O fim do estado de calamidade pública em 31 de dezembro de 2020, como já anunciado pelo governo, deve ter um impacto importante no mercado de trabalho. A tendência é do aumento das fiscalizações diretas e indiretas em 2021, seja para as empresas que optarem pela retomada do regime presencial, seja para as que permanecerem em regime de home office. A retomada das atividades empresariais exigirá atenção redobrada e prevenção do empresariado, sob o risco de sofrerem penalidades.
Para as empresas que optarem ou venham a optar por um plano de retomada presencial, a atenção deve estar voltada para as fiscalizações em temas relacionados à saúde, segurança do ambiente de trabalho e cumprimento das orientações e protocolos de prevenção e redução do contágio pelo coronavírus no ambiente de trabalho. A preocupação com o tema é relevante, uma vez que ainda existe enorme discussão acerca da Covid-19 ser ou não caracterizável como doença do trabalho.
Não é demais lembrar que, em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia do artigo 29 da Medida Provisória nº 927, que estabelecia que a Covid-19 apenas seria considerada doença ocupacional no caso de comprovação de nexo causal entre a doença e o trabalho desempenhado. A derrubada do referido dispositivo deu margem para interpretação de que a Covid-19 seria presumidamente caracterizada como ocupacional, sendo que o Ministério da Saúde editou, em 1º de setembro de 2020, a Portaria nº 2.309, incluindo a Covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho e, no dia seguinte, cancelou os efeitos da norma, o que é um dos atestados da insegurança jurídica associada ao assunto.
Agora, a questão ganha ainda mais relevância e demanda cautela preventiva das empresas, na medida em que no início de dezembro de 2020 o Ministério Público do Trabalho (MPT) editou Nota Técnica nº 20/2020, com o objetivo de promover e proteger a saúde do trabalhador, passando a considerar a Covid como doença ocupacional e a exigir a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para qualquer contaminação de empregados pelo novo coronavírus no ambiente corporativo.
Apesar da interpretação do MPT, não recomendamos a emissão da CAT de forma indiscriminada pelas empresas, uma vez que a Lei n.º 8213/91 prevê não serem consideradas ocupacionais as doenças endêmicas adquiridas pelos segurados. E, mesmo na hipótese de caracterização da Covid-19 como ocupacional pelo INSS, as empresas devem permanecer alertas, pois cabe contestação da decisão ainda na esfera administrativa, mormente quando tenham sido adotados e cumpridos todos casos os protocolos de segurança.
No mesmo sentido, as empresas que permanecem em regime de home office também devem estar atentas à fiscalização do trabalho, pois o avanço da Covid-19 e a adesão ao home office culminaram no aumento do número de processos trabalhistas sobre a matéria em quase 270%, entre março e setembro de 2020, de acordo com o Tribunal Superior do Trabalho, gerando preocupação tanto por parte do Ministério da Economia, quanto do MPT.
Os aspectos mais sensíveis que exigem prevenção do empresariado se relacionam ao controle da jornada de trabalho, condições ergonômicas e doenças ocupacionais, como acidentes na residência, síndrome de burnout e zoom fatigue.
Aliás, o MPT já divulgou que a maioria das denúncias que tem recebido nos últimos tempos se relacionam com excesso de trabalho e problemas com cansaço físico e mental em virtude do home office e, nesta toada, editou Nota Técnica, denominada "Etiqueta Digital", nº 17/2020, com recomendações às empresas sobre ao assunto, o que corrobora a tendência de aumento de fiscalização.
Enquanto referidas matérias, que padecem de legislação específica, não forem objeto de discussão pelo Congresso - assunto claramente urgente -, as empresas devem cumprir com os protocolos de saúde e segurança do trabalho para prevenção e redução da propagação da Covid-19, estabelecendo uma Política de Home Office e regulamentar o regime adotado. Uma agenda crítica, que deve estar na mesa de todos os gestores, e que deve ser enfrentada rapidamente.
*Valéria Wessel S. Rangel de Paula é head da área trabalhista do Castro Barros Advogados
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