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Opinião | O advogado não pode firmar acordos de delação premiada para delatar fatos contra o cliente

Dir-se-á que são ilícitas as provas obtidas em acordo de delação premiada firmado com advogado que, sem justa causa, entrega às autoridades investigativas documentos e gravações obtidas em virtude de mandato que lhe fora outorgado, violando o dever de sigilo profissional

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convidado
Por Rogério Tadeu Romano

A colaboração premiada é meio de obtenção de prova sustentada na cooperação de pessoa suspeita de envolvimento nos fatos investigados, buscando levar ao conhecimento das autoridades responsáveis pela investigação informações sobre organização criminosa ou atividades delituosas, sendo que essa atitude visa à amenizar da punição, em vista da relevância e eficácia das informações voluntariamente prestadas.

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A Lei 14.365/22 adicionou o § 6º-I ao artigo 7º do Estatuto da Advocacia, que trata dos “direitos do advogado”. Com isso, é vedado a advogadas e advogados fechar acordos de colaboração premiada contra quem seja ou tenha sido seu cliente. O descumprimento dessa regra implicará em processo disciplinar previsto no artigo 35º do Estatuto da Advocacia e em pena prevista no Código Penal.

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou o entendimento de que o advogado não pode firmar colaboração premiada para delatar fatos contra o cliente, sob pena de comprometer o direito de defesa e o sigilo profissional. A exceção ocorre nos casos de simulação da relação advogado-cliente – situação que, segundo o colegiado, deve ser provada, não podendo ser presumida, como informou o portal de notícias do STJ, em 2.1.25.

“Não havendo provas de se tratar de mera relação simulada, prevalece a impossibilidade de o advogado delatar seu cliente, sob pena de se fragilizar o direito de defesa. Assim, deve ser considerada ilícita a colaboração premiada, na parte em que se refere ao paciente, bem como as provas dela derivadas”, concluiu Reynaldo Soares da Fonseca.

Trago, para tanto, à colação:

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“RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR HABEAS CORPUS. EXCEPCIONALIDADE. LEI N. 12.850/2013. COLABORAÇÃO PREMIADA FEITA POR ADVOGADO. NATUREZA JURÍDICA DE MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA. POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO. VIOLAÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL. ART. 34, VII, DA LEI N. 8.906/1994. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. MÁ-FÉ CARACTERIZADA. NULIDADE DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. PRECEDENTES DO STF. RECURSO PROVIDO.

1. O trancamento da ação penal por habeas corpus é medida excepcional, admissível quando comprovada a atipicidade da conduta, a incidência de causas de extinção da punibilidade ou a falta de provas de materialidade e indícios de autoria.

2. Nos termos da Lei n. 12.850/2013, o acordo de colaboração premiada é um meio de obtenção de provas, no qual o poder estatal compromete-se a conceder benefícios ao investigado/acusado sob condição de cooperar com a persecução penal, em especial, na colheita de provas contra os outros investigados/acusados.

3. É possível a anulação e a declaração de ineficácia probatória de acordos de colaboração premiada firmados em desrespeito às normas legais e constitucionais.

4. O dever de sigilo profissional imposto ao advogado e as prerrogativas profissionais a ele asseguradas não têm em vista assegurar privilégios pessoais, mas sim os direitos dos cidadãos e o sistema democrático.

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5. É ilícita a conduta do advogado que, sem justa causa, independentemente de provocação e na vigência de mandato, grava clandestinamente suas comunicações com seus clientes com objetivo de delatá-los, entregando às autoridades investigativas documentos de que dispõe em razão da profissão, em violação ao dever de sigilo profissional imposto no art. 34, VII, da Lei n. 8.906/1994.

6. O sigilo profissional do advogado é premissa fundamental para exercício efetivo do direito de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente.

7. O Poder Judiciário não deve reconhecer a validade de atos negociais firmados em desrespeito à lei e em ofensa ao princípio da boa-fé objetiva.

8. A conduta do advogado que, sem justa causa e em má-fé, delata seu cliente, ocasiona a desconfiança sistêmica na advocacia, cuja indispensabilidade para administração da justiça é reconhecida no art. 133 da Constituição Federal.

9. Ausente material probatório residual suficiente para embasar a ação penal, não contaminado pela ilicitude, inafastável o acolhimento do pedido de trancamento da ação penal.

