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Opinião | O crime de ocultação de cadáver é permanente? O caso dos crimes ocorridos na ditadura militar

Outra deve ser a estratégia a ser levada nas ações penais ajuizadas contra torturas naquele triste período da história nacional, levantando a premissa de que os crimes de ocultação envolvendo militantes que desapareceram durante o chamado regime militar é crime permanente, que se protrai com o tempo

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convidado
Por Rogério Tadeu Romano

Segundo o que disse a Folha, em sua edição de 17.12.24, “”a decisão deste domingo (15) do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), de que a Lei da Anistia da ditadura não vale para ocultação de cadáveres, recebeu elogios das presidentes das comissões sobre Mortos e Desaparecidos e da Anistia.

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Consoante o entendimento do ministro Dino, o crime de ocultação de cadáveres é permanente, porque “quem oculta e mantém oculto algo prolonga a ação até que o fato se torne conhecido”.

O ministro do STF, Flávio Dino, considerou que deve ser discutido na Corte se a lei da anistia (lei 6.683/79) pode ser aplicada a crimes que tiveram início durante a ditadura militar, mas cujos efeitos se prolongam até o presente - os chamados crimes permanentes.

Como informou o portal Migalhas, em 16.12.24, a proposta do relator surge no âmbito de um recurso que discute crimes ocorridos durante a Guerrilha do Araguaia, como o homicídio cometido por Lício Augusto Ribeiro Maciel e a ocultação de cadáver praticada por Sebastião Curió, ambos militares do Exército Brasileiro.

Curió faleceu em 2022, mas o processo busca a condenação de Maciel.

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Para ilustrar o impacto humano desse tipo de crime, Dino mencionou o filme “Ainda Estou Aqui”, inspirado no livro de Marcelo Rubens Paiva, que relata o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva.

“A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos.”

O debate se dá no julgamento do ARE 1.501.674.

Veja-se, então, dessa forma, o caso do desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Beyrodt Paiva, dado como desaparecido em 20 de janeiro de 1971, teve sua casa invadida por pessoas armadas de metralhadoras que, sem apresentar qualquer mandado de prisão, numa ilegalidade flagrante, se diziam da Aeronáutica. Teve Rubens Paiva tempo de se arrumar e saiu de terno e gravata, como era comum o traje àquela época, guiando o próprio carro, cuja recuperação posterior seria a prova de que foi preso.

Discute-se a questão da prescrição com relação aos chamados crimes contra a humanidade.

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Para a Corte Interamericana estamos diante de crimes imprescritíveis.

É o que ocorre com relação à Lei de Anistia, que, como bem alertou Dalmo Dalari, não se aplica aos crimes contra a humanidade, que não ficam sujeitos à prescrição.

Outra deve ser a estratégia a ser levada nas ações penais ajuizadas contra torturas naquele triste período da história nacional, levantando a premissa de que os crimes de ocultação envolvendo militantes que desapareceram durante o chamado regime militar é crime permanente, que se protrai com o tempo.

No entanto, por unanimidade, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu manter suspensa a ação penal contra cinco militares acusados de envolvimento na morte do ex-deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971, durante a ditadura militar.

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu embargos de declaração do Ministério Público Federal (MPF) para reconhecer que a ocultação do cadáver do deputado federal Rubens Beyrodt Paiva, morto em 1971, é crime instantâneo de efeitos permanentes. Tal se deu no julgamento do RHC 57.799.

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“Nos crimes instantâneos de efeitos permanentes, a consumação também ocorre em momento determinado, mas os efeitos dela decorrentes são indeléveis, como no homicídio consumado; por exemplo”. Fonte: Manual de Direito Penal – Rogério Sanches Cunha

Na lição de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini(Manual de direito penal, volume I, 27 ª edição, pág. 129) “crimes instantâneos de efeitos permanentes ocorrem quando, consumada a infração em dado momento, os efeitos permanecem independentemente da vontade do sujeito ativo.”

