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Opinião|O direito de acessar a Justiça sem sofrer retaliação

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convidado
Por Márcio Nogueira*

Quando estabeleceu o princípio do amplo acesso à Justiça, o constituinte originário, mais do que abrir as portas do Judiciário, pretendia proteger as pessoas de retaliações por peticionar aos tribunais. Reivindicar direitos é uma prerrogativa inegociável dos cidadãos nos regimes democráticos, que não deve ser alvo de ofensivas de quem eventualmente se desagrade do processo judicial.

Márcio Nogueira Foto: Arquivo pessoal

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O inciso 35 do artigo 5º da Constituição é de uma clareza elementar: “a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Em outras palavras, aquele que sofre violações age legitimamente ao, por meio de seus advogados, recorrer à Justiça para pacificar controvérsias que não pôde resolver por si só. Se tiver razão, fundamentada em fatos e provas, ganhará a causa; se não, o veredicto será contrário à pretensão.

A disposição constitucional é absolutamente equilibrada: ninguém terá obstado o exame de sua demanda por um juiz competente; contudo, sujeita-se ao ônus de uma decisão indesejada – e, sobretudo, a depender da situação, na hipótese de derrota, a arcar com as custas judiciais. Tais medidas, somadas à possibilidade de aplicação de multa, bastam para afastar a litigância de má-fé, que tanto prejudica a prestação jurisdicional.

Aqueles que atuam em conformidade com os marcos legais nada têm a temer nos tribunais; afinal, poderão provar a correção de suas ações e desfazer os mal entendidos que levaram ao conflito. Nesse sentido, além de uma afronta expressa à Constituição, represálias configuram uma verdadeira admissão de culpa de quem se sabe incapaz de obter a vitória pela via adequada.

Infelizmente, esse é o cenário enfrentado por Rondônia, que sofre com a baixa disponibilidade de voos – e com a carestia dos bilhetes –, porque a população local teria o hábito de buscar o Judiciário quando se vê afetada por atos ou omissões das companhias aéreas. O quadro parece absurdo, todavia, corresponde à realidade, porquanto existe uma retirada sistemática de voos provenientes do Estado ou com destino a suas cidades, intensificando o isolamento dos rondonienses, cada vez mais apartados do Brasil.

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Relatos de voos cancelados e de abuso na cobrança de tarifas são contumazes, o que lesa os homens e mulheres que precisam se deslocar por avião em um lugar em que o transporte terrestre é geograficamente difícil. A orquestração, que visa atingir o povo rondoniense de maneira difusa, foi revelada em comunicados públicos das próprias empresas, que atribuem a diminuição da oferta de voos a um suposto índice elevado de processos judiciais em Rondônia – o qual, na verdade, se existir de fato, apenas refletirá a má qualidade dos produtos e serviços comercializados.

A advocacia tem feito o seu papel de defender o direito dos cidadãos de receber um tratamento adequado – e, acima de tudo, de socorrer-se no Judiciário caso tenha suas garantias usurpadas. No âmbito da seccional de Rondônia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RO), apresentamos denúncia à Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e interpelamos companhias aérea para que resolva o impasse.

É inaceitável o esforço de certos setores para carimbar iniciativas que os contrariem com a pecha de “advocacia predatória”. Ora, o grande volume de processos (e de condenações, por consequência) revela o diagnóstico exato da doença: a má prestação de serviços em série. O problema não reside na advocacia diligente, nem o remédio exige a queda de ações na Justiça – o que somente perpetuaria esse estado de abusos.

O nosso desejo é que todos os cidadãos possam programar seus compromissos com um mínimo de previsibilidade – mesmo que para isso seja preciso condenações mais severas. Ir e vir é um direito de todos, que não pode se vergar a discriminações ou penalizações indevidas. Sem mobilidade e conectividade, os negócios acabam impactados e a geração de novas oportunidades definha. A limitação do acesso ao transporte aéreo, baseada em um pretexto execrável, atenta não apenas contra as garantias dos cidadãos rondonienses, mas também contra o desenvolvimento econômico e social da região.

*Márcio Nogueira, advogado e presidente da OAB de Rondônia (OAB-RO)

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