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Opinião|O ingresso irregular da polícia em domicílio: entendimentos do STF e do STJ

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convidado
Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:

Em cinco recursos analisados na sessão virtual encerrada em 26/4/24, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a nulidade de provas obtidas em decorrência do ingresso irregular no domicílio dos investigados.

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O colegiado reafirmou a jurisprudência do Tribunal, fixada no Tema 280 da repercussão geral, de que a entrada policial forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita quando amparada em razões que indiquem, de forma concreta e justificadas posteriormente, a ocorrência de crime.

O tema 280 ficou com a seguinte tese: “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados” .

Sabe-se que, no julgamento do (RE) 603616, com repercussão geral reconhecida, e, por maioria de votos, o STF firmou a tese de que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.

Ocorre que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, após aplicar o Tema 280 de Repercussão Geral dessa SUPREMA CORTE, foi mais longe, não só transformando um habeas corpus individual em um habeas corpus coletivo, como também estabelecendo requisitos constitucionalmente inexistentes e determinando em abstrato e com efeitos vinculantes e erga omnes a todos os órgãos da administração de segurança pública do País – estaduais, distrital e federal – verdadeira obrigação de fazer inexistente na Constituição Federal e na legislação.

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A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os agentes policiais, caso precisem entrar em uma residência para investigar a ocorrência de crime e não tenham mandado judicial, devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito.

O colegiado estabeleceu o prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e demais providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, resultar em responsabilização administrativa, civil e penal dos policiais, além da anulação das provas colhidas nas investigações.

Seguindo o voto do relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, a turma concedeu habeas corpus – requerido pela Defensoria Pública de São Paulo – para anular prova obtida durante invasão policial não autorizada em uma casa e absolver um homem condenado por tráfico de drogas. Os policiais alegaram que tiveram autorização do morador para ingressar na casa – onde encontraram cerca de cem gramas de maconha –, mas o acusado afirmou que os agentes forçaram a entrada e que ele não teve como se opor.

“A situação versada neste e em inúmeros outros processos que aportam nesta corte superior diz respeito à própria noção de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado Democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia e status social, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança”, afirmou o relator.

Segundo ele, deve ser vista com muita reserva a afirmação usual de que o morador concordou livremente com o ingresso dos policiais, principalmente quando a diligência não é acompanhada de documentação capaz de afastar dúvidas sobre sua legalidade.

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O julgamento se deu no HC 598051.

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Ao firmar o precedente, a Sexta Turma estabeleceu cinco teses centrais:

  1. Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.
  2. O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa, objetiva e concretamente, inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.
  3. O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
  4. A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo, e preservada tal prova enquanto durar o processo.
  5. A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal dos agentes públicos que tenham realizado a diligência.

A posição defendida pelo ministro Rogerio Schietti Cruz – no sentido de que a gravação audiovisual e o registro escrito da autorização do morador, além de confirmarem a licitude da prova obtida, trarão proteção tanto para o residente quanto para os policiais – teve como base precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e de cortes estrangeiras, especialmente dos Estados Unidos, da França, Espanha e de Portugal.

Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º), que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o caráter permanente do crime impõe sua interrupção imediata a fim de proteger bem jurídico e evitar danos; é dizer, mesmo diante de situação de flagrância delitiva, a maior segurança e a melhor instrumentalização da investigação –e, no que interessa a este caso, a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio –justificam o retardo da cessação da prática delitiva.

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Conforme disse Danilo Vital (Ativismo Judicial, in Consultor Jurídico, em 2 de dezembro de 2021), para o ministro Alexandre de Moraes, o STJ foi longe demais.

Foi dito ainda:

“Primeiro porque a natureza do Habeas Corpus não permite sua utilização de forma abrangente e totalmente genérica para que alcance indiscriminado a todos os processos envolvendo a necessidade de busca domiciliar em caso de flagrante delito.

“Ainda mais com a determinação de implantação obrigatória de medidas não previstas em lei e que são atinentes à organização administrativa e orçamentárias dos órgãos de segurança pública das unidades federativas”, ressaltou.

Segundo porque a decisão extrapolou a competência do próprio STJ, ao restringir as hipóteses constitucionais de inviolabilidade do domicílio, inovando em matéria constitucional. Em suma, a 6ª Turma criou uma nova exigência – a gravação audiovisual da autorização do morador - não prevista no artigo 5º, inciso XI da Constituição.”

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Segundo o ministro Alexandre, o STJ “não observou os preceitos básicos definidos no artigo 2º do texto maior, que consagram a independência e harmonia entre os Poderes e garantem que, no âmbito do mérito administrativo, cabe ao administrador público o exercício de sua conveniência e oportunidade”.

Disse naquela ocasião o ministro Alexandre de Moraes:

“Ocorre, entretanto, que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, após aplicar o Tema 280 de Repercussão Geral dessa SUPREMA CORTE, foi mais longe, não só transformando o presente habeas corpus individual em um habeas corpus coletivo, como também estabelecendo requisitos constitucionalmente inexistentes e determinando em abstrato e com efeitos vinculantes e erga omnes a todos os órgãos da administração de segurança pública do País – estaduais, distrital e federal – verdadeira obrigação de fazer inexistente na Constituição Federal e na legislação, como se verifica nos itens 7.2,12 e 13 da Ementa do referido julgado....”

A conclusão no recurso extraordinário é de parcial provimento para afastar do acórdão somente a parte referente à necessidade de gravação policial da autorização para entrada em domicílio.

No caso concreto, o paciente do Habeas Corpus continua absolvido, em virtude da anulação das provas.

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A decisão do ministro Alexandre de Moraes foi dada no âmbito do RE 1.342.077.

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Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado. Foto: Arquivo pessoal
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