Ali entendeu o STJ:

“Da doutrina, extrai-se que a ocultação, diferentemente da destruição ou subtração do cadáver tem um caráter transitório, a intenção é esconder o cadáver temporariamente. Vejamos a Doutrina de Bitencourt, citando Damásio de Jesus: São três as condutas tipificadas: destruir, subtrair e ocultar. Destruir (demolir, destroçar, fazer desaparecer) um cadáver é fazê-lo desaparecer, isto é, levá-lo a deixar de ser considerado como tal; subtrair significa retirá-lo do local em que se encontrava, sob a proteção e a vigilância de alguém. É a retirada do cadáver – segundo Damásio de Jesus- – da situação em que se encontra sob a guarda da família, de amigos, parentes ou empregados do cemitério, mesmo que tal proteção seja exercida de forma indireta ou a distância; ocultar é fazer desaparecer o cadáver de alguém, sem destruí-lo, esconder temporariamente. Damásio de Jesus- destaca, com muita propriedade, que esse crime somente pode ser executado antes de o cadáver ser sepultado, pois, após ter sido depositado em seu lugar definitivo, o crime somente poderá ser cometido por destruição ou subtração (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito pena, 3: parte especial: dos crimes contra o patrimônio, até dos crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos. 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 543).

O julgamento foi iniciado em maio e encerrado, no dia 15 de setembro de 2020, com voto do ministro Felix Fischer – que, após pedir vista do processo, acompanhou o relator, ministro Joel Ilan Paciornik. O entendimento dos ministros do Superior Tribunal de Justiça foi de que a Lei da Anistia impede a punição dos militares em razão da prescrição do caso.

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Na tentativa de trancar o processo, as defesas dos militares acionaram o Superior Tribunal de Justiça em 2015. O principal ponto de divergência entre os ministros, que impedia uma definição sobre o pedido, era sobre a o caráter permanente do crime de ocultação de cadáver, nunca encontrado. Por fim, a Quinta Turma entendeu que a ocultação, praticada há 49 anos, não pode ser dotada de algum viés temporário, conforme alegava a acusação.

Para a Quinta Turma do STJ, a ação de ocultar cadáver prevista no artigo 211 do Código Penal só é permanente quando se depreende que o agente responsável espera, em um momento ou outro, que o corpo, objeto jurídico do crime, venha a ser encontrado. Quando a ocultação praticada há 49 anos ainda não foi desvelada, não há viés temporário. Não pode, portanto, ser classificada como permanente.

Data máxima vênia de entendimento contrário, estar-se—ia diante de um crime permanente.

O Ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar em sede de Reclamação 18.686, para determinar a suspensão de ação penal contra cinco militares acusados de envolvimento no desaparecimento e na morte do deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971.

Naquela denúncia o Parquet entendeu que houve a prática de homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver, associação criminosa e fraude processual.

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Em análise preliminar do caso, o relator argumentou que o recebimento da denúncia pelo juízo de primeira instância mostra-se incompatível com a decisão do STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, que considerou constitucional a Lei 6.683/1979 (Lei da Anistia).

“São relevantes os fundamentos deduzidos na presente reclamação. Em juízo de verossimilhança, não há como negar que a decisão reclamada é incompatível com o que decidiu esta Suprema Corte no julgamento da ADPF 153, em que foi afirmada a constitucionalidade da Lei 6.683/1979 (Lei de Anistia) e definido o âmbito da sua incidência (crimes políticos e conexos no período de 02/09/1961 a 15/08/1979, entre outros)”, assinalou o relator.

O ministro ressaltou que a decisão na ADPF 153 tem eficácia erga omnes – para todos – e também efeito vinculante, o que possibilita exigir seu cumprimento por meio de reclamação.

Não é incidente a reclamação, um writ constitucional, que visa fazer respeitar a competência de tribunal em matéria e ainda as decisões dele emanadas.

Data vênia e com o devido respeito, a decisão não transitou em julgado que está sujeito a recurso no duplo efeito.

