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Opinião|O desfecho previsível da Americanas

A atuação das áreas de compliance deve buscar um olhar para os indivíduos, abranger perspectivas para criação de ambientes profissionais que estimule padrões éticos e de integridade, no sentido de fortalecer os valores e princípios organizacionais e minimizar situações que possam ser contrárias a eles

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convidado
Por Célia Regina Lima Negrão
Atualização:

O rombo de incalculáveis bilhões da Americanas, que tomou conta da mídia nos últimos tempos, remete ao clássico de Tom Jobim “Eu nasci assim, eu cresci assim. E sou mesmo assim, vou ser sempre assim. Gabriela, sempre Gabriela!”.

As fraudes contábeis descobertas no balanço financeiro da empresa não são novidades no mercado mundial e há uma percepção generalizada de que será sempre assim, até que as práticas de gestão e de governança ampliem os horizontes.

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Os escândalos só mudam de endereço, há também mudanças nos tipos de contas e lançamentos realizados nos balanços patrimoniais, objeto de constantes fraudes, porém, muitos casos semelhantes de corrupção já existiram e levaram inúmeras empresas à falência, a exemplo da Eron e a Worldcom.

No caso da Americanas, em janeiro de 2023, publiquei o artigo “O que a Americanas S/A nos ensina sobre governança e compliance?” e abordei que este caso poderia ser um novo escândalo de fraude contábil, pois não havia comprovação de qualquer fraude, apesar de apresentar fortes indícios, tendo em vista o alto valor contabilizado de forma “equivocada” nos balanços, sem que qualquer agente da governança, auditores ou mesmo órgãos de fiscalização percebessem.

Recentemente, tudo foi revelado, houve a fraude e ela é maior do que se previa, sendo considerada uma das maiores fraudes contábeis do país, calculada em quase 26 bilhões de reais, com a participação de vários membros da Alta Administração, envolvidos diretamente no esquema fraudulento destinado a alterar os resultados da empresa para obtenção de vantagens indevidas, dentre outros crimes.

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Assim, muitas perguntas insistem em incomodar, pois até quando teremos líderes que agem em causa própria em detrimento das organizações que representam? Até quando os códigos de ética organizacionais serão rasgados e jogados ao vento?

É habitual afirmar que, em casos como este, “percebe-se a ausência de avaliações de riscos” ou “as práticas de compliance não eram robustas o suficiente” e “tais decisões não obedeceram os princípios de transparência, prestação de contas e responsabilidade”, etc.

Sim, tudo isto é verdade, porém, é necessário conciliar esta racionalidade de avaliações, controles objetivos, métricas de compliance e avançar em estudos e reflexões que contemplem o entendimento por trás do comportamento humano, no qual líderes vindos das mais conceituadas escolas de formação de lideranças, cometem ilícitos de todas as ordens e, não são situações isoladas ou eventuais, isto acontece em todo o mundo, o fenômeno da corrupção é global e há anos os países tentam se unir para prevenir e combater este mal.

Como exemplo, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, da ONU, considerada o mais abrangente tratado internacional sobre prevenção e combate à corrupção, em suas primeiras linhas, escritas há mais de duas décadas já contemplava a preocupação crescente com os impactos advindos da corrupção: “Preocupados com a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção, para a estabilidade e a segurança das sociedades, ao enfraquecer as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça e ao comprometer o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito”(...).

Portanto, é urgente ampliar os estudos sobre práticas e possibilidades adicionais de atuação de compliance, pois os métodos tradicionais de prevenção e combate a corrupção, sozinhos, ainda não são suficientes para combater a corrupção, a exemplo da atuação dos líderes, investigados no caso da Americanas, que demonstra a orientação destes profissionais a valores não condizentes com a moralidade e a integridade, independentemente, se estão sujeitos a duras regras de governança e compliance estabelecidas pelo mercado.

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Neste contexto, as pesquisas apresentadas no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial – “Mente, Sociedade e Comportamento”, publicado pelo Banco Mundial, sugerem a necessária consideração quanto ao entendimento sobre as influências psicológicas, sociais e culturais na tomada de decisão e no comportamento humano.

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Estas pesquisas são fundamentais para os temas “integridade” e “ética”, pois os resultados demonstram o quanto estas influências têm impacto significativo na tomada de decisão e na forma como as pessoas atuam no dia a dia profissional. Assim, atuar com ações que promovam influências positivas no comportamento humano é fundamental.

É preciso ir além: entender de pessoas e trazê-las ao centro do debate. Por exemplo, quando um líder toma uma decisão está colocando em prática valores que leva consigo, um equívoco na integridade moral ou mesmo um descuido em viver de acordo com regras morais aceitáveis tem um impacto significativo no resultado econômico, com graves danos reputacionais e financeiros às organizações.

Diante disto, a atuação das áreas de compliance deve buscar um olhar para os indivíduos, abranger perspectivas para criação de ambientes profissionais que estimule padrões éticos e de integridade, no sentido de fortalecer os valores e princípios organizacionais e minimizar situações que possam ser contrárias a eles.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Célia Regina Lima Negrão
Escritora, produtora de conteúdo digital de compliance e riscos e empregada pública dos Correios. Especialista em Governança e Compliance, Estratégia, Lei de Proteção de Dados e Direito Trabalhista. Foto: Inac/Divulgação
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As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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