O presidente Jair Bolsonaro criticou nesta semana o poder quase que monárquico conferido às agências reguladoras. Ao colocar em xeque a sua atuação, o presidente reafirmou a autonomia dos órgãos, mas fez questão de salientar que 'o jogo do Poder em Brasília' atrapalha negociações em diversas áreas.
A afirmação do presidente aconteceu após questionamento sobre os altos preços da energia elétrica no Brasil. O sinal de alerta ligado por Bolsonaro sobre a atuação das agências coincide com uma recente ação abrupta tomada, exatamente, pelo órgão que regula o setor de energia elétrica brasileiro.
Em outubro, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) editou a Resolução Normativa 482 que prevê taxação de mais de 60% sobre o setor de energia solar. Se confirmada, a revisão das regras proposta de forma unilateral pela Aneel vai inviabilizar os investimentos e o consequente desenvolvimento deste setor que, entre outros benefícios econômicos, sociais e ambientais, torna o sistema energético do país mais eficiente.
Apenas no mês de novembro, por exemplo, a produção de energia solar em forma de Geração Distribuída apresentou uma redução de custo da ordem de R$ 66 milhões para o sistema elétrico brasileiro.
Com o risco sistêmico de impactar decisivamente todo um segmento em franca evolução, com previsão de crescimento de 50% para 2019, o movimento da Aneel também ataca diretamente um dos pontos centrais da estratégia adotada pela equipe econômica do Governo - a viabilização de uma economia mais liberal, com incentivo ao livre mercado, a liberdade econômica e o empreendedorismo com menos interferência estatal.
Jogar luz sobre a atuação das agências reguladoras não é uma exclusividade do Poder Executivo. Nesta semana, foi protocolado na Câmara dos Deputados um requerimento para a criação da CPI da Aneel, que já conta com o apoio de cerca de 200 parlamentares.
Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) também tem colocado sua lupa sobre as normas de regulação e governança adotadas pela agência. Do total de 657 casos julgados pelo tribunal sobre as agências reguladoras, 20% são referentes às ações da Aneel.
Os dados são de estudo do Observatório do Controle da Administração Pública, coordenado pelo Grupo Público da FGV Direito, um trabalho conjunto de professores da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e da USP (Universidade de São Paulo). O foco do TCU é checar a conformidade legal dos procedimentos adotados, assim como o mérito das decisões.
Ao queixar-se sobre a atuação das agências, o presidente Bolsonaro levantou a questão dos interesses envolvidos nas decisões dos órgãos reguladores. Esse tema deve estar no cerne da discussão.
Em um país vocacionado para a produção de energia solar como o Brasil, com extensão territorial continental e que possui a terceira maior taxa de irradiação solar do mundo, os interesses por traz da ação de um órgão regulador, que levará todo o setor de energia solar ao colapso, devem ser questionados.
A atuação da Aneel neste caso, além de gerar prejuízo aos consumidores, age em detrimento de uma indústria incipiente que representa apenas 1 % da energia gerada no país e que é formada, em grande parte, por pequenas empresas e microprodutores residenciais que adquiriram a tecnologia de painéis fotovoltaicos para consumo próprio.
A resolução atende apenas aos interesses de grandes empresas termelétricas e das distribuidoras, que poderão manter o brasileiro como cliente cativo e assegurar o monopólio da venda de energia elétrica ao consumidor final.
A transparência deve ser parte fundamental do processo. No início da discussão sobre a Resolução 482, a Aneel descartou uma série de contribuições da cadeia produtiva do setor de energia solar. O prazo final da consulta pública termina no próximo dia 30 de dezembro e, mais uma vez, o setor se articula e apresenta um documento com mais de 150 páginas para evitar a extinção de uma atividade na qual o Brasil tem tudo para se tornar referência mundial.
Resta saber se a Aneel ficará do lado da sociedade ou das distribuidoras e se tomará, mais uma vez, uma decisão totalitária sem ouvir as demandas do setor de energia solar e sem passar pelo crivo da sociedade.
*Heber Galarce, relações governamentais da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) e membro do grupo de trabalho SOS Geração Distribuída
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