PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião|O debate da regulação da inteligência artificial no Senado

A regulação bem construída é deixar claro um ambiente para o investimento e atendimento à população, e não simplesmente tirar liberdade, sendo que resta ao Senado se equilibrar entre as demandas de empresas internacionais e às demandas da sociedade ao estabelecer limites para os danos possíveis dessa corrida tecnológica inevitável

PUBLICIDADE

convidados
Por Rodrigo Badaró e Alisson Possa

A tecnologia não negocia com o tempo, e é visível o uso e os impactos da inteligência artificial no Brasil e no Mundo. O debate regulatório avança, e o Senado Federal está próximo a dar um passo importante para a proteção dos cidadãos: após inúmeras prorrogações de votação na Comissão Temporária de Inteligência Artificial antes do recesso parlamentar em julho, o um novo texto será apresentado pelo Relator, Senador Eduardo Gomes.

PUBLICIDADE

O texto original foi elaborado em 2022 por uma Comissão de Juristas renomados no estudo da regulação de novas tecnologias, apresentado em 2023 pelo Senador Rodrigo Pacheco e aprimorado pelo Senador Eduardo Gomes, Relator na Comissão Temporária.

Com essa proximidade, as big techs, gigantes estrangeiras de tecnologia, cerram suas fileiras em ataques contra o texto, tentando manter o mercado brasileiro livre de limites para sua atuação. Uma das táticas para atacar a proposta está sendo a busca de aliados no setor privado e até mesmo a sociedade civil para caracterizar o processo de construção da estrutura legal como sendo não participativo.

Cabe destacar que os interesses das gigantes de tecnologia muitas vezes não são alinhados com os interesses do setor privado brasileiro, isso porque elas possuem os algoritmos mais avançados do mundo e um volume absurdo de capacidade financeira, e uma das estratégias comerciais é a venda do acesso para empresas de outros países. Assim, há uma quase relação de consumo com falta de equilíbrio na relação econômica, já que elas ditam os termos que deverão ser aceitos pelos empreendedores brasileiros. Não é raro, para quem atua no segmento, encontrar minutas de contratos em que uma big tech fornece o acesso à algoritmos para treinamento com base de dados redigidos em inglês, com a escolha de jurisdição para a discussão dos termos contratuais nos Estados Unidos e com cláusulas que podem acabar por prejudicar o negócio do empresário brasileiro à longo prazo, tal como a possibilidade de transferências dos dados para terceiros sem a especificação destes.

O Senado Federal laborou com acerto, promovendo transparência e principalmente ampla participação da sociedade, sendo que em 2023 e 2024 foram realizadas dezenas de audiências públicas contanto com a participação de associações representantes de todos os setores da economia, da academia e do terceiro setor. Cabe destacar a participação, inclusive, de Time’i Awaete, representante do Instituto Janeraka em nome de comunidades indígenas, no dia 25/10/2023, que expressou a preocupação com a extração de matéria-prima na Amazônia para a cadeia de produção de dispositivos de tecnologia, o que resultou em inserções para proteção do meio ambiente.

Publicidade

Destacam-se alguns pontos de preocupação em comum: (i) a estrutura de IAs de alto risco; (ii) a previsão de um novo regime de responsabilidade civil; (iii) a previsão de uma autoridade reguladora sem participação de autoridades setoriais, (iv) inexistência de estímulos para pesquisa e desenvolvimento, principalmente por startups e pela academia; (v) a falta de previsões voltadas para a proteção do mercado de trabalho e (vi) inexistência de proteções para direitos autorais para coleta e uso de dados para treinamento de IAs.

Com efeito, considerando essas preocupações, um substitutivo foi apresentado pelo Relator, onde as seguintes mudanças foram observadas: (i) substituição de um rol de tecnologias de alto risco por critérios para fixação por autoridade competente; (ii) mudança no regime de responsabilidade civil; (iii) criação de um Sistema para a regulação do tema com participação de órgãos reguladores setoriais sob a coordenação de uma autoridade a ser designada pelo Poder Executivo; (iv) previsão legal para a criação de sandboxes regulatórios para pesquisa e desenvolvimento; (v) medidas a serem tomadas pelo poder público para diminuir o impacto negativo no mercado de trabalho e (vi) estabelecimento de um regime de proteção de direito autoral que busca proteger os cidadãos brasileiros na utilização indevida de suas obras intelectuais e dados não pessoais.

Desde então, seguiu-se a mesma dinâmica: um novo texto é apresentado incorporando as sugestões e são realizadas novas rodadas de audiências públicas para avaliação, além do envio permanente de contribuições. Foram três Relatórios com modificações substanciais, todas de acordo com as demandas das entidades que buscam contribuir, apresentados entre 07/06/2024 e 04/07/2024.

A liberdade é direito essencial, o estimulo a tecnologia e desenvolvimento é o que gera riqueza a uma nação, e regular de forma consciente não é neofobia, mas a forma que o Estado tem e na verdade um dos seus principais papeis, de estabelecer limites mínimos que preservem um equilíbrio entre os princípios constitucionais. Como o antigo aforismo, a liberdade total dos lobos é a morte dos cordeiros.

Por fim, um novo texto deve ser apresentado, e fica evidente que houve preocupação em estabelecer mecanismos de segurança e transparência, dentro de uma visão participativa de vários agentes. A regulação bem construída é deixar claro um ambiente para o investimento e atendimento à população, e não simplesmente tirar liberdade, sendo que resta ao Senado Federal se equilibrar entre as demandas de empresas internacionais e às demandas da sociedade ao estabelecer limites para os danos possíveis dessa corrida tecnológica inevitável, e com regras, salutar...

Publicidade

Convidados deste artigo

Foto do autor Rodrigo Badaró
Rodrigo Badarósaiba mais
Foto do autor Alisson Possa
Alisson Possasaiba mais

Rodrigo Badaró
Advogado e Conselheiro Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Foto: Arquivo pessoal
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.