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Sabe-se que o efeito suspensivo do recurso tem início com a publicação da decisão impugnável por recurso para a qual a lei prevê efeito suspensivo e termina com a publicação da decisão que julga o recurso.

As eficácias suspensivas do efeito suspensivo são todas destinadas para a não executoriedade da decisão impugnada. Parcela significativa, aliás, da doutrina entende serem decorrências das eficácias do efeito suspensivo, além da não - executoriedade do comando que emerge da decisão impugnada, o adiamento da formação da coisa julgada formal e material e o prolongamento da litispendência. Estas últimas eficácias são decorrência do efeito devolutivo do recurso, que retorna a matéria a julgamento.

O tema, pois, deve voltar à discussão no Supremo Tribunal Federal, uma vez que existe um recurso aguardando julgamento e não há data marcada para a Corte voltar a debater o assunto.

Necessário lembrar as palavras da juíza federal Nair Cristina Corado Pimenta de Castro, da Subseção de Marabá, que decidiu receber denúncia formulada sob o fundamento da prática do crime de sequestro qualificado de seis desaparecidos na Guerrilha do Araguaia no ano de 1974 durante a ditadura militar mesmo diante da Lei da Anistia.

Disse ela que: ¨como ato de perdão, é ato que se volta ao passado, é tomada de posição de quem olha para trás e se determina a esquecer, a desconsiderar o que passou. Na hipótese dos autos, entretanto, está-se diante de algo que não passou, de evento que, em tese, não ficou no passado, antes perdura até que os indícios de sua permanência sejam suplantados por elementos evidenciadores de sua cessação.¨

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Falo do crime de ocultação de cadáver.

Prevê o artigo 211 do Código Penal:

Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

A destruição é a primeira modalidade do crime em discussão. Destrói-se um cadáver, queimando-o, tratando-o por processos químicos, por ação compreensiva, esmagamento, etc, mesmo que não seja possível reduzi-lo a detritos ou resíduos.

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A segunda modalidade envolve a subtração que significa tirar a coisa da esfera de proteção, guarda ou disponibilidade de outrem. Como revela Magalhães Noronha (Direito Penal, volume III, 10ª edição, pág. 92) é a retirada do cadáver da situação normal e regular em que se encontra, sob a proteção da família, parentes, amigos, vigias do cemitério etc. Mas não se exige o apossamento como no furto. O crime pode ser cometido por guardas, vigias do necrotério, parentes do defunto etc.

Ocultar equivale a esconder, fazer desaparecer o cadáver sem destruí-lo. É conhecida a lição de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VIII, pág. 73) distinguindo a ocultação da subtração de cadáver, ensinou que aquela somente pode ocorrer antes do sepultamento; pressupõe que o cadáver ainda não se ache no lugar de seu destino. Nessa lição tem-se que a ocultação só pode ocorrer antes da inumação, mas pode a subtração pode dar-se antes ou depois do sepultamento, pois se durante um velório, pessoas tiram o corpo do ataúde e fogem com ele, haverá subtração.

É crime de ação múltipla, sendo que a prática das várias ações mencionadas no tipo penal dá lugar apenas a um delito.

O crime pode ocorrer no cemitério, no hospital, em logradouro público etc.

O cadáver é o corpo humano privado de vida, morto. Para Magalhães Noronha (obra citada, pág. 93), cadáver é o corpo que conserva a aparência ou a forma humana. Não se inclui nesse contexto a vítima de um grande esmagamento, em que os ossos fossem triturados, ficando reduzido, de todo, a uma pasta informe e irreconhecível. Já se decidiu que, para fins do artigo 211 do Código Penal, os restos humanos em estado de quase completa esqueletização não são considerados cadáver (RT 479/304).

Não será cadáver o esqueleto (a Lei italiana refere-se a cinzas humanas), a múmia, que pode ser objeto de crime de furto. As cinzas humanas não são cadáver nem partes dele, sendo resíduos de combustão.

