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Opinião | O filé e o osso na privatização do saneamento

Parece acertada a adoção da regionalização dos municípios como forma de viabilizar a universalização do saneamento básico no país, pois, de forma isolada, além de dificultar os municípios em acessar recursos públicos para a realização de investimentos no setor, também dificilmente auxiliará na universalização do serviço

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convidado
Por Renato Fernandes de Castro

A última semana de julho de 24 tornou-se um marco histórico com a finalização da desestatização da Sabesp. Pela bagatela de R$ 14,77 bilhões levantados pelo Governo de São Paulo, a governança da maior companhia de água e esgoto brasileira foi transferida ao controle privado ante a promessa de se tornar a maior do mundo.

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O momento é único pelo modelo de privatização adotado, pelas cifras envolvidas e porque, daqui em diante, os estados e municípios enfrentarão o desafio de atrair investimentos privados e conciliá-los em áreas rentáveis e, equanimemente, naquelas em que os investimentos precisarão ser subsidiados. É a metáfora do filé e do osso, que faz do País um território desigual no fornecimento de água potável e tratamento do esgoto.

No caso de São Paulo, uma das promessas é a antecipação das metas de universalização do acesso ao serviço de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto para 2029. Para que a mencionada antecipação ocorra nos municípios de atuação da Sabesp, far-se-á necessária a realização de investimentos vultosos pela companhia, calculados na ordem de R$ 69 bilhões, que somente será factível com a entrada do capital privado.

Com a entrada do capital privado na companhia, o estado de São Paulo terá em breve a equação da universalização resolvida. Vale lembrar que, em que pese as concessões de saneamento serem de titularidade dos municípios, é na abordagem regional que está a chave para o êxito do saneamento no Brasil.

O modelo de negócio adotado em São Paulo para antecipar metas de atendimento é um bom exemplo, pois dependeu da adesão de todos os municípios atendidos pela prestadora de serviços, divididos em 7 Unidades Regionais dos Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário (URAEs), que dadas as suas peculiaridades foram segregadas em regiões para tornar a prestação dos serviços equilibrada econômico-financeiramente e viabilizar a expansão e melhoria dos sistemas de água e esgoto.

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Vale mencionar que o Brasil dispõe ainda de uma condição bastante distante da universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Segundo levantamento feito pelo Instituto Trata Brasil, em 2022, mais de 30 milhões de brasileiros, quase 16% da população, não tinham acesso à água potável e cerca de 44,5%, à coleta de esgoto. O pior indicador é da Região Norte, com mais de 6,5 milhões de brasileiros sem água (37,6%) e quase 15 milhões (85,7%) sem coleta de esgoto, sendo que apenas 20% do esgoto coletado é tratado.

Nesse quadro, é imperativo lembrar que a Constituição Federal de 88 estabelece que a titularidade dos serviços de saneamento básico é de titularidade do município. Com o advento do novo marco legal buscou-se privilegiar o modelo regionalizado, exatamente com o intuito de viabilizar o acesso a esse serviço essencial para todos os municípios. Cidades pouco adensadas, sozinhas, dificilmente são atrativas para investimentos privados, pois dispõem de baixa capacidade econômica de pagamento.

Nesse contexto, parece acertada a adoção da regionalização dos municípios como forma de viabilizar a universalização do saneamento básico no país, pois de forma isolada, além de dificultar os municípios em acessar recursos públicos para a realização de investimentos no setor, também dificilmente auxiliará na universalização do serviço, lembrando que no ritmo atual de investimentos, somente em 2070 o País atingirá a meta de universalização. Um atraso de 37 anos, muito distante do que fora planejado entregar em 2033. Não há o que esperar.

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Renato Fernandes de Castro
Mestre em Direito Econômico pela Universidade de Lisboa, membro da Comissão de Infraestrutura da OAB-SP e sócio da Área de Energia e Infraestrutura do Almeida Prado & Hoffmann Advogados. Foi consultor da ONU e superintendente da ARSESP, Agência Reguladora dos Serviços de Energia e Saneamento de São Paulo. Foto: Arquivo pessoal
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