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'O estímulo é a própria proibição', alerta Cristiano Maronna

Diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais defende, após dez anos de vigência da Lei de Drogas, descriminalização para uso pessoal, como ocorre em vários países

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Atualização:
 Foto: Estadão

Dez anos após a edição da Lei de Drogas - que regulamenta os aspectos criminais e administrativos do controle das drogas -, o Brasil ainda enfrenta muitos desafios para lidar com o comércio ilegal de entorpecentes. Para o diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, advogado Cristiano Maronna, desde 2006 o número de presos por tráfico no País cresceu 162%, mas o acesso às drogas nunca foi tão fácil e barato.

Na avaliação de Maronna, um estudioso do assunto, a legislação avançou muito pouco e deveria prever a descriminalização das drogas para uso pessoal, como ocorre em vários países do mundo. "A verdade é que o estímulo é a própria proibição", alerta o especialista.

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Confira a entrevista de Cristiano Maronna ao Estadão.

ESTADÃO: Quais avanços a Lei Antidrogas trouxe?

CRISTIANO MARONNA: Minha avaliação é que ela avançou muito pouco. Foi lançada em 2006, a grande novidade era o fato de que usuários deixaram de ser punidos com prisão. E, apesar desse aparente avanço, o que a gente percebe 10 anos depois é que usuários estão sendo condenados como traficantes, e isso fez explodir o superencarceramento.

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Hoje temos 630 mil presos no Brasil, dos quais mais de um quarto estão lá por conta da lei antidrogas. Já somos a quarta maior população prisional do planeta. No caso das mulheres, 70% das mulheres encarceradas respondem por tráfico de drogas ou já estão condenadas por tráfico.

Então, assim, o maior problema da lei é o fato de que a pessoa flagrada com droga passa ter o ônus de provar que não é traficante. O que contraria a regra constitucional que diz que as pessoas devem ser presumidas inocentes e que quem tem o ônus de provar a acusação é o Ministério Público. No caso da Lei de Drogas acontece uma inversão do ônus da prova que viola a Constituição.

ESTADÃO: A própria lei prevê isso?

CRISTIANO MARONNA: A lei prevê duas figuras, o usuário e o traficante. O usuário é aquele que tem droga para consumir pessoalmente, o traficante é aquele que tem intuito de lucro, é aquele que age pensando em ganhar dinheiro, uma intenção comercial. Como na prática, muitas vezes, a situação de um e de outro são parecidas, porque às vezes a pessoa está andando na rua com uma quantidade muito pequena e você não vai saber exatamente qual é a destinação. Essa dúvida deveria ser resolvida em favor do acusado, mas o que a gente percebe é que juízes e tribunais acabam achando maneira de condenar por tráfico de drogas. Isso faz com que usuário sejam condenados por tráfico na base da presunção.

ESTADÃO: Em que aspecto a lei deixou a desejar?

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CRISTIANO MARONNA: Acho que a lei deveria seguir as tendências que existem no mundo todo, e deixar de criminalizar a posse para uso pessoal. Na América Latina só Brasil, Suriname e Guiana incriminam a posse de drogas para uso pessoal, todos os outros países já descriminalizaram. Nos Estados Unidos a maior parte dos Estados também não criminaliza a posse para uso pessoal, na Europa, no México. Enfim há uma tendência mundial de flexibilização das políticas de drogas.

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Mas, infelizmente, no Brasil o conservadorismo é enorme. Assim como nós fomos o último País a abolir a escravatura eu não duvido que sejamos também os últimos a mudar nossa política de drogas. Você percebe, por exemplo, quando o Supremo declarou a não hediondês do tráfico privilegiado houve uma reação enorme de alguns setores que entendem que isso significaria um estímulo ao tráfico de drogas.

A verdade é que o estímulo é a própria proibição. Ao transformar uma substância que tem demanda proibida há um mercado clandestino que monopoliza o negócio que acaba se tornando economicamente poderoso. A Lei Seca já nos ensinou isso. Então, esses dez anos de lei de drogas deverão servir pelo menos como uma reflexão. Nesses período a população prisional cresceu enormemente. O número de presos por tráfico de drogas cresceu 162% e as drogas ilegais continuam circulando livremente. Apesar de proibidas elas estão liberadas. Elas nunca foram tão acessíveis, tão baratas, tão disponíveis e tão potentes como hoje.

Esses dados deveriam servir de alerta e de reflexão para que a gente pensasse na reforma da política de drogas, na construção de uma política de drogas unificada que abrangesse toda e qualquer substância que causa mal à saúde sem proibir, garantindo acesso a todas elas, mas buscando centrar esforços na prevenção, na educação e no tratamento.

ESTADÃO - Como o Judiciário poderia contribuir para mudar esse quadro?

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CRISTIANO MARONNA: A primeira medida seria respeitar a Constituição que diz que o ônus de provar a acusação é do Ministério Público. Uma medida simples, que resultaria na mudança, na realidade, seria não mais aceitar nem a denúncia e, menos ainda, a sentença condenando alguém por tráfico de drogas com base em presunção.

A presunção deve ser de uso, e isso quem diz é o ministro Gilmar Mendes (do Supremo Tribunal Federal) no julgamento do Recurso Extraordinário 635659 em que se discute a inconstitucionalidade do artigo 21 da Lei de Drogas que trata justamente do crime de posse para uso pessoal. O ministro Gilmar diz que qualquer presunção que não seja de uso deve estar lastreada em provas, e o que acontece na prática não é isso.

A prática é que a pessoa flagrada com drogas é presumida traficante e só será considerada usuário se conseguir provar que não é traficante, que tem emprego, que não mora na favela, não é preto, etc.

Nós temos no tabaco um exemplo bem sucedido de política de drogas no Brasil em que não foi preciso dar nenhum tiro, declarar guerra. E não foi preciso prender ninguém. Na década de 1980, aproximadamente 35% da população adulta do Brasil fazia uso de tabaco. Passados 30 anos é menos de 15%. Então tivemos uma redução significativa no padrão de consumo apenas com medidas preventivas, apenas com educação, informação e com politicas públicas voltadas a criar restrições, como restrição de consumo em ambiente fechado.

É um exemplo bem sucedido de abordagem de política de drogas não criminal.

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