A destruição a que se refere o artigo 211 do Código Penal não é apenas de todo cadáver senão de parte dele (RT 526/350). Assim não ficarão excluídos da tutela legal os membros, o tronco, que, ás vezes, são sepultados (oriundos de sinistros aeronáuticos, ferroviários etc quando os corpos se despedaçam).

Para Magalhães Noronha (obra citada) já o mesmo não acontece, em se tratando de braço, ou perna amputados, partes do corpo vivo.

Não se reconheceu esse crime, no caso da condução de um corpo de um lugar para outro, para despistar a polícia (RT 275/144).

O elemento subjetivo do crime é o dolo que não será específico.

Para a consumação do crime não se exige a destruição total do cadáver. Há destruição se lhe arrancam a cabeça e os membros, deixando incólume o tronco, como bem lecionou Magalhães Noronha (obra citada, pág. 94). Na subtração, consuma-se o delito, com a tirada do corpo de sua esfera ou órbita de proteção e tutela. Na terceira modalidade – ocultação – consuma-se o crime tão logo haja o desaparecimento do cadáver. Já se entendeu que se configura a destruição mesmo que seja só de parte do cadáver (RT 526/350). O Supremo Tribunal Federal decidiu que retirar o cadáver do local onde deveria permanecer e conduzi-lo para outro em que não será normalmente reconhecido, configura-se, em tese, o crime de ocultação (RT 784/530), tratando-se de crime permanente que subsiste até o cadáver ser descoberto. Porém, já se entendeu que não se tipifica se o agente, imediatamente após haver escondido o cadáver, comunica o fato à autoridade, pois não procurou manter a ocultação, o que revela ausência de dolo (RT 552/361).

Se a destruição é de várias partes do cadáver o crime é único. Se alguém destrói vários cadáveres pratica diversos crimes.

Com relação ao início do prazo da prescrição da pretensão punitiva, dispõe o artigo 111, III, do Código Penal, que nos crimes permanentes, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr, do dia em que cessou a permanência. Assim o crime de sequestro referenciado não estaria abarcado pelo marco temporal da Lei de Anistia de 1979, uma vez que o delito segue sendo perpetuado.

Nessa visão o crime cometido não estaria colhido pela prescrição.

Se a destruição é de várias partes do cadáver o crime é único. Se alguém destrói vários cadáveres pratica diversos crimes.

Com relação ao início do prazo da prescrição da pretensão punitiva, dispõe o artigo 111, III, do Código Penal, que nos crimes permanentes, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr, do dia em que cessou a permanência. Assim o crime de sequestro referenciado não estaria abarcado pelo marco temporal da Lei de Anistia de 1979, uma vez que o delito segue sendo perpetuado.

Nessa visão o crime cometido não estaria colhido pela prescrição.

A discussão sobre o julgamento dos crimes ocorridos durante a ditadura militar parece longe de terminar, pois o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil interpôs recurso de embargos de declaração nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF 153), na qual se questiona a Lei de Anistia(Lei 6.683/79).

No pedido formulado na ADPF 153, a Ordem dos Advogados do Brasil dizia que a Lei de Anistia não deveria abranger perdão aos crimes cometidos pelos torturadores – como homicídio, desaparecimento forçado e estupro – que são crimes comuns e não de crimes políticos.

Os embargos de declaração questionam o acórdão que julgou improcedente a ADPF 153(Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), ao fundamento de que a anistia – por se tratar de pacto bilateral objetivando a reconciliação nacional, considerando o contexto histórico em que foi concedida – teve caráter amplo, geral e irrestrito. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil argumenta a ausência de enfrentamento da premissa de que os criminosos políticos anistiados agiram contra o Estado e a ordem política vigente, ao passo que os outros atuaram em nome do Estado e pela manutenção da ordem política em vigor.

