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Nova Lei de Improbidade: STF veta anistia de condenações definitivas, mas poupa políticos investigados ou com processos pendentes

Reforma na legislação acabou com modalidade culposa dos atos de improbidade

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Por Rayssa Motta/São Paulo e Weslley Galzo/Brasília

Supremo Tribunal Federal determinou que Conama edite nove resolução sobre padrões de qualidade do ar. Foto: Felipe Sampaio/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) barrou nesta quinta-feira, 18, a anistia de políticos condenados em última instância por improbidade administrativa "culposa". A Corte reconheceu, no entanto, que aqueles com processos sem sentença definitiva ou em fase de investigação podem ser beneficiados pelas regras menos rígidas aprovadas pelo Congresso em outubro do ano passado.

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Os ministros entenderam que a mudança na tipificação da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) não pode beneficiar quem já foi condenado sem direito a recurso. Para esses, a condenação está mantida. Já para quem ainda tem direito a apelação, a Justiça deve aplicar as regras mais brandas da nova versão da lei. Apenas os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia foram contra a revisão das ações e investigações em andamento.

A reforma legislativa é considerada mais benéfica aos políticos porque deixou de prever punição para os atos de improbidade "culposos" - cometidos por negligência, imprudência ou imperícia. Apenas atos deliberados de corrupção foram mantidos na nova lei. Essa era uma bandeira da classe política, que reclamava de condenações consideradas injustas e da falta de segurança para os gestores públicos. Para promotores e procuradores, a extinção da forma culposa favorece a impunidade e enfraquece o combate à corrupção.

O resultado do julgamento, no entanto, não tem efeito automático sobre inquéritos e processos em andamento. Caberá aos investigadores e juízes responsáveis analisar cada caso para verificar se houve intenção do político em transgredir as regras da boa administração pública. Antes da reforma legislativa, a distinção entre atos culposos e dolosos não era obrigatória.

"Isso vai obrigar cada tribunal e cada juiz que está avaliando algum processo, mesmo que ajuizado antes do início da vigência da nova lei, analisar se aquelas condutas descritas pelo Ministério Público seguem sendo improbidade administrativa ou não", explica o advogado Fernando Neisser, que é presidente da Comissão de Estudos em Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

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Prescrição

Outro ponto em discussão no julgamento era o efeito das alterações nos prazos prescricionais previstos na Lei de Improbidade - ou seja, o tempo máximo que o Estado tem para processar o agente público por improbidade administrativa.

Com a reforma legislativa, o Congresso adotou um modelo híbrido que combina balizas do Direito Penal e do Direito Processual. De um lado, a prescrição principal, contada a partir da data em que foi cometido o ato de improbidade, passou de cinco para oito anos. De outro, foi instituída a chamada "prescrição intercorrente", que leva em consideração a duração do processo, e tem prazo máximo de quatro anos. A ideia foi evitar o prolongamento das ações de improbidade e o desgaste à imagem dos políticos processados enquanto aguardam o fim do processo.

A maioria dos ministros decidiu que os novos prazos só valem para processos iniciados depois que a nova lei entrou em vigor. O ponto é considerado por uma vitória por membros do Ministério Público. Promotores e procuradores temiam que prazos menores afetassem ações que seguiram a marcha processual antiga.

Para o advogado Guilherme Amorim Campos da Silva, Doutor em Direito do Estado pela PUC-SP, se o STF tivesse aprovado a retroatividade expressa da prescrição, políticos como ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (PL), e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), poderiam pedir o encerramento das ações de improbidade que enfrentam na Justiça.

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"Em casos como os dos políticos mencionados, poderia-se arguir a prescrição intercorrente. No entanto, as normas da nova lei não alcançam as situações em curso, porque o Supremo decidiu que suas hipóteses passam a incidir apenas a partir de 26 de outubro de 2021, não podendo ser aplicadas em datas anteriores, ou alcançar inércia processual anterior", explica.

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Eleição

Havia grande expectativa em torno do julgamento, justamente porque o resultado da votação poderia beneficiar milhares de políticos impedidos de disputar as eleições por causa de condenações por improbidade. Especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Estadão avaliam, no entanto, que a decisão do STF tem pouca incidência sobre as eleições deste ano. Isso porque a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considera inelegíveis apenas os candidatos com decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, exclusivamente por ato doloso de improbidade administrativa. O julgamento tratou apenas da modalidade culposa.

