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Opinião | Nossos passos vêm de longe!

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convidado
Por Ricardo Oriá

Neste ano, pela primeira vez na História, temos na data de 20 de novembro um feriado nacional em homenagem a um personagem ligado ao segmento afro-brasileiro. Estamos nos referindo ao Dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra.

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As datas e feriados são construções históricas e, durante muito tempo, estiveram ligados a fatos, personagens e efemérides dos setores dominantes da sociedade e com a clara intenção de promover a identidade do Estado-nação.

No caso específico do dia 20 de novembro, vale a pena registrar a longa trajetória de construção dessa data, que emerge na década de 1970 e se consolida apenas nos primeiros decênios do século XXI. A frase da ativista negra Jurema Werneck, “nossos passos vêm de longe”, serve para demonstrar que, mesmo que a historiografia oficial não tenha registrado, a luta pela cidadania e o seu direito à memória foi uma constante na história do segmento afro-brasileiro.

Em que momento de nossa história surge a reivindicação em torno da memória de Zumbi e sua identificação com o movimento negro? Quando o 20 de novembro, considerada a data oficial da morte de Zumbi, passa a ser comemorado? Por que o 13 de maio é tão questionado pelo movimento negro organizado em nosso país?

A ideia de Consciência Negra emergiu em nosso país por meio da figura de Zumbi dos Palmares (circa 1655-1695), a partir da década de 1970, com os grupos negros organizados contra a ditadura civil-militar. A ideia inicial partiu de um grupo de intelectuais negros reunidos no Grupo Palmares, coordenado pelo escritor Oliveira Silveira, no Rio Grande do Sul. Elegeram o dia da morte de Zumbi como a data comemorativa de luta e resistência do negro em prol de sua liberdade, em vez de 13 de maio, quando se deu a abolição da escravatura.

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O movimento negro questionava a falta de representatividade nas comemorações do dia 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea. Ao comemorar essa data, exaltando a figura da princesa Isabel, omitia-se o protagonismo de luta e resistência dos negros ao longo dos três séculos de escravidão no Brasil. A partir disso, esses estudiosos debateram a favor da exaltação de Zumbi dos Palmares, reconhecido como herói da resistência negra. Para o movimento negro organizado, a escolha do dia 20 de novembro torna-se mais significativa para os afro-brasileiros. A data de 13 de maio deveria ser o dia nacional de denúncia contra o racismo no país.

Vale registrar que o 13 de maio já foi feriado nacional desde 1890, estabelecido pelo governo provisório da República (Decreto 150-B, de 1890) e permaneceu até a década de 1930, quando foi revogado pelo governo de Getúlio Vargas.

Por que a escolha dessa data recaiu na figura de Zumbi e não em outro representante da história afro-brasileira, a exemplo de Luiz Gama, André Rebouças, Luiza Mahin e outros? Uma explicação plausível seria o fato da permanência de Zumbi no imaginário das populações afrodescendentes.

Em uma emboscada da equipe do bandeirante Domingos Jorge Velho, responsável pela destruição do quilombo de Palmares, Zumbi foi morto no dia 20 de novembro de 1695. Para desfazer essa mística em torno da liderança de Zumbi e sua força no imaginário da população negra escravizada, o então governador de Pernambuco autorizou que sua cabeça decapitada fosse exposta numa praça central de Recife. Mesmo assim, muitos negros continuavam acreditando que Zumbi era imortal. Ainda hoje, a memória de Zumbi faz parte do imaginário das populações afrodescendentes localizadas nos morros, nas favelas e nas periferias dos centros urbanos do país.

Na década de 1980 e como parte das comemorações alusivas ao Centenário da Abolição da Escravatura (1988), o governo federal promulgou a Lei nº 7.658/1988 que tornava o 13 de maio, daquele ano, feriado em todo o território nacional. Não tardou para que o movimento negro contestasse tal efeméride, expresso no epíteto “A farsa da Abolição”, cujo principal ato foi a realização de uma grande passeata pelas ruas do Rio de Janeiro. Vale registrar que, mesmo não estando mais na vigência do regime militar, a manifestação pacífica sofreu repressão por parte das forças policiais, não conseguindo chegar até o seu destino final, que seria o Monumento a Zumbi, primeira estátua alusiva a esse personagem afro-brasileiro, edificada em via pública (Avenida Presidente Vargas), em 1986.

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Em 1995, por ocasião do tricentenário da morte de Zumbi, surgem as primeiras iniciativas de propostas legislativas para tornar o 20 de novembro feriado nacional. Essas proposições não lograram êxito, mas, nesse contexto comemorativo, por iniciativa da Deputada Benedita da Silva (PT-RJ), Zumbi teve seu nome inscrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia Tancredo Neves, em Brasília (Lei nº 9.315/1996).

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O Dia da Consciência Negra, em âmbito nacional, foi incluído como data comemorativa no calendário escolar com a Lei nº 10.639, de 2003, que tornou obrigatório o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira no currículo da educação básica. Posteriormente, já no governo da Presidente Dilma Rousseff, finalmente, a data foi incluída no calendário oficial como “Dia Nacional de Zumbi” (Lei nº 12.519/ 2011).

Paralelo a isso e por encontrarem respaldo legal, muitos municípios e estados brasileiros começaram a inserir a data como feriado local. Até o ano passado e de acordo com dados da Fundação Cultural Palmares, em cerca de 1.260 municípios brasileiros e em seis estados da federação (Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo) essa data de 20 de novembro já era feriado local.

No Congresso Nacional tramitava desde 2021, o projeto de lei do Senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pela instituição de feriado em todo o território nacional. Eis que, em dezembro de 2023, finalmente, foi promulgada a Lei nº 14.759/2023, que “declara feriado nacional o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra”.

Se considerarmos, a exemplo do jurista alemão Peter Häberle, que as datas comemorativas e feriados nacionais são importantes instrumentos para o fortalecimento da identidade cultural de uma nação, o feriado de 20 de novembro vem, também, reforçar a Carta de 1988. O art. 215, § 2º de nossa Constituição determina que a instituição de datas comemorativas e homenagens cívicas devem contemplar os diferentes segmentos étnicos com vistas à construção de uma memória plural, inclusiva e democrática.

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Ricardo Oriá
Mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Doutor em História da Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Consultor legislativo da área de educação, cultura e desporto da Câmara dos Deputados (1994-2022). É autor de diversos artigos sobre patrimônio cultural e museus e membro titular do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural/IPHAN. Foto: Arquivo pessoal
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