Sabe-se que em relação aos vícios de contradição e omissão da decisão embargada afigura-se plenamente cabível a natureza infringente dos embargos de declaração, de modo que quando os embargos de declaração forem acolhidos para corrigir omissão ou suprir contradição, podem ter efeitos modificativos do julgado(RT 569/172). Quando se trata de corrigir omissão a decisão em embargos de declaração inova abertamente.

A Ordem dos Advogados do Brasil entende que o Supremo Tribunal Federal não se manifestou sobre a incidência da lei de anistia em relação aos crimes de desaparecimento forçado e sequestro, que possuem caráter permanente.

De toda sorte, há um entendimento de alguns de que a Lei de Anistia declarou todas essas pessoas mortas. Então, elas não estariam mais sequestradas.

Não se pode esquecer a recente condenação do governo brasileiro proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no tocante à Guerrilha do Araguaia, onde ficou determinado que o Brasil esclareça as responsabilidades penais e aplique as sanções previstas em lei pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região, que estavam envolvidas na guerrilha, no período da ditadura.

Sabe-se que há Convenções Internacionais de Direitos Humanos na matéria, assinadas pelo Brasil, que têm posição supralegal nos limites da Constituição brasileira.

Na sentença, datada de 24 de novembro de 2010, afirma-se que a Lei de Anistia de 1979, na verdade uma Lei-Medida, é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos(Pacto de São José da Costa Rica), do qual o Brasil é signatário.

Entendeu a Corte Interamericana que o Brasil não empreendeu as ações necessárias para investigar, julgar e punir os responsáveis pelo desaparecimento forçado das 62 vítimas e pela execução extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva, cujos restos mortais foram encontrados em 14 de maio de 1996.

A Lei 6.683/1979 não se aplica com relação aos chamados crimes desumanos, como assassinatos, torturas, generalizados e sistemáticos, praticados contra a população civil, como ocorreu no conflito armado durante a ditadura militar, ilícitos esses cometidos pelos agentes públicos ou pessoas que promoveram perseguição arbitrária durante o regime ditatorial, com conhecimento desses agentes.

Para a Corte Interamericana estamos diante de crimes imprescritíveis.

Diversos são os pronunciamentos, nesse sentido, que foram emitidos, em que destaco: Comitê de Direitos Humanos da ONU, em seu relatório de 2007; pronunciamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Barrios Altos; Caso Almonacid Arellano, Caso Goiburú, etc.

Ademais, decidiu-se que o Estado Brasileiro não poderá aplicar a Lei de Anistia em benefício dos autores desses ilícitos, bem como nenhuma disposição análoga, prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-se dessa obrigação.

Nessa mesma linha de pensar tenha-se o que foi dito pelo então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Ele pediu que o STF autorize a extradição do argentino Manuel Alfredo Montenegro, acusado de crimes de privação ilegítima de liberdade e tortura durante a ditadura no país vizinho. Segundo a Interpol, o então inspetor da Polícia Federal prendeu e torturou três militantes – ele tem prisão decretada pela Justiça da província de Misiones desde 2010.

Disse ele que, ¨na persecução de crimes contra a humanidade, em especial no contexto da passagem de um regime autoritário para a democracia constitucional, carece de sentido invocar o fundamento jurídico da prescrição.¨

Bem situado pelo então Procurador-Geral da República que ¨a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade constitui norma jurídica imperativa, tanto de caráter consuetudinário quanto de caráter principiológico, do direito internacional dos direitos humanos.¨

Na matéria incidem as regras do direito internacional público, que se baseia em regras comuns, do ponto de vista moral, de sorte que a tortura deva ser repudiada e punida, independente de quando tenha ocorrido.

Salientou o então Procurador-Geral da República, em sua manifestação, que o elemento determinante foi a compreensão de que a imprescritibilidade em questão constitui norma imperativa de direito internacional, tanto de natureza principiológica quanto consuetudinária, devendo ser aplicado tal entendimento ao nosso sistema jurídico.

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Foto do autor Rogério Tadeu Romano
Rogério Tadeu Romanosaiba mais

Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado. Foto: Arquivo pessoal
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