A transição para a economia de baixo carbono tem sido pauta das principais promessas e políticas defendidas pelos líderes mundiais, sob o entendimento de que o desenvolvimento econômico dos países deve ter a garantia do crescimento sustentável como premissa, abrangendo o incentivo para fontes renováveis, a instituição de políticas de compensação de gases de efeito estufa e ações ambientalmente responsáveis.
No Brasil, não tem sido diferente. Eleito sob o compromisso de adotar medidas efetivas para preservação da Amazônia e dos povos tradicionais, reduzir o desmatamento e as emissões de carbono, o governo atual tem definido internacionalmente a realização de ações internas para cumprimento destes objetivos, a começar pela reestruturação dos Ministérios envolvidos.
Ocorre que não haverá transição para uma economia mais sustentável, sem incentivo e adequado direcionamento das políticas econômicas – sendo a tributária a principal delas. Este é, não por outra razão, um dos principais debates atuais no Senado Federal, no âmbito da reforma tributária, especificamente em relação à necessidade de criação de regimes de tributação diferenciados para atividades relevantes para o país do ponto de vista ambiental e climático.
A sistemática já aprovada na Câmara dos Deputados na PEC nº 45/2019 com a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (“CBS”), não endereça adequadamente o tema.
Apesar de ser mencionado diversas vezes na PEC, a priorização da proteção ambiental não foi devidamente incorporada, tampouco foram previstos tratamentos específicos que direcionem a transição econômica sustentável. Há apenas a previsão da instituição do chamado Imposto Seletivo, o qual incidirá sob a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei.
No entretanto, não há sequer a definição do que são considerados “serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, o que, no limite, poderá implicar em sua incidência sobre a maior parte dos bens e serviços produzidos no Brasil, caso se entenda que qualquer atividade antrópica possa ocasionar eventuais prejuízos ambientais, o que não é correto. Vale destacar que atividades que possam causar impacto ambiental não necessariamente causam dano e seriam prejudiciais ao meio ambiente. Ao contrário, deve-se tomar cuidado com essa interpretação, na medida em que há atividades que além de essenciais à sociedade podem trazer benefícios ao meio ambiente e, inclusive, contribuem para a tão desejada transição ecológica.
Neste cenário, alguns direcionamentos ainda serão fundamentais para que a reforma tributária no Brasil possa, de fato, nortear a economia nacional para essa transição sustentável do ponto de vista financeiro, social, ambiental e climático.
O primeiro passo deve ser a previsão de alíquotas diferenciadas – reduzidas em 60 ou 100% - para outras hipóteses além daquelas previstas no artigo 9º, no qual estão abrangidos os serviços de educação e saúde. Até mesmo porque, embora parte das atividades ambientalmente relevantes possam não ser consideradas essenciais sob o aspecto jurídico, devem ser assim tratadas se o objetivo do Senado for ratificar o compromisso da Casa com a preservação do meio ambiente.
Em segundo plano, caso se persista com o entendimento sobre a impossibilidade de definição do que são “serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, passíveis de incidência do Imposto Seletivo, caberá ao Senado definir as ressalvas, ainda que de forma não exaustiva, mas permitindo priorizar as atividades que realmente contribuem para a transição sustentável.
Isto porque, é fundamental que seja o legislador constitucional o definidor das diretrizes para enquadramento dos bens e serviços como prejudiciais ao meio ambiente, para que sirva de norte para o futuro detalhamento da legislação extravagante, reduzindo a margem interpretativa da regulamentação e aumentando a segurança jurídica.
Espera-se, todavia, que esses pontos sejam devidamente tratados nas próximas semanas antes do texto ir para a votação final, momento em que as análises setoriais e detalhadas serão mais difíceis, gerando insegurança jurídica e um ambiente desfavorável ao desenvolvimento de novos negócios.
*Luciana Gil e Patricia Mendanha Dias, sócias da área ambiental do Bichara Advogados
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