Uma das garantias mais fundamentais de qualquer sistema de justiça é o direito de ser ouvido. Quando um cidadão enfrenta o Estado ou qualquer outra parte em um processo, sua voz se expressa por meio de seu advogado. A sustentação oral, nesse contexto, não é um privilégio da advocacia, mas um instrumento essencial para garantir que o julgador compreenda plenamente as nuances do caso antes de decidir.
A recente resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que restringe esse direito, não apenas limita a atuação dos advogados, mas desumaniza o próprio Judiciário. E mais do que isso: mina a confiança da sociedade na justiça.
Que segurança pode ter o cidadão em um Judiciário que não se dispõe a ouvi-lo? Como confiar em decisões judiciais que são tomadas sem dar à parte o direito de expressar sua verdade no momento mais crucial do julgamento? Justiça que não ouve, que se fecha em procedimentos burocráticos e frios, se distancia da própria razão de sua existência: garantir que ninguém seja julgado sem ser plenamente considerado.
O paradoxo dessa restrição se agrava quando observamos que o Brasil possui um dos Judiciários mais caros do mundo. O país destina 1,6% do seu PIB ao funcionamento do sistema de Justiça, um percentual quatro vezes superior à média de 53 países analisados e muito acima da média internacional de 0,37% do PIB. Enquanto nações desenvolvidas investem cerca de 0,3% do PIB para garantir uma justiça eficiente, o Brasil mantém um Judiciário que consome vastos recursos sem assegurar a qualidade do serviço prestado à sociedade. Mais de 80% dos recursos do Judiciário brasileiro são destinados ao pagamento de magistrados e servidores, evidenciando uma estrutura de custos significativamente maior que em outros países.
Se o Brasil tem um dos Judiciários mais custosos do mundo, não se pode admitir que a população pague tão caro por uma Justiça que não está disposta a ouvi-la. A sustentação oral não é um ritual ultrapassado. Ela é a linha que separa um Judiciário humano de um sistema automatizado e impessoal, onde decisões são proferidas sem o devido contraditório vivo, sem a chance de esclarecimento direto. Quando se elimina essa etapa, não apenas se compromete a qualidade das decisões, mas se fere a própria legitimidade do sistema de justiça. Um tribunal que não ouve os advogados perde o vínculo com a sociedade, tornando-se um poder distante, tecnocrático, inalcançável.
E um Judiciário que não inspira confiança não sustenta o Estado Democrático de Direito. Quando o cidadão percebe que suas palavras não chegam aos ouvidos do juiz, quando vê que seu caso foi decidido sem o espaço para o diálogo, ele deixa de acreditar na Justiça. E quando isso acontece, o que resta?
A advocacia brasileira não aceitará passivamente essa corrosão do direito de defesa. Se queremos um Judiciário respeitado, precisamos de um Judiciário que escute. Porque Justiça que não ouve não é Justiça. É apenas um mecanismo burocrático que decide sem compreender, sentencia sem refletir e condena sem considerar. E para um sistema que consome tantos recursos públicos, impor restrições à sustentação oral e oferecer uma justiça surda à sociedade é um preço alto demais a se pagar. Isso não pode ser o futuro da Justiça brasileira.