Nos últimos anos, diante de vários escândalos de corrupção envolvendo empresas brasileiras, a implementação de programas de compliance (ou de integridade), como ferramenta de governança corporativa, passou a ganhar cada vez mais destaque dentro de instituições públicas e privadas.
De forma geral, programas de compliance são conjuntos de mecanismos e controles internos que visam adequar as empresas e os profissionais às leis e diretrizes atinentes às suas atividades, bem como promover a conduta ética em suas relações internas e externas.
Assim, cabe aqui destacar que o combate à corrupção é apenas um dos objetivos do compliance, dentre os quais podemos destacar também: cumprimento das leis nacionais, internacionais e regulações do mercado; prevenção de processos administrativos e judiciais; transparência na condução dos negócios; cumprimento das normas internas e difusão dos valores de integridade na cultura organizacional da empresa.
Com base nos programas de compliance as organizações perceberam os significativos ganhos proporcionados a partir de sua implementação, pois passaram a detectar fragilidades em áreas com alto potencial destrutivo, ainda que não embasadas por condutas ilícitas, mas apenas por equívocos em sua execução (1).
Além disso, o programa de integridade agrega valor à entidade empresarial, atrai consumidores, investidores e parceiros, preserva a imagem e a reputação da empresa e aumenta o grau de satisfação e de confiança dos colaboradores.
O presente artigo, considerando a amplitude do tema, terá enfoque na importância do compliance na área trabalhista empresarial, que na prática consiste no cumprimento de normas, regras éticas e morais relacionadas ao Direito do Trabalho, tanto no ambiente empresarial interno, como nas relações empresariais com clientes, investidores e fornecedores (2).
Assim, no atual contexto, verifica-se que a implementação de programa de compliance trabalhista pelas empresas vai muito além do fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) aos seus colaboradores, devendo ser utilizado como mecanismo de prevenção, detecção e correção de problemas bastante recorrentes na esfera laboral, tais como: práticas de discriminação, assédio moral e sexual; condutas arbitrárias e abusivas por parte de superiores hierárquicos; desentendimentos e má conduta entre colaboradores; uso inadequado de redes sociais e e-mails corporativos; riscos advindos da terceirização de serviços e geração de passivos trabalhistas decorrentes de demandas judiciais ou processos administrativos.
Atualmente a existência de um programa de compliance efetivo, composto por código de conduta e regulamentos bem definidos, investigações internas, política de advertências, envolvimento da alta direção, treinamentos periódicos e canal de denúncia confidencial pode, em alguns casos, representar para as empresas, assim como já é comum nos Estados Unidos, a redução no valor de indenizações em demandas judiciais e até mesmo o não pagamento delas.
A partir da incorporação do programa de integridade como padrão valorativo e comportamental ético da empresa, as decisões por ela tomadas passam a ter uma qualidade e um valor muito maior, possibilitando, assim, que a empresa demonstre a correição de suas atuações, impedindo, como por exemplo, a reversão de uma demissão por justa causa, conforme já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho (3).
A adoção do compliance poderá ser também importante instrumento probatório da organização contra eventuais falsas denúncias de discriminação, assédio moral ou sexual, pois o Juiz, em sua decisão, poderá levar em consideração que durante o contrato de trabalho o colaborador tinha um mecanismo eficiente, sigiloso e acessível para denunciar as práticas de assédio ou discriminação e se não o fez foi porque ou as condutas não foram graves o suficiente para configurar práticas ilícitas ou ainda porque não ocorreram (4).
Veja-se que as práticas de integridade devem ser observadas não apenas durante o período de vigência do contrato de trabalho do colaborador, mas também nas fases pré e pós-contratual, a fim de impedir o pagamento de indenizações decorrentes, a título de exemplos, de práticas discriminatórias no processo de recrutamento e seleção de pessoas ou da elaboração de listas com informações de antigos colaboradores que tenham ingressado com ações trabalhistas.
