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Opinião | O Brasil não tem mais Constituição

Jocosamente, um dos guardiães da Constituição observou que a Corte constitucional tem “poder constituinte permanente”. Isto quer dizer que ela pode mudar as normas da ordenação constitucional de 1988, quando quiser, quando bem entender, o que importa num novo padrão – diga-se, de “constitucionalidade”

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convidado
Por Manoel Gonçalves Ferreira Filho

Sim, o Brasil não mais tem Constituição no sentido de uma lei suprema, estabelecida pelo poder constituinte que pertence exclusivamente ao povo, que estrutura a governança, atribui competências e estabelece limites aos Poderes. Assim, não posso mais pedir, como já fiz muitas vezes, que se volte à normalidade constitucional. E quem o confirma indiretamente são palavras e textos de ilustres componentes daquele que é o “guardião da Constituição”.

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De fato, o Brasil não tem mais Constituição porque a Lei Magna de 1988 – dita a Constituição – não prevalece mais sobre decisões do próprio guardião da Constituição. Ela se tornou uma constituição flexível, que pode ser modificada sem Emenda constitucional votada pelos representantes do povo

Jocosamente, um dos guardiães da Constituição o reconheceu em evento em Lisboa, quando observou que a Corte constitucional tem “poder constituinte permanente” – ao menos uma centena de bacharéis o ouviram. Isto quer dizer que ela pode mudar as normas da ordenação constitucional de 1988, quando quiser, quando bem entender, o que importa num novo padrão – diga-se, de “constitucionalidade”. Ou seja, a decisão tomada “altera”, ou melhor, renega a norma constitucional estabelecida pela Constituinte de 1987/1988. E isto pode ser feito numa liminar monocrática como frequentemente ocorre. Destarte, os guardiães da Constituição, destinados pela Constituição a defendê-la e a anular atos contrários a ela, podem em seus atos fazer sem hesitação o que ela não autoriza.

Corrobora essa tese a manifestação de um dos sais proeminentes membros dessa Corte, e de outros, sobre a “consensualidade”, por meio da composição de interesses entre as partes. Ora, isto quer dizer que a norma constitucional não tem supremacia sobre a conveniência das ditas partes interessadas. O acordo destas pode assim dispor contra ou além do que prevê a dita Lei Magna. O juiz Marshall, que nos Estados Unidos, no famoso caso Marbury x Madison, fez pela primeira vez o controle de constitucionalidade, anulando lei contrária à Constituição num raciocínio lógico e irrefutável, frente a essa “consensualidade”, se ergueria do caixão. E mais se escandalizaria que a tese seja defendida por renomado aluno de uma das mais famosas Universidades americanas. O mesmo faria Ruy Barbosa, embora este tenha estudado na modesta Faculdade do Largo de São Francisco.

A essa “consensualidade” socorre uma outra visão da Suprema Corte, não mais como guardiã da Constituição, e sim como poder moderador. Neste caso, quem se levantariam seriam Constant, o suíço, e Pimenta Bueno, o brasileiro. De fato, para eles o poder moderador seria um quarto poder, distinto, portanto, dos três que a Constituição de 1988 prevê. Para os mestres, esse poder não caberia senão a um quarto Poder - aliás previsto na Constituição do Império brasileiro - “neutro”, para tanto previsto na ordenação constitucional, jamais a um dos três Poderes que Montesquieu e o constitucionalismo adotou. Triste a sina do poder moderador na atualidade brasileira. Uns o veem como inerente às Forças Armadas, outros o querem para si, criando assim um superpoder. E com o pressuposto de que exprimiriam melhor do que eleitos os mais importantes objetivos da Nação.

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Poupo-me de citar exemplos concretos – todos os conhecem (para tanto basta ler os “jornais” do dia), porque pretendo ser um jurista, não um cronista (mas fácil seria fazê-lo).

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Manoel Gonçalves Ferreira Filho
Professor emérito de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP. Doutor honoris causa da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito Constitucional da Universidade de Paris. Foto: Reprodução/Uniregistral
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