O brutal assassinato da jornalista Vanessa Ricarte pelo ex-noivo, após ela buscar ajuda em uma delegacia de Campo Grande, não pode ser reduzido a mais uma estatística alarmante. Este caso deve ser encarado como um alerta contundente sobre as falhas sistêmicas que persistem em colocar vidas em risco no Brasil.
Nosso país possui um arcabouço legal robusto para combater a violência contra a mulher, incluindo a internacionalmente reconhecida Lei Maria da Penha. Contudo, a mera existência de leis não garante proteção efetiva. O caso de Vanessa Ricarte expõe uma realidade dolorosa: o abismo entre a letra da lei e sua aplicação prática.
A legislação prevê a emissão imediata de medidas protetivas, mas o que observamos é um sistema sobrecarregado que frequentemente leva dias, às vezes até uma semana, para notificar o agressor. Durante esse período crítico, a vítima permanece exposta e vulnerável. É imperativo que haja um acompanhamento rigoroso dos casos denunciados para garantir que nenhuma mulher fique desamparada após buscar auxílio.
Esta falha não ocorre necessariamente por falta de vontade, mas principalmente pela escassez de servidores públicos. Delegacias, juizados e serviços de assistência social operam no limite, sem pessoal suficiente para atender à crescente demanda.
Além disso, é indispensável conscientizar e treinar autoridades policiais e judiciárias para reconhecer e agir contra formas invisíveis de violência, como a psicológica e a patrimonial. Em minha experiência profissional, não foram raras as ocasiões em que acompanhei vítimas de violências diversas da física a delegacias, onde o tratamento recebido foi inadequado e, muitas vezes, desrespeitoso.
Esta realidade evidencia que estamos falhando em atacar a raiz do problema. O machismo estrutural que permeia nossa sociedade é o combustível que alimenta a violência contra a mulher. Por isso, a solução vai muito além do Direito Penal: requer investimento em educação para desconstruir estereótipos de gênero e promover relações igualitárias. Isso passa pelo fortalecimento da mulher, para que elas reconheçam os primeiros sinais de abuso e tenham coragem de denunciar.
Mudar essa realidade só será possível com a expansão do atendimento multidisciplinar às vítimas. A Casa da Mulher Brasileira é um exemplo positivo que deve ser replicado, mas é fundamental garantir um número adequado de servidores para assegurar o atendimento integral e a proteção eficaz das mulheres vítimas de violência.
O caso de Vanessa Ricarte não pode ser em vão. Cada vida perdida para a violência de gênero representa uma falha coletiva de nossa sociedade e de nossas instituições. No Dia Internacional da Mulher, não basta celebrar conquistas; é necessário um compromisso real e urgente com a mudança.
O Brasil que queremos é aquele onde nenhuma mulher teme por sua vida ao denunciar seu agressor. É um país onde a lei não é letra morta, mas uma garantia viva de proteção.