Cabe destacar ainda, que nos últimos meses, com o advento da pandemia de covid-19 e a entrada em vigor da lei geral de proteção de dados (LGPD), a necessidade de implementação de um programa de compliance na área trabalhista tornou-se ainda mais importante (e urgente!) pelas empresas, para não se dizer obrigatória.
Para justificar a conclusão imperativa acima, um bom exemplo é a situação do trabalho à distância (mas referido como home office), que com o avanço do novo coronavírus, passou a ser, de forma abrupta, o regime de trabalho de grande parte dos trabalhadores brasileiros.
Diante dessa nova realidade, cabia às empresas não apenas formalizar as necessárias alterações nos contratos de trabalho dos colaboradores (considerando o fim da vigência da MP 927) mas também incluir em seus regulamentos internos regras e diretrizes específicas do trabalho à distância, das quais destacamos: i) mecanismos de controle de jornada de trabalho (ex.: login/ logout e VPN); ii) especificação de horários para atendimento virtual da demanda, assegurando, assim, ao colaborador os descansos legais e o direito à desconexão; iii) responsabilidade pelas despesas com a aquisição e manutenção de equipamentos para a realização do trabalho; iv) apoio tecnológico, orientação e capacitação e v) parâmetros de ergonomia relacionados a aspectos físicos (como mobiliário) e cognitivos (design das plataformas de trabalho online).
Além disso, considerando o enfraquecimento da segurança cibernética nas atividades profissionais através do home office surgiu para as empresas a necessidade de promover tutoriais e treinamentos de seus colaboradores visando especialmente a adequada proteção, armazenamento e tratamento de dados e informações.
Entretanto, o que se viu na prática foi que a maioria das organizações não se cercou das medidas acima destacadas para o trabalho à distância, principalmente pela ausência de programa de compliance, o que pode acarretar em consequências nefastas para a entidade empresarial, tais como: doenças ocupacionais em colaboradores; passivo trabalhista decorrente de horas extras não registradas e não pagas; aplicação de multas vultosas previstas na LGPD e ataques hackers com destruição de dados e/ou divulgação de informações confidenciais.
Em razão de situações como esta que no cenário empresarial existe a máxima "If you think compliance is expensive, try non-compliance" (se você pensa que compliance é caro, experimente não tê-lo). Em outras palavras, o custo da não-conformidade é muito superior ao custo da implementação de um programa de cumprimento normativo e de um padrão de comportamento ético, e isso não apenas em razão dos custos substanciais causados por processos administrativos e/ou judiciais, mas pelos reflexos advindos de situações negativas que muitas vezes expõem de maneira irreversível a imagem e a reputação das organizações.
Portanto, promover a gestão estratégica com a implementação de um eficiente programa de compliance trabalhista, trata-se não apenas de aumentar a lucratividade e reduzir o passivo trabalhista, mas de construir um meio ambiente de trabalho adequado, saudável e produtivo, protegendo a imagem e a reputação da empresa e garantindo a própria perenidade do negócio.
*Felipe Rufatto Vieira Tavares - LL.M em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas / advogado e sócio no Escritório Federiche Mincache Advogados
1 MUNIZ, Mirella Karen de Carvalho Bifano; DIAS, Ronaldo Mayrink de Castro Garcia. Compliance e Direito do Trabalho - Novas práticas para mitigar novos riscos. LTr Sup. Trab. 094/16, Ano 52, São Paulo, 2016, p. 531.
2 SOUZA, Raíssa Fabris de; BELLINETTI , Luiz Fernando. compliance trabalhista: uma análise a partir da função social da propriedade e da responsabilidade socioambiental da empresa. Direitos Fundamentais e Justiça, v. 13, n. 40, p. 221-238, jan./jun. 2019.
3 Recurso de Revista n° TST-AIRR-51-37.2012.5.24.0021.
4 ANDRADE, Flávio Carvalho Monteiro de; FERREIRA, Isadora Costa. Alguns contornos especiais do compliance em suas relações com a área trabalhista corporativa. Disponível em http://www.esamg.org.br/artigo/REV_Artigo%20compliance_Flavio%20e%20Isadora_91.pdf Acesso em 28/11/2020.
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