exalta o nobre órgão como propulsor e transformador do “sangue venoso em arterial” e, também, como o “cofre da paixão”. Segundo Noel, coração de sambista brasileiro “faz a batida do pandeiro”. O samba termina satirizando quem tem “mania de grandeza” e que vive procurando alguém que “conseguisse encher-lhe as veias com azul de metileno” para ficar com “sangue azul”.

Em “Seja Breve”, “Prazer em conhecê-lo” e “Rapaz Folgado” expressa quanto é desagradável conviver com pessoas inconvenientes, que criam situações constrangedoras. Na primeira composição narra uma “conversa fiada”, interminável. Na segunda, cumprimenta à força quem não gosta. E, na última, o personagem é um aproveitador sempre em busca de vantagens.

Antes de terminar esse singelo escrito cumpre realçar a capacidade de Noel Rosa de rir de si mesmo. Em “Gago Apaixonado”, “Filho do Tarzan ou Filho do Alfaiate” com saborosa ironia, fineza de espírito e fulgurante inteligência mostra não ter nenhum sentimento de inferioridade com suas características físicas que não seguiam os padrões estéticos comuns.

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Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
Advogado
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