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O drama da casa própria

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Por José Renato Nalini
José Renato Nalini. FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO  Foto: Estadão

A moradia, para os brasileiros, é um direito fundamental. Não constava na Constituição Cidadã em 5.10.1988, mas resultou de emenda elaborada pelo constituinte derivado. Só que estamos no Brasil. Nem sempre a inclusão de um novo direito numa Constituição que já chegou a cento e vinte e oito emendas - até dezembro de 2022 - além das seis de revisão, significa real possibilidade de sua fruição. Pois somos pródigos em declarar bens da vida. Miseráveis na garantia de que eles valham para todos.

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Recente pesquisa apurou que os brasileiros aspiram pela casa própria ou pela ampliação daquelas que já têm. Ressalvada a hipótese daqueles que ficaram sozinhos e precisam de ambientes menores, a maioria pretende adquirir residências maiores.

A intenção de compra mostra que 4% dos pretendentes já começaram a visitar imóveis e stands de vendas. Outros 7% procuram apenas na internet. 20% têm intenção de comprar, mas ainda não iniciou a busca do imóvel certo. E 69% não têm a intenção de adquirir imóvel.

Por que esse percentual tão elevado dos que não pretendem adquirir residência? O problema está no crédito. O financiamento não é fácil. Pois a taxa básica de juros passou de 2% a 13,75%, em apenas um ano. Resultado da tentativa de inibir a inflação, monstro que as novas gerações não conhecem bem, mas que flagelou as anteriores.

É legítima a aspiração à casa própria. O teto faz parte da dignidade humana. Por isso repito, qual mantra, que os moradores de rua deveriam ser retirados para que morassem dignamente. Dormir na rua, comer na rua, defecar na rua, higienizar-se na via pública não integra o mínimo existencial em dignidade humana.

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Para os brasileiros, sair do aluguel - dinheiro que não satisfaz o locador e sacrifica o inquilino - é o fator de maior relevância quanto à intenção de compra: 33%. A procura de um imóvel maior leva 20% a procurar casa ou, preferivelmente, apartamento. 10% pretendem morar sozinhos. 7% procuram casa em virtude do casamento, assim como mudar de região e a busca de imóvel mais novo estão em idêntica percentagem. Já 16% dos pretendentes alegam outros motivos.

E o que os impede do sonho da casa própria ou da casa dos sonhos: 67% culpam a situação financeira, 63% alegam incerteza sobre aumento de renda, 58% invocam a situação do Brasil. Para 53% dos interessados, o desemprego e a mudança de governo dificultam essa aquisição. Instabilidade profissional preocupa 51% daqueles que declaram o seu interesse em adquirir imóvel.

O dinheiro da poupança é que alavanca a construção de novos imóveis. Mas entre janeiro e outubro de 2022, a captação líquida da desprestigiada poupança registrou a considerável quantia de oitenta e dois vírgula dois bilhões de reais negativos. Houve uma corrida da poupança, o que resultou em queda de doze por cento no volume de financiamentos e de dezesseis por cento no número de imóveis financiados.

Espera-se que junto com a volta do programa "Minha Casa Minha Vida", o novo governo também adote estratégias que melhorem o crédito. Intensificar essa política estatal da maior relevância implica também no incentivo à construção civil, a indústria que mais promove abertura de empregos e movimenta o mercado, o que também é urgente em 2023.

Acena-se com medidas como o financiamento na planta, juros pagos na obra e saldo devedor mais controlado. Maior uso de recursos do FGTS, principalmente o FGTS Futuro, a ser propiciado a famílias com renda mensal bruta de, no máximo, R$ 2.400.

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O governo, em suas três esferas, tem de chamar a iniciativa privada para participar da definição das táticas que levem à construção de unidades residenciais de preço acessível ao bolso da maior parte dos desprovidos de moradia, assim como de planos de financiamento razoáveis, que considerem a situação de penúria e de inadimplência da parcela mais necessitada de contar com um imóvel próprio.

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Afinal, o Estado tem de prestar um serviço compatível com o ideal moral. Depende do governante, apesar das condicionantes de um sistema político-partidário caótico, transformar o Estado em centro de simpatia e cooperação. Isto só tem acontecido em tempo de guerra, mas não é muito diferente a situação brasileira neste 2023: milhões passando fome, milhões sem emprego, milhões sem saneamento básico, milhões sem teto.

Assente que o fim do Estado é hoje uma utopia, deve-se concebê-lo como uma associação que deve favorecer certos fins que se projetam além de sua própria existência e que esses fins não prescindem da participação humana. É para os homens e seus objetivos que o Estado existe. É mister dos homens de boa vontade lembrar o governante de que essa é a regra inescusável a presidir uma gestão.

*José Renato Nalini é diretor-geral da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras

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