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O mecanismo de ajuste de fronteira (CBAM) da União Europeia e as exportações brasileiras

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Por Vera Kanas
Atualização:
Vera Kanas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No âmbito do Acordo de Paris, assinado em dezembro de 2015, os países signatários assumiram compromissos para reduzir as emissões de carbono na atmosfera, com o objetivo de frear o aquecimento global até 2050.

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Para atingir esse objetivo, a União Europeia anunciou, em dezembro de 2019, o "European Green Deal", que propôs a redução das emissões de gases de efeito estufa em, no mínimo, 55% em comparação aos níveis de 1990, até 2030. As reduções pretendidas seriam alcançadas pela revisão das suas políticas relacionadas ao clima, energia, transporte e tributação - o que foi denominado "Fit for 55 Package".

É nesse contexto que se insere a Proposta de Regulação do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu para a criação de um mecanismo de ajuste de fronteira (carbon border adjustment mechanism, "CBAM"), apresentada pela Comissão Europeia, em 14 de julho de 2021.

O CBAM foi concebido partindo-se da premissa de que as contribuições para mitigar as mudanças climáticas anunciadas pelos demais Estados Partes do Acordo de Paris revelam níveis de ambição mais baixos que os da União Europeia. As diferenças entre as políticas climáticas, traduzidas em diferentes preços pelo carbono emitido, poderiam levar a uma "fuga de carbono" ("carbon leakage").

O risco de fuga de carbono se concretiza pelo deslocamento da produção para países mais lenientes com relação às emissões de carbono, e pelo aumento das importações, pelos europeus, de produtos intensivos em carbono fabricados em tais países, prejudicando o cumprimento das metas europeias sob o Acordo de Paris, além de resultar no aumento global de emissões.

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O CBAM teria por propósito fazer com que o preço das importações na União Europeia reflita de maneira mais precisa o conteúdo de carbono embutido no produto, mitigando-se o risco de fuga de carbono, de modo a evitar que os esforços de redução de emissões no bloco tenham eficácia ameaçada por emissões crescentes fora do bloco. O CBAM se aplica às importações de praticamente todos os países fora da União Europeia.

A primeira fase de implementação do CBAM se aplica às importações dos produtos em que se considera que há maior risco de fuga de carbono: cimento, eletricidade, fertilizantes, ferro, aço e alumínio. Espera-se que, no futuro, o CBAM seja estendido para outros setores.

O CBAM é operacionalizado pela aquisição, pelos importadores europeus, de certificados com base nas emissões de carbono efetivas por parte dos produtores estrangeiros, embutidas no produto importado. Um certificado CBAM corresponde a uma tonelada de emissões. O preço do certificado deve refletir o preço de mercado do carbono, e é publicado semanalmente no website da Comissão Europeia.

Os certificados CBAM representam um custo extra do produto importado. Mas note-se que o CBAM não estabelece um limite em termos de volume de importações, nem restringe o comércio.

A Proposta para o CBAM tem o mérito de colocar em discussão o papel do comércio internacional para a eficácia do cumprimento das metas assumidas no âmbito do Acordo de Paris. A lógica aplicada ao CBAM é a de que o europeu é livre para trazer produtos intensivos de carbono de qualquer origem, desde que pague o sobrevalor cumprindo o papel de regulador do mercado.

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De fato, os esforços de um determinado país em favor da redução das emissões de carbono envolvem vontade política, investimentos, restrições, regramentos e burocracia. Consequentemente, em um primeiro momento, o combate às mudanças climáticas pode afetar a competitividade dos produtos fabricados ao abrigo de tais ações. Países omissos em relação às mudanças climáticas poderiam, inclusive, conquistar mais espaço no mercado internacional, atraindo investimentos e incrementando suas exportações. Para atrair novas indústrias e manter as existentes, alguns países poderiam adotar uma espécie de "corrida ao fundo", que premiaria o país mais amigo da poluição.

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Note-se, porém, que, muito embora o CBAM pretenda atacar um problema global, reflete a implementação de políticas desenvolvidas no bloco europeu, conforme os seus standards e o seu sistema de precificação do carbono. Não se vê na Proposta apresentada, nesse momento, um estímulo claro à implementação de mecanismos semelhantes por parte de terceiros países.

De fato, a Proposta tangencia a possibilidade de flexibilização do CBAM em relação a outros países que adotam mecanismos de precificação do carbono, mas coloca obstáculos financeiros e técnicos ao setor privado europeu e ao país exportador que podem tornar excessivamente oneroso esse processo. O acesso privilegiado ao mercado europeu com base na adoção de mecanismos de precificação de carbono não parece estar ao alcance da maior parte do planeta, de forma inclusiva e sustentável.

O CBAM seria mais eficaz contra as mudanças climáticas se fosse concebido como um mecanismo transitório, que combinasse o sobrepreço dos certificados a estímulos efetivos para que os demais países reduzissem as suas emissões de carbono. No momento em que se reduzisse a emissão de gases de efeito estufa de maneira mais homogênea, o CBAM se tornaria dispensável.

Os países mais afetados pelo CBAM serão aqueles cujas exportações para o bloco europeu são mais concentradas nos produtos sujeitos ao mecanismo, que são: Rússia, Turquia, China, Reino Unido, Ucrânia e países do Norte da África. Espera-se insatisfação e retaliações por parte desses parceiros comerciais.

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A pauta de exportação do Brasil para a União Europeia, concentrada em produtos agrícolas, está pouco exposta ao CBAM. Contudo, é preciso atentar para a possibilidade de extensão da cobertura do CBAM, e para a proliferação de mecanismos semelhantes em outras partes do planeta que atinjam mais frontalmente as exportações brasileiras.

Por isso, o Brasil não pode perder a chance de debater internamente sobre a necessidade de adotar políticas e ações contra as mudanças climáticas, pois está claro o impacto negativo de ignorar o meio ambiente nas suas exportações.

*Vera Kanas, sócia na área de Comércio Internacional de TozziniFreire Advogados

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