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Opinião|O artigo 385 do Código de Processo Penal e a Constituição de 1988

É correto se sustentar, como fazem os autores da ADPL, que o artigo 385, na parte em que permite ao juiz condenar sem o pedido do autor da ação penal, não foi recepcionado pela Constituição de 1988

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convidado
Por Mário de Magalhães Papaterra Limongi

Está em discussão a constitucionalidade do artigo 385 do Código de Processo Penal.

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O artigo de lei em questão permite que o juiz, nos crimes de ação pública, profira sentença condenatória e reconheça agravantes não alegadas, ainda que o titular da ação penal- o Ministério Público- tenha pleiteado a absolvição do réu.

A Associação Nacional da Advocacia Criminal e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil endereçaram ao Supremo Tribunal Federal ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMEDNTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF) em face do artigo 385 do Código de Processo Penal.

Em síntese, a ANACRIM e a OAB sustentam que o dispositivo legal não se compatibiliza com o sistema processual acusatório, preceito fundamental do ordenamento constitucional, consagrado no artigo 129, I, da Constituição Federal, além de violar a cláusula do devido processo legal e o princípio de inércia da jurisdição previsto no artigo 5º, XXXV e LIV da Constituição Federal.

São consistentes os argumentos apresentados.

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O tema é particularmente sensível ao signatário, membro do Ministério Público de São Paulo de janeiro de 1975 a março de 2023 e que, após a aposentadoria, resolveu se aventurar na advocacia criminal.

Importante contextualizar.

O Código de Processo Penal em vigor, apesar de várias modificações, foi editado em 1941, sob a vigência da Constituição de 1937, com a declarada intenção de endurecimento.

Basta a leitura da Exposição de Motivos, de autoria do Ministro Francisco Campos, para se verificar que o que se almejava com a edição do novo Código de Processo Penal, era o fortalecimento do aparelho repressivo do Estado.

Confira-se, a propósito, o seguinte trecho da Exposição de Motivos, trazido à colação no pedido feito pela ANACRIM:

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“As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante delito ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolido a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre a da tutela social”.

Ora, em Código elaborado neste contexto não surpreende que o juiz pudesse condenar ainda que não fosse a intenção do titular da ação.

De outro lado, ainda para contextualizar, é de se ressaltar que o Ministério Público, à época da edição do Código de Processo Penal, repita-se, sob a vigência da Constituição de 1937, não tinha o perfil que lhe foi dado pela Constituição de 1988.

A partir da Constituição de 1988, o Ministério Público passou a ser o titular exclusivo da ação penal pública, o que motivou uma série de modificações legislativas.

Ao conferir ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública, o constituinte, no dizer de Hugo Nigro Mazzilli, principal estudioso do regime jurídico do Ministério Público, eliminou a “teratologia” do procedimento penal de ofício, que redundava no procedimento denominado judicialiforme em que a atuação do Ministério Público era meramente acessória- o juiz acumulava as funções de acusador, ao instaurar a ação penal por portaria e de julgador, ao proferir a sentença.

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Com o fim do procedimento de ofício e a adoção do sistema acusatório, o Ministério Público, ao menos em primeira instância, assumiu a condição de parte e como tal deve ser visto pelos demais atores do processo.

É certo que, em regra, há limites da atuação do Ministério Público como parte.

Como é sabido, vige o princípio da legalidade, ou obrigatoriedade, ou, ainda, da indisponibilidade, pelo que não cabe ao Promotor de Justiça, havendo elementos para o início da ação penal, deixar de oferecer denúncia por razões de conveniência.

No entanto, a exclusividade da iniciativa penal fez com que, gradativamente, fossem introduzidas mudanças legislativas que mitigaram o princípio da obrigatoriedade, sempre citado pelos que defendem a constitucionalidade do artigo 385 do Código de Processo Penal.

Inicialmente nas infrações de menor potencial ofensivo, a legislação passou a prever a hipótese de conciliação e o Ministério Público, mesmo em caso de oferecimento da denúncia, passou a poder oferecer proposta de acordo de não persecução penal, o que agilizou, em muito, as soluções de pendências que se arrastavam, desnecessariamente, por anos.

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Acrescente-se que outras modificações, agora para crimes mais graves, mitigaram o princípio da obrigatoriedade da ação penal.

Especial destaque merece a introdução da possibilidade de delação premiada- por mais polêmico que seja o tema, inegável a sua importância, seja para o exercício pleno da defesa, seja para a solução de casos que envolvem sofisticadas organizações criminosas.

A possibilidade de delação premiada mostra que o legislador infraconstitucional prestigiou a norma constitucional que conferiu ao Ministério Público a exclusividade da iniciativa em crimes de ação pública.

Ora, se o Ministério Público- autor da ação penal- pode oferecer proposta de não persecução penal (ANPP) e de delação premiada, parece intuitivo que, ao final da ação penal, possa dela desistir, pedindo a absolvição do réu.

De outro lado se, em bom momento, revogou-se a possibilidade de procedimento de ofício, não parece lógico que ao magistrado seja permitido decidir de maneira contrária ao postulado pelo autor da ação penal.

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Neste passo, destaco trecho constante do pedido da Ordem dos Advogados do Brasil:

“Em suma, num modelo em que o Ministério Público é o representante que exerce com privatividade a pretensão processual penal, ele pode deixar de exercê-la ou a tendo exercido, dela desistir. O juiz não é um tutor, um curador do livre exercício da pretensão processual”.

A redação do artigo 385 do Código de Processo Penal deve ser vista como consequência do tempo em que o Código foi editado em que não havia óbice ao juiz exercer parcela da pretensão de punir, o que passou a ser impossível a partir da posição do constituinte de 1988 que, como já salientado, várias vezes, deu ao Ministério Público a exclusividade para a propositura da ação penal pública.

É, portanto, correto se sustentar, como fazem os autores da ADPL, que o artigo 385, na parte em que permite ao juiz condenar sem o pedido do autor da ação penal, não foi recepcionado pela Constituição de 1988.

A procedência da ADPL, além de ser juridicamente adequada, certamente agradará a todos os envolvidos: Ministério Público e advocacia criminal.

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Durante anos, principalmente em debates no Tribunal do Júri, afirmei, quase como argumento de autoridade, que o Promotor de Justiça não era um acusador sistemático e que agia sempre de acordo com a sua consciência, podendo, livremente, postular a absolvição do réu quando assim lhe parecesse justo.

O reconhecimento da procedência da arguição feita por representantes da advocacia crimina dará substância ao argumento.

Com a palavra, o Supremo Tribunal Federal.

Convidado deste artigo

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Mário de Magalhães Papaterra Limongi
Procurador de Justiça aposentado e advogado criminal. Foto: Marcio Fernandes/Estadão
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