"Não tem nenhuma repercussão eleitoral nos casos em que se tem a improbidade dolosa, porque o objeto do julgamento (no Supremo) era a questão culposa, que não reflete na inelegibilidade dos candidatos", explica Bruno Félix, diretor de integridade e conformidade da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe).

Reação

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O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Luiz Sarrubbo, que participou ativamente dos debates sobre a reforma na Lei de Improbidade, projeta um enorme trabalho para revisitar as investigações e ações em andamento. Ao Estadão, ele avalia que será "difícil", por exemplo, provar dolo em processos abertos com base na antiga forma culposa. "São inúmeros casos em andamento, casos apurados, muitos casos graves, que serão extintos", avalia.

Sarrubbo entrou com uma representação na Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) para que a entidade formalize uma ação de inconstitucionalidade junto ao STF contra as mudanças da nova lei.

O procurador Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC), lembra que já existe uma ação no gabinete do ministro André Mendonça que contesta dez trechos da nova lei de improbidade administrativa sob o argumento de que os dispositivos ferem o princípio da boa administração "diante de um quadro de corrupção endêmica e de histórica má-gestão, a comprometer profundamente a eficácia dos direitos fundamentais".

"Havia dúvidas do que viria a partir dessa votação e a tônica geral foi pela irretroatividade da nova lei. Porém, é preciso enfatizar que existe uma pendência de análise da inconstitucionalidade da própria lei", lembra.

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Julgamento sobre retroatividade da Lei de Improbidade levou quatro sessões para ser concluído. Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Saiba como votou cada ministro

Alexandre de Moraes e Luiz Fux

Relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes apresentou um voto intermediário: defendeu a manutenção das condenações culposas transitadas em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso), mas poupou políticos investigados ou que brigam na Justiça para reverter sentenças desfavoráveis.

Moraes defendeu que a retroatividade é um princípio típico do Direito Penal, usado em benefício dos réus em ações criminais, e não pode ser aplicado ao Direito Civil. "Por mais grave que sejam as sanções, a ação de improbidade não é ação penal e não são sanções penais", disse. Ele foi acompanhado pelo presidente do STF Luiz Fux.

André Mendonça e Ricardo Lewandowski

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Os ministros André Mendonça e Ricardo Lewandowski defenderam que, mesmo nos processos já encerrados, fosse possível reverter condenações decretadas com base na extinta modalidade culposa. O caminho seria a chamada "ação rescisória", que em sua avaliação pode ser movida para desfazer as sentenças.

Ambos, contudo, acompanharam Moraes em relação aos políticos e agentes públicos que ainda respondem na Justiça. Segundo os magistrados, as alterações promovidas pela nova lei valem para os processos e investigações em curso.

"Não pode a lei de improbidade servir de desestímulo para bons gestores. Se não corrigimos no passado, temos que corrigir daqui pra frente", afirmou. "Eu não estou dizendo que nós julgamos inconstitucional a disposição antiga, mas também não posso deixar de reconhecer que a nova legislação traz uma alteração significativa na responsabilidade por improbidade", destacou Mendonça.

Kassio Nunes Marques

Para o ministro, a nova lei não deve retroagir para beneficiar quem já teve a condenação definitiva, mas deve ser aplicada aos casos pendentes. Ele também votou a favor da aplicação imediata dos novos prazos pressionais, por serem mais benéficos aos réus.

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"A lei editada pelo Congresso Nacional verbaliza a vontade do Estado. Não há fundamento para que o Ministério Público ou qualquer agente público venha a juízo invocar a irretroatividade da lei que o próprio Estado editou para a sua autocontenção", defendeu.

Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia

Os ministros votaram contra qualquer possibilidade de a lei retroagir. "Como as decisões anteriores muitas vezes não faziam essa distinção [entre atos culposos e dolosos], a gente cria uma situação em que se estaria cobrando das decisões ou das investigações que tivessem atuado no passado de acordo com uma lei futura", resumiu Barroso.

Dias Toffoli e Gilmar Mendes

Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes apresentaram os votos mais contundentes em defesa da aplicação das mudanças para casos passados. Toffoli votou pela retroatividade total - tanto da tipificação quanto da prescrição.

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Gilmar Mendes se manifestou no mesmo sentido, com a ressalva de que a prescrição intercorrente ficasse restritiva aos casos novos. "Do dissabor de uma ação de improbidade temerária não estiveram imunes, sublinho, políticos e gestores de todo e qualquer posicionamento político-partidário", defendeu o decano.

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