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O Brasil precisa de lobistas mulheres

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Por Rafael Corradi Nogueira
Atualização:
Rafael Corradi Nogueira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Mulheres e homens são dois seres diferentes. Nossa democracia, contudo, não tira o proveito que poderia desse fato. O Brasil perde. Atrasamos avanços econômicos, infraestruturais, trabalhistas e sociais. O sopro criativo, destacado na inteligência feminina, é aquilo que o cientista Neil deGrasse Tyson responsabilizou pelos maiores avanços tecnológicos da civilização moderna. Uma civilização que é liberal e democrática, diga-se de passagem. A política é a arena natural da democracia. Nela, o lobby é a ferramenta de maior promoção de acessibilidade, transparência, ética e conformidade. Seus profissionais, batizados de lobistas ou de executivos de relações governamentais, são a prova viva da diferença que as mulheres fazem quando a sociedade convoca seus preparadíssimos lobistas como porta-vozes. O nobre ofício preenche uma lacuna de representação democrática brasileira. A má-compreensão generalizada sobre o valor do lobby e o da mulher coincidem. Imagine, então, quando falamos das lobistas mulheres.

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Lobby é um direito constitucional descrito na alínea 'a' do inciso XXXIV do art. 5º da Constituição Brasileira vigente: o famoso direito de petição. A atividade é devidamente classificada pelo Ministério do Trabalho. Tudo isso para deixar claro que: além de não precisar ser 'legalizado', ele carrega um dos pilares mais nobres e belos de nossa vida republicana. Mais ainda, se considerarmos que seu exercício representa o grito sufocado pela distância entre o Poder e muitos setores de nossa nação - inclusive o produtivo. Ele depende de força, mas só pode ser eficientemente exercido com a resiliência que nos ajuda a sacudir a poeira de uma queda. E haja queda, na caminhada de uma lobista mulher que se coloca ombro a ombro com as grandes lideranças executivas do país. Respeitada lobista e executiva, por anos, da Editora Abril, Ângela Rehem nos relembra, em seu artigo sobre o assunto: "Mulheres aumentam a autoestima, estimulam a participação, dividem o poder e a informação e fazem com que outros se sintam motivados". Não se trata aqui de discutir identidades, como o feminismo e o machismo. Algo que pode alimentar um clima de polarização instransponível para alcançarmos juntos grandes realizações. Mas se trata de fato de uma constatação inteligente e simples: homens e mulheres se complementam na construção de um país melhor. Rehem conta que Ulysses Guimarães recebeu uma lista de pedidos do intitulado "Lobby do Batom". Isso incluiu, na Constituição de 88, uma série de considerações trabalhistas, sociais e legais à mulher brasileira. No entanto, o episódio é a prova de que o assunto é sobre algo além de uma inclusão cidadã. O lobby das mulheres garantiu que mais profissionais do sexo feminino tivessem suporte à maternidade e em outros aspectos. Algo que ajudou o Brasil a ter lideranças femininas colaborando intelectualmente, de forma mais ativa, na construção de nossa legislação, de nossas corporações e, portanto, de nosso bem-estar geral.

Não se trata de termos o mesmo número de lobistas homens e lobistas mulheres trabalhando no Brasil. As lobistas brasileiras, notoriamente capacitadas e talentosas, só podem oferecer seu melhor ao país se conseguirem trabalhar e sem serem obrigadas a se afastarem de sua essência. Um ambiente de homens que passa a impressão de fazer um favor ao aceitar mulheres não é o espaço republicano que almejamos. Observe a diferença conceitual. O que o Brasil precisa é de um lugar que pertence igualmente às mulheres e aos homens, onde elas não devem perder energia constante se defendendo de ataques, discriminação e assédio. As barreiras não são matemáticas. Tampouco são geográficas. Há um contraste de realidade institucional se compararmos o lobby feito em instituições federais - como o Senado, com os legislativos estaduais ou as Câmaras municipais. Juliana Celuppi, respeitada consultora de relações governamentais, é especialista no diálogo com estados e municípios. Ela é a prova de que as mulheres lobistas carregam suas habilidades aos quatro cantos do país. No plano federal, a liturgia institucional já evoluiu muito na receptividade a mulheres: lobistas e políticas. Nas localidades, isso ainda engatinha. Celuppi conta como já foi insultada e ameaçada em casas legislativas que deveriam promover cidadania. Mas também relembra com apreço quando recebeu, numa câmara de vereadores do Maranhão, o reconhecimento formal de Mulher Empreendedora.

Há duas entidades representativas dos lobistas brasileiros, em âmbito nacional. Pela primeira vez, ambas são presididas simultaneamente por mulheres. A Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG) - liderada por Carolina Venuto e o Instituto de Relações Governamentais (IRELGOV) - comandado por Suelma Rosa. Ambas promovem intenso trabalho de orientação individualizada, posicionamento público destacado, debates, ações e provocações reflexivas, como o livro, recém-lançado pelo IRELGOV, que inspirou este artigo: "Relações Governamentais sob a Ótica Feminina" - organizado pela lobista Beatriz Gagliardo e escrito por ela junto a outras admiráveis quinze líderes da profissão. Uma obra maior do que o próprio assunto: a publicação é uma revisão cultural sobre como sermos um Brasil que precisa deixar de pertencer apenas ao país do futuro, para começar a ser uma potência do presente, um gigante da estatura de seu povo; competente e diverso.

Em 1956, Guimarães Rosa fez o mundo admirar a liderança de Diadorim: uma guerreira, escondida em roupas de homem, que levou seu bando de cangaceiros a triunfar no Grande Sertão: Veredas. Além de reinventar nosso idioma, Guimarães nos mostrou com décadas e analogias de antecipação como as qualidades de nossa nação e de nossa democracia só podem ser plenamente vividas quando percebemos que "Diadorim era o corpo de uma mulher, moça perfeita". "Mil-vezes-mente", gritou Riobaldo ao ver Diadorim morta pela causa que eles lutavam. As lições de nosso Brasil, desde 56, são mais que o suficiente para fortalecermos a democracia promovida pelas mulheres-lobistas atuais, sem que mais gente precise ser sacrificada.

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*Rafael Corradi Nogueira, diretor de Empreendedorismo & Transformação Digital do IRELGOV

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