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10. Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal.

(RHC n. 164.616/GO, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.).”

Ali foi dito que “considera-se que o dever de sigilo profissional imposto ao advogado e as prerrogativas profissionais a ele asseguradas não têm em vista assegurar privilégios pessoais, mas sim os direitos dos cidadãos. Nessa direção, José Afonso da Silva afirma que a inviolabilidade da atividade do advogado, “na verdade, é uma proteção ao cliente que confia a ele documentos e confissões da esfera íntima, de natureza conflitiva e não raro objeto de reivindicação [...]” (Curso de Direito Constitucional Positivo. 5ª ed. São Paulo: RT, 1989, p. 504).

O Supremo Tribunal Federal, no HC n. 142.205/PR, assentou a possibilidade de anulação e declaração de ineficácia probatória de acordos de colaboração premiada firmados em desrespeito às normas legais e constitucionais (HC n. 142.205/PR, relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 1/10/2020.) Na ocasião, consignou o relator que “[p]ara punir adequadamente fatos lesivos à sociedade (e é óbvio que isso deve ser feito), é necessário o respeito irrestrito aos ditames legais, constitucionais e convencionais”, em acórdão assim ementado: Penal e Processual Penal. 2. Colaboração premiada, admissibilidade e impugnação por corréus delatados. Provas produzidas em razão do acordo e utilizadas no caso concreto. Abusos da acusação e fragilização da confiabilidade. Nulidade do acordo e inutilização de declarações dos delatores. 3. Possibilidade de impugnação do acordo de colaboração premiada por terceiros delatados. Além de caracterizar negócio jurídico entre as partes, o acordo de colaboração premiada é meio de obtenção de provas, de investigação, visando à melhor persecução penal de coimputados e de organizações criminosas. Potencial impacto à esfera de direitos de corréus delatados, quando produzidas provas ao caso concreto. Necessidade de controle e limitação a eventuais cláusulas ilegais e benefícios abusivos. Precedente desta Segunda Turma: HC 151.605 (de minha relatoria, j. 20.3.2018). 4. Nulidade do acordo de colaboração premiada e ilicitude das declarações dos colaboradores. Necessidade de respeito à legalidade. Controle judicial sobre os mecanismos negociais no processo penal. Limites ao poder punitivo estatal. Precedente: “O acordo de colaboração homologado como regular, voluntário e legal deverá, em regra, produzir seus efeitos em face do cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, possibilitando ao órgão colegiado a análise do parágrafo 4º do artigo 966 do Código de Processo Civil” (STF, QO na PET 7.074, Tribunal Pleno, rel. Min. Edson Fachin, j. 29.6.2017) 5. Como orientação prospectiva ou até um apelo ao legislador, deve-se assentar a obrigatoriedade de registro audiovisual de todos os atos de colaboração premiada, inclusive negociações e depoimentos prévios à homologação. Interpretação do art. 4º, § 13, Lei 12.850/13. Nova redação dada pela Lei 13.964/19. 6. Situação do colaborador diante da nulidade do acordo. Tendo em vista que a anulação do acordo de colaboração aqui em análise foi ocasionada por atuação abusiva da acusação, penso que os benefícios assegurados aos colaboradores devem ser mantidos, em prol da segurança jurídica e da previsibilidade dos mecanismos negociais no processo penal brasileiro. Precedente: direito subjetivo ao benefício se cumpridos os termos do acordo (STF, HC 127.483/PR, Plenário, rel. Min. Dias Toffolli, j. 27.8.2015) e possibilidade de concessão do benefício de ofício pelo julgador, ainda que sem prévia homologação do acordo (RE-AgR 1.103.435, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17.5.2019). 7. Dispositivo. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para declarar a nulidade do acordo de colaboração premiada e reconhecer a ilicitude das declarações incriminatórias prestadas pelos delatores, nos termos do voto.

Acrescento que o Supremo Tribunal Federal assentou que “a Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do “male captum, bene retentum” (RHC n. 90.376/RJ, relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 17/5/2007).

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Dir-se-á que são ilícitas as provas obtidas em acordo de delação premiada firmado com advogado que, sem justa causa, entrega às autoridades investigativas documentos e gravações obtidas em virtude de mandato que lhe fora outorgado, violando o dever de sigilo profissional.

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Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado. Foto: Arquivo pessoal
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